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Com recorde de inscrições, interesse no conselho do Plano Diretor dispara entre entidades não afins e preocupa especialistas

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Com recorde de inscrições, interesse no conselho do Plano Diretor dispara entre entidades não afins e preocupa especialistas Eleição no CMDUA tem tido recorde de participantes | Foto: Tiago Medina

Não é só o número recorde de candidatas na eleição das entidades para o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental que chama a atenção neste ano. A natureza das candidaturas de diversos grupos sem trajetória na área do planejamento urbano também tem sido alvo de discussão.. Dentre os exemplos estão sindicatos de classes de trabalhadores e empresários e instituições que atuam em outros segmentos que não o urbanismo nem a construção civil. Ao todo, serão 75 organizações não governamentais que disputarão nove assentos no CMDUA, um aumento de quase 100% na comparação com a última disputa, da qual 39 participaram. 

As candidaturas homologadas foram conhecidas na quinta-feira passada. Os 75 postulantes serão divididos em três fóruns para concorrer: Entidades Ambientais e Instituições Científicas (dois assentos/nove candidatos); Entidades de classe e afins ao Planejamento Urbano (cinco assentos/54 candidatos); e Entidades empresariais de preferência da construção civil (dois assentos/12 candidatos). Em 2018, foram nove candidaturas no primeiro fórum, 22 nas entidades de classe e afins ao planejamento urbano e oito no terceiro grupo. 

A relação completa dos candidatos e sua divisão por fórum foi publicada no Diário Oficial. A eleição das entidades ocorre na próxima quinta-feira, na Câmara Municipal. Diferentemente das regiões, ela não é aberta à participação do público, com voto apenas de representantes das entidades envolvidas no processo. Em caso de empate, fica com a vaga a entidade mais antiga. 

As organizações da sociedade civil que atuam no CMDUA correspondem a um terço dos 28 votos do conselho. O outro terço é composto pelos conselheiros das regiões, eleitos em disputas regionais ao longo do último mês, e o restante são indicados pelo poder público – sendo sete diretamente ligados à prefeitura, além de um representante do governo estadual e outro do governo federal. 

As entidades que compõem o CMDUA atualmente são: Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES/RS), Acesso Cidadania e Direitos Humanos, Associação Rio-Grandense dos Escritórios de Arquitetura, Conselho de Arquitetura e Urbanismo do RS (CAU/RS), Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RS), Sindicato dos Arquitetos do RS (Saergs), Sindicato dos Engenheiros do RS (Senge-RS), Sindicato das Indústrias da Construção Civil (Sinduscon) e Sociedade de Economia do RS (Socecon/RS). Todas elas concorrerão à reeleição.

O risco de desequilíbrio

A lógica desta composição, de acordo com a integrante do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico e pesquisadora do Observatório das Metrópoles, Betânia Alfonsín, está consagrada na lei do Plano Diretor e busca equilíbrio de opiniões no colegiado. Esse equilíbrio, para ela, fica ameaçado a partir da homologação de determinadas candidaturas. “O critério de um terço da sociedade civil ficou um pouco negligenciado, porque a prefeitura admitiu inscrição de entidades que não tem isso (planejamento urbano) em seu estatuto, como uma associação de cervejeiros (Associação Gaúcha das Microcervejarias), Instituto de Estudos Empresariais, o Instituto Caldeira”, citou. “São entidades com outros objetivos.”

Ex-integrante do CMDUA, quando estava à frente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RS) e autor de uma dissertação de mestrado sobre o Conselho, Rafael Passos também estranhou a classificação e a homologação de algumas candidaturas que atuam em áreas não afins ao planejamento urbano. Ele considera uma “deturpação” do conceito de participação das entidades, em especial no fórum Entidades de classe e afins ao Planejamento Urbano. 

“Me parece que o que está sendo deturpado é o conceito desta participação de entidades de classe onde se procura ter da sociedade civil uma representatividade de grupos técnicos que atuam dentro do planejamento urbano. Há um claro desvirtuamento do espírito da lei”, afirmou. “Parece que a avaliação da comissão eleitoral esgarça, e muito, o conceito do que está por trás de cada uma das categorias.”

Tal situação, projetou ele, pode reduzir a pluralidade do CMDUA. Concorrendo no fórum Entidades Ambientais e Instituições científicas, o Instituto Caldeira – que em seu site destaca a vocação pela inovação e a ligação com o meio empresarial – concorrerá com, por exemplo, o Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais e a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, grupos historicamente ligados à proteção do meio ambiente e que recentemente se engajaram contra o corte de árvores no Parque Harmonia. Procurado pela Matinal, o Instituto Caldeira não retornou até o fechamento deste texto para comentar a sua participação. 

Mais concorrido, o fórum de Entidades de Classe e afins ao Planejamento Urbano conta com candidatos oriundos de setores que, a priori, não atuam direta ou prioritariamente com as questões urbanísticas. Na lista constam Associação Gaúcha das Microcervejarias, Câmara de Dirigentes Lojistas, Associação Gaúcha de Supermercados, Sindicato de Hotéis de Porto Alegre, Sindiatacadistas, entre outros. “Esse desvirtuamento da categoria ‘entidades de classe e afins do planejamento’ acaba por, neste processo, desequilibrar e retirar a participação de entidades de classe. Isso em favorecimento a um conselho que vai ficar representado por entidades empresariais”, avaliou Passos, que concluiu: “É um desequilíbrio na construção do CMDUA”.

Da mesma forma, Alfonsín crê neste risco. “Ao que tudo indica, a plenária que vai escolher as entidades também pode ter uma maioria que está mais interessada em vincular interesses do mercado imobiliário em Porto Alegre do que propriamente da sociedade civil, como é originalmente o que se pensou”, alertou. “Com isso a gente altera a correlação de forças no conselho e também o resultado das votações, onde a sociedade civil e os moradores interessados em manter a sua qualidade de vida, e não em fazer votações que só melhorem o ambiente de negócios imobiliários em Porto Alegre, ficam bastante prejudicados.”

Comissão eleitoral: candidaturas passaram por “extenso processo de aprovação”

Consultada pela Matinal, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade informou que não iria comentar, porque o titular da pasta, Germano Bremm, está em férias – no mês passado ele havia celebrado o alto número de inscrições de entidades interessadas em participar do CMDUA.

A Comissão Eleitoral das eleições para o CMDUA, ao passar orientações sobre esta etapa da eleição, escreveu: “Conforme regramento, as entidades passaram por extenso processo de aprovação, sendo as suas impugnações e defesas analisadas”. 

A votação para entidades inicialmente estava marcada para 8 de fevereiro, mas foi adiada para o dia 29, o que acabou por ampliar o tempo para que organizações com problemas na inscrição – eram 65 em janeiro – pudessem efetuar as correções e viabilizar a candidatura. 

Dentre os pedidos para impugnação em janeiro, 54 foram motivados por casos de “enquadramento irregular”. De todos esses pedidos, apenas três foram efetivamente considerados irregulares neste quesito e impugnadas. As outras duas impugnações efetuadas foram por falta de residência em Porto Alegre (caso da Associação de Preservação da Natureza do Vale do Gravataí) e atuação inferior a um ano (Associação Educativa pelo Desenvolvimento do Bairro Farrapos).

Nesta terça, ocorre a eleição para conselheiro da Região de Gestão e Planejamento 4, no bairro Mario Quintana. Inicialmente, ela estava marcada para 18 de janeiro, mas foi adiada em razão do temporal. Conselheiros e delegados das demais sete regiões já foram eleitos.

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