Reportagem

Presença do setor da construção e falta de diversidade do público marcam fim do evento sobre Plano Diretor de Porto Alegre

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Presença do setor da construção e falta de diversidade do público marcam fim do evento sobre Plano Diretor de Porto Alegre Cerca de 960 pessoas se inscreveram para o evento, que ocorreu na PUCRS (Foto: Tiago Medina/Matinal)

Realizado ao longo de três dias da semana e em horário comercial, conferência se propôs a analisar atuais diretrizes urbanísticas; Público pôde fazer recomendações ao processo de elaboração das novas normas

A Prefeitura de Porto Alegre concluiu nesta quinta-feira os três dias da Conferência de Avaliação do Plano Diretor, parte do processo de revisão das normas que ditam as diretrizes urbanísticas da cidade. Cerca de 960 pessoas se inscreveram para o evento, que ocorreu no Salão de Atos da PUCRS, segundo a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), que capitaneou o evento. Previsto por lei para ser revisado a cada dez anos, o Plano Diretor de Porto Alegre deveria ter sido revisto em 2020, mas os trabalhos atrasaram por conta da pandemia.

Apesar de ser aberto ao público ao longo de todas atividades, a copresidenta do Instituto de Arquitetos do Brasil no RS, Clarice Misoczky Oliveira, considera que houve uma “pseudoparticipação” do público devido à escolha dos dias e horários. Apesar de elogiar a organização das atividades no evento, ela ponderou que as datas acabaram por afastar a classe trabalhadora. 

“O perfil do público é mais técnico, não tem um perfil mais popular. Muitos técnicos da prefeitura estão presentes e, ainda que seja muito importante essa participação de técnicos de diversas secretarias, isso não configura como participação social”, observou. “(O formato) acaba privilegiando a classe média, que pode vir aqui votar. A classe trabalhadora não pode.”

Um ponto criticado por Clarice foi a não apresentação dos dados colhidos pela consultoria Ernst & Young, contratada pelo Executivo para elaborar uma revisão técnica. “A consultoria externa está fazendo um levantamento de dados para traçar um diagnóstico técnico. Esse diagnóstico deveria ser apresentado à população em horários e locais condizentes com a possibilidade de uma ampla participação social”, afirmou ela, citando que assim poderia ser uma maneira de a população em geral compreender melhor os dados analisados pela empresa. 

Para a copresidenta do IAB, a falta desse diagnóstico prévio prejudicou o debate: “Acabou de ser aprovada uma proposta (recomendação) que deve densificar a cidade para além da infraestrutura que existe. Mas ninguém sabe qual é a infraestrutura existente”, apontou.

Representantes da consultoria estiveram no evento, mas permaneceram na plateia, sem participar dos debates.

Conferência propôs debate, trabalho por eixos e discussão de propostas

Os três dias tiveram propostas distintas. No primeiro, 14 especialistas, mesmo aqueles com visões opostas às defendidas pelo Executivo, fizeram apresentações e palestras, além de participarem de um breve debate. Dentre as 30 pessoas que se revezaram na mesa, ainda que houvesse divisão de gênero, entre convidados e mediadores apenas um era negro, o ex-presidente da EPTC Luiz Afonso Senna, conforme observou a coluna Pensar a Cidade. Cerca de 20% da população da Capital se autodeclara negra.

No segundo dia, os inscritos se dividiram em grupos sobre os sete eixos temáticos propostos pela Prefeitura – desenvolvimento social e cultural; ambiente natural; patrimônio cultural; mobilidade e transporte; desempenho estrutural e infraestrutura urbana; desenvolvimento econômico; e gestão da cidade. O objetivo foi debater e chegar a um consenso sobre recomendações.

O que foi acertado nestes grupos foi apresentado e votado no terceiro e último dia. E aí uma questão que se fez polêmica chamou atenção de alguns participantes. Pessoas que não participaram das atividades anteriores puderam se inscrever, apresentar novas sugestões ao trabalho dos grupos e participar das votações – que ocorreram por contraste, sem um escrutínio preciso, apenas por impressão de qual grupo era maior quando questionado se era favorável ou contrário a alguma medida.

Movimento em bloco

Essa regra permitiu que pessoas ligadas a grupos como a construtora Melnick Even e o Sinduscon-RS se reunissem em grupos numerosos que votaram de forma conjunta. A participação desta forma foi defendida pelo titular da Smamus, Germano Bremm. Ele ressaltou que essa possibilidade consta no Regimento da Conferência, que foi publicado em fevereiro.

Mas as consequências da medida geraram reações entre os demais participantes, como na discussão do eixo desenvolvimento econômico. Uma das propostas apresentada nesta quinta pedia para que simplesmente fossem excluídas oito recomendações aprovadas pelo grupo no dia anterior, dentre as quais constavam ações relacionadas à energia sustentável e reciclagem. A sugestão, apresentada por um corretor de imóveis, foi uma das poucas rejeitadas durante a tarde.

Já a recomendação que determina que regimes urbanísticos sejam definidos pelo Plano Diretor – e não por outros projetos de lei, como no caso dos programas para o Centro e o 4º Distrito – também esteve dentre as aprovadas. A Prefeitura promete disponibilizar todas as moções no seu site até a próxima segunda-feira, dia 13 de março. Os relatórios do trabalho dos grupos também devem ser publicizados em breve. 

Em que pese a falta de uma maior diversidade do público e as sugestões de última hora, o secretário da Smamus, Germano Bremm, disse estar “satisfeitíssimo” ao término do evento. Conforme ele, as moções aprovadas agora serão conciliadas com os estudos técnicos. O conteúdo integrará o que a Prefeitura chama de “Leitura da Cidade”. Esse material será compilado e discutido nas oficinas temáticas a serem realizadas durante as próximas etapas da revisão. Serão nessas etapas que propostas ao novo Plano Diretor serão, de fato, elaboradas. 

Bremm, ao fim da conferência, reconheceu que, apesar de o evento ser de avaliação do atual Plano Diretor, era difícil que novas propostas para o próximo plano já surgissem. “Tem uma leitura comunitária, então é natural que as pessoas venham e tragam a sua visão, seu olhar da cidade e o que elas querem resolver dentro do seu bairro e da sua vida. É complexo impedirmos essa participação”, comentou. “Temos que acolher. E aí compatibilizar dentro das que colocamos.”

Ao fim das discussões sobre cada eixo, o documento com as modificações era novamente submetido à votação. “A partir dessas reflexões trazidas – e muitas delas são propostas pontuais –, vamos refletir o que não funcionou no Plano Diretor vigente”, explicou o secretário. 

As datas dos próximos eventos relacionados à revisão do Plano Diretor ainda não estão definidas. Além de mais oficinas temáticas, ainda haverá uma nova conferência – esta sim, de propostas ao Plano Diretor, além de audiências públicas, promovidas tanto pela Câmara quanto pela Prefeitura. Germano Bremm reiterou a meta do Executivo de enviar a proposta de revisão para o Legislativo ainda neste ano.

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