Reportagem

Escola estadual em Porto Alegre funciona pela metade há três anos

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Escola estadual em Porto Alegre funciona pela metade há três anos Infiltração causou a interdição de um prédio inteiro: metade da área construída da escola

Uma infiltração nunca consertada levou à interdição de um dos prédios da Escola Estadual Dr. Martins Costa Júnior, que hoje atende metade dos alunos. Mas escola não consta na lista de obras prioritárias da Seduc 

A Escola Estadual de Ensino Fundamental Doutor Martins Costa Júnior funciona pela metade há três anos. Em 2020, um de seus prédios foi interditado, por graves problemas de infiltração de água, que começaram em 2010. Desde então, atende cerca de 350 alunos, 50% do público que costumava receber. A  instituição fica no bairro São José, zona leste da Capital, e é frequentada por estudantes que vêm de regiões periféricas de Porto Alegre, como o Morro da Cruz e o Campo da Tuca, entre outras localidades.

Essas adversidades vêm de antes. A diretora da escola, Jane Matos, relata que as infiltrações são notadas – e comunicadas à Secretaria Estadual de Educação (Seduc) – pelo menos desde 2016, quando assumiu o cargo de direção. Antes disso, outros problemas já se acumulavam. Ainda em 2011, um muro começou a ceder e precisou ser interditado. Foi refeito somente em 2016. A infiltração que culminou na interdição de um dos prédios, equivalente à metade da área construída, decorre de um telhado que deveria ter sido reformado há anos – o que não ocorreu, a despeito da insistência da comunidade escolar. Há solicitações de troca de telhas desde 2010, ou seja, há quatro gestões no governo estadual. Existem também problemas em outro muro, na rede elétrica, em portas e portões, na caixa d’água e em banheiros.

Uma equipe da Seduc visitou a escola na última sexta-feira, 30 de junho. Não é a primeira vez que o governo envia representantes. “Eles vêm, tiram fotos, fazem projetos. Mas não sai do papel, e isso decepciona”, relata a diretora, após diversas tentativas frustradas nos últimos anos. “Dizem que a obra sairá no segundo semestre, mas nunca se sabe”. Ela conta que as obras foram licitadas em algumas ocasiões, mas – no caso mais recente – houve desistência, por parte da empresa vencedora. “O valor muito baixo é a provável causa”, avalia. A conclusão da obra no telhado da escola está orçada em 243 mil reais.

Na campanha eleitoral de 2022, e ao tomar posse, no começo deste ano, o governador Eduardo Leite (PSDB) afirmou que a educação seria prioridade de seu segundo mandato. “Vamos arrumar as escolas”, disse em seu primeiro ato como chefe do Executivo reeleito, na Assembleia Legislativa. 

Em fevereiro, o governo apresentou um levantamento que apontava 176 escolas em situação estrutural definida como “urgente”, que deveriam passar por reformas prioritariamente. A Escola Dr. Martins Costa Júnior não consta na lista. O Rio Grande do Sul tem 2.311 escolas estaduais. Dessas, a pesquisa colocou 1.898 – 82,1% das avaliadas – com problemas definidos como “intermediários”. Isso significa que 95,7% das instituições estaduais têm algum problema estrutural.

Questionada pela Matinal, a Seduc informa que já foram realizadas as devidas vistorias, e a obra será realizada por meio de repasse de “autonomia financeira”, com dispensa de licitação, para dar agilidade à reforma. “A previsão de conclusão após o início dos trabalhos é de 30 dias”, disse a assessoria da pasta à reportagem da Matinal

A pasta, entretanto, não forneceu outras informações solicitadas, como a razão pela qual a solução para o problema tenha se prolongado por tanto tempo, sobre a insuficiência do repasse mensal enviado à escola, sobre as empresas que desistem de licitações de reformas, assim como o motivo de a EEEF Doutor Martins José da Costa Júnior não estar entre as escolas com problemas definidos como “urgente” pelo governo.

Estudantes e comunidade vivem os efeitos da negligência governamental

A EMEF Doutor Martins Costa Júnior chegou a ter mais de 700 alunos – contava, para tal, com uma infraestrutura mais adequada. O prédio atualmente interditado tem oito salas de aula, além de  biblioteca, sala de informática, sala de audiovisual, sala dos professores e um setor administrativo. 

Nem tudo coube no outro prédio. A biblioteca, por exemplo, segue na construção fechada, mas somente professores têm acesso aos livros, que precisam levar à mão dos estudantes a cada uso, para não expô-los ao perigo.

O setor administrativo chegou a ser mantido por um tempo no prédio interditado, mas o mofo decorrente da infiltração vinha causando problemas respiratórios na equipe. “Não há aqui quem não tome algum medicamento”, diz a orientadora pedagógica Viviane Oliveira. A administração da escola agora trabalha em uma sala pequena no prédio onde ficam as salas de aula. Outros equipamentos, de audiovisual e informática, precisaram ser desativados.

“A gente vai tentando que a escola não feche”, diz Jane, citando o exemplo da EEEF Dr. José Carlos Ferreira, não muito longe dali, no bairro Partenon, fechada repentinamente em abril. A escola recebeu um laudo técnico apontando risco de desabamento, foi interditada, e alunos foram matriculados em outras instituições. “A gente até imagina que possa ser um plano para fechar nossa escola”, avalia.

A demanda por matrículas na Doutor Martins Costa Júnior, por outro lado, não diminui. “A gente está seguidamente na situação de negar vagas às famílias, que querem as crianças estudando aqui”, afirma a diretora. A escola fica numa das vias mais movimentadas da região, ao lado do principal ponto de ônibus, numa parte da cidade com alta densidade demográfica – o bairro é o décimo com mais pessoas por quilômetro quadrado em Porto Alegre. 

A instituição recebe uma verba mensal de R$ 2.354,92 para manutenção – gastos com limpeza, serviço de internet e materiais educativos, porém, devem ser cobertos por esse repasse. Não sobra para qualquer obra, mínima que seja. “Cheguei a colocar, do meu bolso, um galão de 18 litros de tinta para uma pintura que necessitávamos”, conta. A empresa da qual a diretora comprou o produto, ao ser informada da situação, resolveu ajudar com mais um galão.

Equipamentos estragados também são consequência dos problemas estruturais. Livros mofados, eletrodomésticos queimados, lâmpadas que nunca funcionam. Questões na rede elétrica da escola – decorrentes da infiltração e das numerosas goteiras – provocam, além disso, risco de choque à comunidade escolar.  Junto com o telhado, esses consertos fazem parte da mais recente licitação de reformas.

O Sindicato dos Professores e Funcionários de Escola do Rio Grande do Sul (Cpers) fez uma visita à escola, em abril. Naquele momento, o governo estadual disse que uma empresa havia sido licitada para consertar o muro, o que não aconteceu até agora. Promete-se, novamente, a obra para o segundo semestre. 

“Estivemos lá verificando o abandono da escola, com toda uma precariedade estrutural. O mofo, tão logo entramos, atinge nossas vias respiratórias. A equipe pedagógica e a secretaria ainda estavam naquele ambiente insalubre quando visitei a escola”, relata a presidente do Cpers, Helenir Aguiar Schürer.

“Temos uma comunidade muito grande naquela região. Muitos alunos a procuravam por estar perto da sua casa, mas não havia condições de abrir mais salas, por conta da área interditada. Isso afeta o ensino em toda a região, muitas pessoas não têm recurso para pagar ônibus”, argumenta.

O sindicato avalia que a situação se dá “por total descaso e falta de compromisso do governo do estado”, mas que não se trata de um problema pontual – a entidade registra interdição de prédio também em escolas de cidades como Rio Grande, Pelotas, Santa Maria e Ijuí. “Temos encaminhadas essas demandas ao governo, que infelizmente faz muita propaganda de investimento, mas, quando a gente vai ver, nada ou quase nada mudou. Há uma crise generalizada. Caos na estrutura, sem ainda falar da falta de professores, funcionários, para além de problemas estruturais em todo o Rio Grande do Sul. As comunidades realizam muitas atividades de arrecadação de recursos para poder manter as escolas em pé”, diz.


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Esta reportagem faz parte do projeto Pé no chão: jornalismo investigativo local pautado com a comunidade e partiu de uma sugestão de moradores do Morro da Cruz. A região participa da primeira fase do projeto selecionado para o programa Acelerando Negócios Digitais, promovido pelo Centro Internacional para Jornalistas e pela Meta. Saiba mais.

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