Reportagem

“Mais de 400 mil reais”: empresário denuncia pagamento de propina a ex-diretor do Dmae

Change Size Text
“Mais de 400 mil reais”: empresário denuncia pagamento de propina a ex-diretor do Dmae Os pagamentos teriam começado em paralelo à nomeação de Alexandre Garcia para a direção do departamento, no início de 2021 | Fotos: Gregório Mascarenhas

Em uma reunião realizada na Câmara de Vereadores, um empresário com contratos com a prefeitura de Porto Alegre denunciou o ex-diretor do Dmae, Alexandre Garcia, e políticos aliados de cobrar propinas de terceirizados em 2021. Luiz Augusto França, então diretor na MG Terceirização, disse que Garcia e o advogado pelotense Fabrício Tavares, ligado ao PSD, cobraram 5% do valor mensal do contrato de manutenção do esgoto pluvial entre janeiro de 2021 até fevereiro de 2022.

França denunciou o esquema à prefeitura, com cópia dos áudios e troca de mensagens que comprovariam seu relato. Diante da falta de informações, procurou o vereador Roberto Robaina (PSOL) para encaminhar as denúncias. O parlamentar, que organizou a reunião realizada nesta segunda (18), diz que estuda propor uma CPI para seguir com as investigações – para a instalação da comissão, são necessárias 12 assinaturas de vereadores. Contatada, a prefeitura disse que enviou a denúncia ao Ministério Público, ao Tribunal de Contas e à Polícia Civil em abril de 2022.

França, que não é mais ligado à MG, contou que foi contatado em janeiro de 2021 por Volnei Tavares, pai de Fabrício Tavares e atualmente pré-candidato à prefeitura de Pelotas pelo PL. Depois do primeiro contato com Volnei, Fabrício, que foi vice-prefeito da cidade na gestão de Adolfo Fetter Júnior (Progressistas), teria assumido o intermédio entre o Dmae e a MG, que pertence ao empresário Marcos Aurélio Garcia.

A partir daí, de acordo com a denúncia, o montante de 5% do valor mensal pago pelo Dmae à terceirizadora era destinado ao pagamento de propina em dinheiro – o que resultaria num montante de entre 50 e 60 mil reais por mês. Até o desacordo entre participantes do esquema, no início de 2022, a quantia alcançou mais de 400 mil reais pagos a Fabrício e Garcia para liberar os pagamentos do Dmae à MG.

Os pagamentos começaram em paralelo à nomeação de Alexandre Garcia para a direção do departamento, no início de 2021. Também vindo de Pelotas, Garcia chegou em Porto Alegre com a posse do prefeito Sebastião Melo (MDB), por solicitação do PTB, partido do qual faz parte.

Ele havia sido diretor do Serviço Autônomo de Saneamento de Pelotas (Sanep), entre 2017 e 2020, durante o primeiro mandato da prefeita tucana Paula Mascarenhas, e integrou o segundo mandato do então prefeito Eduardo Leite (PSDB). Quando deixou o Sanep, foi sucedido por Michele Larroza Alsina, então superintendente administrativa da autarquia – ela fora, anos antes, chefe de gabinete do então vice-prefeito Fabrício Tavares, entre 2009 e 2013.

Segundo França, as negociações para o pagamento de propina teriam acabado após contínuos descontos dos pagamentos do Dmae à terceirizada por conta de problemas na prestação do serviço. A MG já prestava serviços à prefeitura desde 2019, em contrato firmado com o Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), mas, no começo de 2021, os problemas começaram a surgir. Em janeiro, empregados da MG realizaram manifestações, bloqueando as avenidas Ipiranga e Sertório, por conta de atrasos no pagamento dos salários.

Na reunião desta segunda-feira, o vereador Roberto Robaina e a deputada Luciana Genro, ambos do PSOL, expuseram os áudios trocados por França e Fabrício Tavares. A contratação de terceirizadas, de acordo com o Robaina, produz serviços caros e sem qualidade. “Essa denúncia é muito grave e, como parlamentares, temos de trazer à tona. Vamos buscar a investigação profunda do que nos chegou para que isso seja esclarecido”, disse o vereador. Além de investigar a procedência das denúncias, Robaina diz que uma futura CPI deveria investigar também outros contratos do Dmae no período, além de outros contratos da MG Terceirização. “Se houver um esquema, ele veio de Pelotas ou já estava no Dmae desde outras gestões? Se houver um esquema, de que forma ele contribuiu com a situação precária a que foram expostos os trabalhadores da MG e de outras empresas terceirizadas?”, questionou o vereador. França estava na reunião, acompanhado de dois advogados, e respondeu a perguntas feitas por políticos e jornalistas.

O que dizem os áudios

Fabrício, embora não tivesse vínculo formal com o Dmae, ele diz em um dos áudios que teria conversado com o então diretor-geral da autarquia na tentativa de resolver a questão dos descontos por problemas na prestação do serviço para a qual a MG fora contratada. “Falei com Alexandre (Garcia), ele me disse que tá, que tem aquela glosa (desconto) de julho e tem a de agosto, que não tem mais nenhuma, e que essa ele vai resolver”, afirmou, em áudio enviado ao executivo da MG. 

Em outra conversa, o advogado diz que tivera de cancelar outra reunião para “poder encontrar o Marcos hoje”, referindo-se ao dono da MG, Marcos Aurélio, o que comprovaria o vínculo dos dois.

Há também um áudio de França, enviado a Fabrício, no qual ele revela a soma das propinas mensais: “Olha só, bicho, desde o início lá de janeiro, quando nós começamos a parceria até agora, foram mais de 400 mil reais, cara, isso é uma média mais baixa”, afirmou. Ele relata que começou a gravar reuniões e arquivar mensagens de texto e áudio, quando começaram as discordâncias entre as partes do esquema de propina.

Em um dessas conversas, Fabrício menciona um “cabeça” ou “chefe” de Alexandre Garcia – um dos objetivos da CPI seria descobrir a identidade dessa pessoa, já que o pelotense ocupava o posto máximo na autarquia. “Eu vou dar mais uma pressão lá, só que o cabeça tá, o chefe do Alexandre lá me disse: assim não dá, não sei quê, porque já seguraram dezembro, daí seguraram sobre aquela parcela dos 800 da diferença, agora de novo”, disse a França no áudio gravado. Sobre isso, Robaina afirmou que “o único responsável por demitir Alexandre Garcia seria o próprio prefeito Sebastião Melo”.

Quando as relações entre as direções do Dmae e da MG começaram a azedar, Fabrício enviou um áudio a França, no qual deixa claro que fazia a intermediação – e que o conchavo parecia chegar ao final. “Cara, se a ideia é já não fazer mais nenhum pagamento, tudo bem, eu só preciso saber disso, porque eu não posso. Eu tô no Brasil esperando pra fazer esse meio de campo, tá? Porque o Marcos (Aurélio, dono da MG) me disse que ia pagar e eu só tô aqui por isso”, diz, justificando que apenas aguardava o recebimento dos valores para depois viajar a Montevidéu, onde teria uma reunião com o governo uruguaio. Ainda que as transações fossem supostamente realizadas em dinheiro vivo, França apresentou um recibo de pagamento da MG Terceirizações, nominal a Fabrício, de agosto de 2021, de 5 mil reais.

Em 23 de dezembro de 2021, Fabrício apela a França para que a denúncia não seja feita – eles seriam os únicos implicados em uma possível investigação, argumentou o advogado, enquanto o diretor do Dmae e o dono da terceirizada poderiam sair ilesos. “Única prova que podes ter é contra mim. Não tens como ter provas de outras pessoas recebendo dinheiro. Por isso que digo, no final, quem sou eu e você que vamos nos ferrar. Mas tudo bem, vou tentar conseguir a rescisão amigável”, escreveu, no WhatsApp. A rescisão viria dois meses depois, em fevereiro de 2022.

Robaina, que organizou a reunião realizada nesta segunda (18), diz que estuda propor uma CPI para seguir com as investigações

Denunciante diz que contou à prefeitura sobre o esquema

Com o rompimento do pagamento do esquema, e temendo por sua situação pessoal, França avisou que revelaria o arranjo. Ele relata que já havia buscado a Secretaria da Transparência e Controladoria (SMTC) em três ocasiões, sem sucesso. Somente na quarta tentativa conseguiu uma reunião com o chefe da pasta, Gustavo Ferenci, em fevereiro de 2022, menos de duas semanas após o rompimento de contrato.

O denunciante afirma que formalizou a denúncia (protocolo nº 22.0.000022019-5) e que chegou a ter seu depoimento gravado em vídeo. A SMTC, porém, nunca o teria chamado novamente, e ele não soube de qualquer movimentação na prefeitura sobre o tema. Por conta dessa falta de resposta, optou por buscar parlamentares.

Alexandre Garcia, por sua vez, esteve à frente do Dmae até fevereiro deste ano, quando foi substituído pelo engenheiro Maurício Loss, então adjunto na Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Smamus). Alexandre trabalha, atualmente, como advogado.

A prefeitura, por sua vez, informa que determinou imediata investigação à SMTC, a partir de ordem do prefeito Melo. A pasta abriu uma Investigação Preliminar Sumária (IPS), composta por um procurador e dois servidores, com o objetivo de verificar eventuais irregularidades. 

“O relatório da IPS foi encaminhado ao Ministério Público, em 4 de abril de 2022, e também enviado ao Tribunal de Contas e à Polícia Civil, diante da necessidade de investigação aprofundada com os instrumentos dos órgãos de controle e de segurança”, afirmou o governo, em nota. O texto, porém, não informa o status atual do processo.

Sobre o contrato com a MG, a prefeitura diz ter rompido, de forma unilateral, em 4 de fevereiro de 2022, depois de que se acumularam ao menos 16 notificações à empresa, por problemas na prestação de serviços previstos em contrato, e “após se esgotarem todas as chances de manutenção da contratação”.

A Matinal procurou Marcos Aurélio Garcia, Alexandre Garcia, Fabrício Tavares e Volnei Tavares para esclarecimentos, mas não recebeu retorno. O espaço segue aberto a respostas. 


Fale com o repórter: [email protected]

Gostou desta reportagem? Garanta que outros assuntos importantes para o interesse público da nossa cidade sejam abordados: apoie-nos financeiramente!

O que nos permite produzir reportagens investigativas e de denúncia, cumprindo nosso papel de fiscalizar o poder, é a nossa independência editorial.

Essa independência só existe porque somos financiados majoritariamente por leitoras e leitores que nos apoiam financeiramente.

Quem nos apoia também recebe todo o nosso conteúdo exclusivo: a versão completa da Matinal News, de segunda a sexta, e as newsletters do Juremir Machado, às terças, do Roger Lerina, às quintas, e da revista Parêntese, aos sábados.

Apoie-nos! O investimento equivale ao valor de dois cafés por mês.
Se você já nos apoia, agradecemos por fazer parte da rede Matinal! e tenha acesso a todo o nosso conteúdo.

Compartilhe esta reportagem em suas redes sociais!
Share on whatsapp
Share on twitter
Share on facebook
Share on email
Se você já nos apoia, agradecemos por fazer parte da rede Matinal! e tenha acesso a todo o nosso conteúdo.

Compartilhe esta reportagem em suas redes sociais!
Share on whatsapp
Share on twitter
Share on facebook
Share on email

Gostou desta reportagem? Ela é possível graças a sua assinatura.

O dinheiro investido por nossos assinantes premium é o que garante que possamos fazer um jornalismo independente de qualidade e relevância para a sociedade e para a democracia. Você pode contribuir ainda mais com um apoio extra ou compartilhando este conteúdo nas suas redes sociais.
Share on whatsapp
Share on twitter
Share on facebook
Share on email

Se você já é assinante, obrigada por estar conosco no Grupo Matinal Jornalismo! Faça login e tenha acesso a todos os nossos conteúdos.

Compartilhe esta reportagem em suas redes sociais!

Share on whatsapp
Share on twitter
Share on facebook
Share on email
RELACIONADAS

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.