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Casa geriátrica de Novo Hamburgo leva idoso às urnas e orienta voto em Bolsonaro

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Casa geriátrica de Novo Hamburgo leva idoso às urnas e orienta voto em Bolsonaro Proprietária do Residencial Bem Viver nega acusação. Nas redes sociais, se diz "em luto pelo Brasil" | Foto: Reprodução Facebook

Às vésperas do pleito, gerente e proprietária do lar Bem Viver ameaçaram fechar o residencial em caso de vitória de Lula. Prática pode ser considerada crime eleitoral de coação

Portador de uma doença neurodegenerativa, um idoso residente do Residencial Bem Viver, em Novo Hamburgo, foi levado às urnas em 30 de outubro à revelia da família e orientado a votar em Bolsonaro. 

Pelo depoimento gravado com autorização da filha e enviado ao Matinal, o homem, que não será identificado para proteger a sua identidade, afirma ter concordado em ir à seção eleitoral após uma insistência da técnica em Enfermagem Sandra Ferraz de Oliveira, gerente do Bem Viver. 

O idoso teria votado com um xerox da carteira de identidade que estava em posse do lar. A comprovação do voto no segundo turno foi confirmada pelo Tribunal Regional Eleitoral e deixou a família perplexa. 

“É um crime o que elas (em referência a Sandra e a proprietária Josiane Ludvig) fizeram. Ele estava numa situação totalmente dependente delas”, disse um familiar. “A família não foi informada que ele saiu do lar para votar. E se acontecesse algo no percurso?”.

Sandra teria dito, às vésperas do segundo turno e reiteradas vezes, que a casa geriátrica fecharia em caso de vitória de Luiz Inácio Lula da Silva. O caso pode ser enquadrado como crime de coação eleitoral, previsto no artigo 301 do Código Eleitoral.

A proprietária do Residencial Bem Viver, Josiane Ludvig, disse ao Matinal que a informação “não procede”. “Como nós que estamos em funcionamento há 10 anos faríamos isso? Somos imparciais”, questionou Josiane. “Isso é absurdo, ridículo”. A reportagem também entrou em contato com a advogada do lar, Andrea Lobo, mas não obteve retorno.

O caso foi denunciado pela família ao Ministério Público de Novo Hamburgo, que pediu mais informações.

O Matinal ouviu Rodrigo López Zilio, professor de Direito Eleitoral da Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP), para entender se o episódio denunciado pode ser classificado como um crime de coação. Previsto no artigo 301 do Código Eleitoral, o crime de coação eleitoral é definido pelo uso de grave ameaça ou constrangimento para direcionar o voto em determinado candidato ou partido. “Este artigo protege a livre determinação do eleitor, a liberdade de ele poder escolher votar em quem bem entender”, observa Zilio. 

“Ainda que quem coage não tenha atingido esse objetivo, o que importa para se configurar um crime é saber se houve o emprego de grave ameaça ou constrangimento e se foi em desacordo com a consciência do eleitor”, observa o professor da FMP. O crime de coação prevê quatro anos de prisão. 

Segundo Zilio, se for também comprovado um crime contra o Estatuto do Idoso, aprovado em 2003, o denunciado pode responder por ambos na Justiça Eleitoral. O artigo 10 do Estatuto diz ser obrigação do Estado e da sociedade assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis.

Em áudio enviado por um familiar ao Matinal, gravado com autorização do idoso, ele relata sensações de culpa e vergonha por ter sido exposto a situação de ser constrangido a votar em Bolsonaro. Sandra conduziu o idoso até a urna – ele tem dificuldades de locomoção e assinou um termo na própria seção dando a ela essa autorização. 

“Me vendi por uma conversa de alguém que tinha interesse no meu voto, fiquei me sentindo mal por fazer algo errado. Elas me ofereceram bolachinhas se eu concordasse em votar”, disse. “Eu tinha vontade de sair correndo de lá (na semana seguinte ao pleito)”. Segundo relatos aos familiares, Sandra teria levado outros residentes às urnas. 

Apesar de se dizer imparcial na empresa, a proprietária Josiane Ludvig e Sandra de Oliveira seguiram postando conteúdos políticos contra o presidente eleito e se dizem “em luto pelo Brasil”. 

Em uma das postagens, Josiane escreveu: “Quando roubarem teu celular, faz o L; quando sua empresa te demitir, faz o L; quando sua filha usar o mesmo banheiro de meninos, faz o L” e lista outros itens que fazem referência a notícias falsas que circularam nas redes durante a campanha à presidência. 

O Conselho Municipal dos Direitos e Cidadania do Idoso de Novo Hamburgo informou que não recebeu denúncia de coação eleitoral do Bem Viver. Mas confirmou que o lar está com a inscrição vencida desde maio deste ano, conforme relação que consta no site. 

A inscrição é uma exigência da Resolução 56, aprovada em 2021, pelo município para instituições ou entidades de longa permanência. Por e-mail, o Conselho informou que lares sem o documento estão irregulares e sujeitos a sanções impostas pelo Ministério Público e Vigilância Sanitária. 
Denúncias de possíveis crimes eleitorais podem ser feitas pelo site do Ministério Público do Rio Grande do Sul.

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