Reportagem

Juíza fixa prazo para indígenas deixarem área no Morro Santana

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Juíza fixa prazo para indígenas deixarem área no Morro Santana Indígenas Kaingang e Xokleng ocupam área desde 18 de outubro do ano passado. (Foto: Alass Derivas/Deriva Jornalismo)

Clarides Rahmeier determinou saída voluntária até 9 de fevereiro; empresa Maisonnave ficou com terreno após ter dívidas milionárias perdoadas e quer erguer no local 11 torres de apartamentos

Indígenas Kaingang e Xokleng têm até 9 de fevereiro para deixar a área que ocupou em 18 de outubro, no Morro Santana, em Porto Alegre, no que ficou batizado como Retomada Gãh Ré

Em sua maioria mulheres e crianças, as indígenas alegam uma relação ancestral com o território, que estava hipotecado para garantir que a Maisonnave Companhia de Participações pagaria dívidas milionárias junto ao Banco Central e ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Passados 30 anos sem pagamento, a hipoteca caducou em 2018, e o terreno ficou de brinde para a empresa.

Ainda assim, o prazo para a desocupação foi comemorado pelas cerca de 60 indígenas ali habitantes, já que a decisão, proferida na última quarta-feira (11) pela juíza federal Clarides Rahmeier, da 9ª Vara do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, descarta o uso da força policial caso não haja uma saída voluntária. “Ganhamos tempo nesse contexto de mudança de governo para planejar a manutenção definitiva da posse”, diz nota emitida pela Retomada.

Lideranças da comunidade planejam uma ida a Brasília para apresentar uma demanda de demarcação junto à ministra dos Povos Indígenas Sônia Guajajara. Será anexado ao processo do MPF um recente diagnóstico ambiental realizado por estudantes dos cursos de Geologia, Biologia e Direito da UFRGS e UERGS.

Os indígenas Kaingang e Xokleng reivindicam o território desde 2008 junto à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), mas o processo até hoje consta como “demanda em qualificação”. Consultada em novembro sobre a iminente reintegração de posse, a Funai se limitou a dizer que “não há previsão de instauração de procedimento administrativo” e que os limites territoriais seriam conhecidos apenas “após a conclusão dos estudos multidisciplinares, consolidados no Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID)”. Contatada pelo Matinal, a Funai não havia respondido até a publicação desta reportagem.

Entrevistado pelo Matinal, o procurador Pedro Nicolau Moura Sacco, do Ministério Público Federal (MPF), demonstrou pessimismo quanto à possibilidade da Justiça atribuir a posse do território à comunidade Kaingang Xokleng. “É muito difícil reverter essa reintegração. A empresa está tendo uma vitória estritamente formal”, resumiu o procurador.

Em seu pedido em favor dos direitos indígenas sobre o território, o procurador enfatiza que a Maisonnave se beneficiava de “uma suposta propriedade apenas ganha em razão do erro ou da desídia, para falar o mínimo, da União Federal em executar uma hipoteca, por mais de trinta anos. Pena que os ‘erros’ jamais beneficiem grupos vulneráveis, como as comunidades indígenas, mas apenas a afortunadas famílias como os Maisonnave, que passaram incólumes por eventos que lesaram cerca de 100 mil pequenos poupadores com as quebras do Montepio da Família Militar e do Banco Maisonnave, nos anos 80”, escreveu.

Ponto mais alto de Porto Alegre, o Morro Santana abriga as nascentes do Arroio Dilúvio e uma rica biodiversidade. Um amplo estudo conduzido pela Antropologia da UFRGS demonstra, com documentos históricos e arqueológicos, que a área é frequentada por indígenas desde pelo menos o século 19. Com quatro sítios arqueológicos cadastrados no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o Morro Santana abriga indícios de passagem e estabelecimento de grupos humanos que remontariam a 12 mil anos atrás.

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