Eleições 2022 | Reportagem

Colégio de Porto Alegre proíbe símbolos partidários, mas permite bandeira nacional, e famílias vão ao Ministério Público

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Colégio de Porto Alegre proíbe símbolos partidários, mas permite bandeira nacional, e famílias vão ao Ministério Público Colégio Farroupilha enviou novo comunicado às famílias no dia 25 de outubro (Foto: Colégio Farroupilha/Divulgação)

Sindicato dos professores fala em aumento de queixas sobre práticas intimidatórias por parte de alunos e instituições

O Colégio Farroupilha, de Porto Alegre, está sendo denunciado por proibir estudantes e professores de utilizarem símbolos com conotações partidárias – exceção feita à bandeira nacional, apreciada pela escola como “ícone da nossa nação”. Observando a “polarização do contexto político” brasileiro, o colégio emitiu comunicado às famílias no dia 3 de outubro, três dias após a votação do primeiro turno, e encontrou resistência: na última sexta-feira (7), a Associação de Mães e Pais pela Democracia (AMPD) denunciou a instituição junto ao Ministério Público do Trabalho (MPT), ao Ministério Público Eleitoral (MPE) e ao Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (MP-RS).

No comunicado, o Farroupilha alega cumprir as diretrizes do seu Código de Conduta e Convivência, que veta aos professores praticarem “apologia político-partidária”, não sendo esse o caso da bandeira verde-e-amarela, que se anexaria com neutralidade ao uniforme escolar: “não são permitidas bandeiras, vestimentas ou acessórios com símbolos de partidos políticos. Porém, no caso específico da bandeira do Brasil, considera-se que ela é, antes de tudo, um ícone da nossa nação e, portanto, não é proibida, desde que não cubra o uniforme escolar e não seja usada como elemento mobilizador de manifestações políticas”, sugere a nota da escola.

A nota teria contribuído para uma série de práticas intimidatórias, segundo relata Erlon Schüler, diretor do Sindicato dos Professores do Ensino Privado (Sinpro-RS): “Os professores estão com medo. Não querem falar dentro da escola, sentem-se coagidos. Há relatos de alunos constrangendo professores a tirar fotos com a bandeira do Brasil, investigando as suas redes sociais, perguntando em quem vão votar. A nota causa estranheza porque, neste momento, sabemos que a bandeira está sendo utilizada por um campo político. Permitir o uso da bandeira é dar guarida para um lado, e não outro”.

A mãe de uma aluna do Ensino Médio conversou com a reportagem sob a condição de não ser identificada. “Todos sabem que a bandeira do Brasil foi sequestrada pelo partido que está no poder e vem sendo usada em carros, janelas das casas e adesivos para manifestar preferência pelo atual presidente. Desconsiderar esse comportamento é subestimar a postura crítica dos alunos e especialmente dos pais”, pondera, questionando a pretensão de uma educação politicamente neutra. “O papel da escola não seria o de estimular o diálogo na divergência?”

Outra mãe, que também pediu anonimato, reconhece que o código de ética é antigo e previne o ambiente escolar contra rivalidades apaixonadas, como aquela entre torcidas de futebol, mas receia que o colégio tenha feito uma leitura “rasa” do problema: “Haveria que compreender que, neste mês, o símbolo da bandeira nacional vai além de qualquer aspecto físico. Ela tem, sim, um aspecto ideológico aliado com uma parte do eleitorado brasileiro. Minha filha se sentiu extremamente injustiçada.”

Segundo o presidente do Sindicato do Ensino Privado (Sinepe-RS), Oswaldo Dalpiaz, as regras de conduta de cada instituição são bem conhecidas por professores e familiares, e a orientação é de que as escolas distingam formação crítica e formação partidária: “Entendemos que a escola é um espaço para se trabalhar a política enquanto promoção da cidadania. Quando temas envolvendo partidos políticos e ideologias entram na sala de aula, é importante respeitar as diferentes formas de pensamento, mas devemos lembrar que o espaço escolar não é local para discussão partidária”.

Escolas “sem partido” e silenciamento da divergência

Aline Kerber, presidenta da Associação de Mães e Pais pela Democracia (AMPD), qualifica o comunicado do Colégio Farroupilha como uma “carta política institucional” e uma “síntese do que vem acontecendo nos últimos anos”, com a propagação de movimentos como o Escola sem Partido: “Eles querem ferir as liberdades democráticas desde a educação. Não querem confronto de ideias, não querem divergência.”

A situação no Farroupilha seria apenas um dos sintomas de um movimento mais amplo: “São vários casos de tentativa de silenciamento em várias cidades do Estado, em escolas públicas e privadas, mas sobretudo nas privadas”, afirma Kerber. Os relatos coletados pela AMPD incluem a exclusão de bibliografias por “linguagem inadequada”, questionamentos das posições de professores, proibição de abordar pautas políticas e até demissões de docentes que não se submeteram a provocações em sala de aula.

Erlon Schüler, diretor do Sinpro-RS, confirma que denúncias de pressão “não param de chegar no sindicato”. “Tem escola que está pedindo para o professor remover posição política das redes sociais. Isso é muito grave, porque é gerenciamento, pela instituição, de algo privado”, afirma.

Iana Gomes de Lima, professora da Faculdade de Educação da UFRGS, entende que um modelo de “escola sem partido”, como ideal institucional, encobre uma pedagogia voltada para a manutenção de privilégios históricos. “O Escola sem partido é um movimento ideológico. Quando ele ataca a militância da classe docente, essa militância é de esquerda, e a direita aparece como neutra. Essa ideia defende classes historicamente favorecidas e que acessaram a educação desde sempre: classes médias, altas, brancos, héteros. O que vemos é um ataque à pluralidade e à diversidade. As fake news talvez não tivessem tanto efeito na nossa sociedade se tivéssemos uma formação política, que não é sinônimo de formação partidária.”

O Colégio Farroupilha foi procurado pela reportagem e optou por não se manifestar. 

Leia o comunicado do colégio enviado às famílias: 

Porto Alegre, 03 de outubro de 2022.   

Prezadas famílias,   

Diante da polarização do contexto político vivenciado atualmente em nosso país, entendemos que é importante salientar que o Colégio Farroupilha é uma instituição apartidária, que preza por sua missão,  sua visão e seus valores.  

Nesse sentido, ressaltamos que os nossos professores e demais profissionais são instruídos, periodicamente, a manterem-se imparciais – no ambiente escolar – no que se refere às suas preferências políticas. Tal indicação está, inclusive, em nosso Código de Conduta e Convivência: “Não é permitido a nenhum educador do Colégio Farroupilha, em sua prática pedagógica e de trabalho, a apologia político-partidária (p.59).” Assim, qualquer situação que, de fato, descumpra as normas de conduta e convivência supracitadas será avaliada pela equipe gestora da instituição.  

Em relação aos estudantes, do mesmo modo, é requerida postura adequada, no sentido de que “não façam, dentro do Colégio, […] propagandas político-partidárias ou religiosas (p. 65).” Portanto, a fim de zelar pelo ambiente escolar, que deve priorizar a aprendizagem e a boa convivência, as situações de conflito ou de indisciplina serão mediadas pela equipe da escola, quando necessário.  

De forma prática, informamos que não são permitidas bandeiras, vestimentas ou acessórios com símbolos de partidos políticos. Porém, no caso específico da bandeira do Brasil, considera-se que ela é, antes de tudo, um ícone da nossa nação e, portanto, não é proibida, desde que não cubra o uniforme escolar e não seja usada como elemento mobilizador de manifestações políticas.

Por fim, em caso de dúvidas ou inquietudes, solicitamos que seja realizado contato direto com a escola, por meio do telefone da Central de Relacionamento. Desse modo, poderemos averiguar a situação e evitar a disseminação de informações inconsistentes.

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