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Mais rigorosos que Estado, Pelotas e São Leopoldo freiam curva de contágio, mas custo político para prefeitos é alto

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Mais rigorosos que Estado, Pelotas e São Leopoldo freiam curva de contágio, mas custo político para prefeitos é alto São Leopoldo adotou lockdown de quatro dias em março e mudou trajetória da doença (Foto: Thales Renato Ferreira/SCOM PMSL)

Ary Vanazzi, do PT, e Paula Mascarenhas, do PSDB, adotaram medidas mais duras que as propostas pelo Palácio Piratini e melhoraram indicadores de saúde em seus municípios. Pressão social por reabertura dificulta manutenção por mais tempo e faz dupla ceder

No dia 25 de fevereiro, quando o governo do Estado suspendeu a cogestão do distanciamento controlado – retomada nesta segunda-feira, depois de idas e vindas na Justiça – a maioria dos prefeitos gaúchos esperneou diante da determinação, vinda do Piratini, de funcionamento apenas de serviços essenciais. Mas enquanto o mandatário de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), bradava que “sempre vai poder pôr mais alguém” nos hospitais, e que “era preciso contribuir com a vida para salvar a economia”, os chefes dos poderes executivos de dois dos maiores municípios gaúchos resolveram ir na contramão, adotando protocolos ainda mais duros do que aqueles definidos pelo governador Eduardo Leite (PSDB).

Herdeira política de Leite, a prefeita de Pelotas, Paula Mascarenhas (PSDB) determinou um lockdown na cidade ao longo de três finais de semana consecutivos, contando a partir de 5 de março. Entre a noite de sexta-feira à noite até segunda pela manhã, nem mesmo os supermercados puderam funcionar e as pessoas ficaram proibidas de permanecer em lugares públicos.

Em São Leopoldo, a 270 km dali, Ary Vanazzi (PT) determinou restrição completa de atividades ao longo de quatro dias, entre 6 a 9 de março. Foram autorizados a funcionar apenas os serviços de saúde, postos de gasolina e supermercados. Vanazzi restringiu até mesmo o transporte público, que funcionou apenas nos horários de pico e de troca de turnos nos hospitais.

O resultado das medidas se reflete no comportamento da pandemia nos municípios. Enquanto Rio Grande do Sul e Porto Alegre tiveram um aumento exponencial no número de contaminados a partir de meados de fevereiro, São Leopoldo e Pelotas conseguiram frear o crescimento de novos casos de Covid-19 e manter as curvas estáveis – ainda que ascendentes.

O sistema de saúde também foi beneficiado. Se na Capital, os pacientes estão morrendo à espera de leitos, hospitais operam com 120% da capacidade dos leitos de UTI e a superlotação passou de 600% em algumas Unidades de Pronto Atendimento, em São Leopoldo o volume de pacientes internados na UPA local caiu pela metade: de 50 para 26 (os dados são da última sexta-feira). A ocupação de leitos críticos no Hospital Centenário passou de 140% para 100% – ainda no limite, mas o prefeito comemora que nenhum paciente precisou sair da cidade para conseguir leito.

Em Pelotas, mesmo com as medidas de restrição foi preciso improvisar  leitos de UTI nos Centros Covid, mas a prefeita Mascarenhas vê indicadores da melhora. “Não perdemos ainda pacientes por falta de leito de UTI, mas temos sempre gente esperando. Chegamos a ter 17 pessoas esperando por um leito, depois baixou para 11, depois para seis. Está diminuindo um pouquinho, mas essa estabilização acontece em um nível muito elevado”, afirma.

Vanazzi, de 62 anos, e Mascarenhas, de 51, têm pouco em comum. Filiado ao PT desde os anos 1980, o prefeito de São Leopoldo já trabalhou como agricultor, foi membro do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e fundador do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM). Mascarenhas, por outro lado, construiu uma sólida carreira acadêmica antes de entrar para a política. Formada em Letras, fez mestrado e doutorado na área e virou professora da Universidade Federal de Pelotas nos anos 1990.

Durante a pandemia, no entanto, o caminho dos dois se aproximou: ambos decidiram adotar uma postura mais cautelosa, pela qual pagam um preço caro. Em São Leopoldo, Vanazzi não conseguiu ser tão rigoroso no mini lockdown adotado em março quanto gostaria. A Associação Gaúcha de Supermercados (Agas) entrou com ação para impedir medida máxima e ganhou na Justiça o direito de manter os supermercados abertos – pela prefeitura, apenas mercadinhos de bairro poderiam receber clientes.

No ano passado, ainda no início da pandemia,  o petista foi alvo de ameaças após editar um decreto de calamidade pública que restringiu atividades comerciais, proibiu eventos e vetou o funcionamento de academias de ginástica – em junho, também foi proibida a permanência em praças e parques

01.03.2021 - Prefeita Paula Mascarenhas em live de atualização sobre a pandemia de COVID-19 - Foto: Gustavo Vara
Prefeita Mascarenhas segue medidas restritivas desde 2020. Foto: Gustavo Vara.

Mascarenhas virou alvo até de Luciano Hang, o dono da Havan que organizou um protesto na cidade em dezembro. No ano passado, ela já havia tomado decisões como manter algumas regras da bandeira vermelha – mesmo quando a região estava sob bandeira laranja – e instituir lockdowns aos finais de semana. Assim como Vanazzi, também respondeu a uma ação judicial – neste caso, aberta pelo Ministério Público, que a impediu de proibir a circulação de pessoas na cidade em agosto, no que até então era o pico da pandemia no Estado.  “Sei que vou ser criticada, seja lá a decisão que eu tomar. Não tem como fugir disso, mas a gente precisa enfrentar”, desabafa a prefeita.

Reeleição apesar das medidas impopulares

Apesar das críticas, tanto o petista quanto a tucana se reelegeram em 2020, o que indica que a maioria da população aprovou uma condução mais cautelosa da pandemia.

Com 353 mortos até este domingo, São Leopoldo tem indicadores melhores que os de Porto Alegre, embora piores que a média geral do Rio Grande do Sul. A comparação com os municípios do entorno, entretanto, é positiva. Enquanto a cidade de Vanazzi registra 7.338 casos da doença a cada 100 mil habitantes, a média da região Covid Novo Hamburgo – da qual faz parte no modelo de distanciamento controlado – é de  8.599. A mortalidade da doença também é menor que a média da região: 149 contra 158. Na vizinha Campo Bom – onde na última sexta-feira pacientes morreram após uma falha no sistema de distribuição de oxigênio – são 11.608 casos a cada 100 mil habitantes e uma taxa de mortalidade de 229. Em Araricá, que tem as piores taxas da área, foram registradas 13.935 casos e 298 mortes a cada 100 mil habitantes.

Em Pelotas, as primeiras restrições começaram a ser aplicadas no dia 19 de março do ano passado, apenas três dias depois de Porto Alegre. No mesmo dia, foi instituído um gabinete de crise no município do extremo sul. As medidas mais rigorosas conseguiram retardar o alastramento da doença – entre as cidades gaúchas com mais de 200 mil habitantes, ela foi a última a registrar o primeiro óbito por Covid-19, em 20 de junho do ano passado. 

Ao longo de toda a pandemia, a cidade também conseguiu manter um número de casos por habitante menor que a capital gaúcha e que média do Estado.

Ao contrário de São Leopoldo, no entanto, a cidade tem taxas piores que a média da região. Foram 5.487 casos/100 mil habitantes – contra 3.472 da região Covid Pelotas – e 129 mortes/100 mil habitantes – contra 83 da região. Ainda assim, os índices de Pelotas estão melhores que os de Rio Grande, o outro grande município do Sul do Estado que chegou a ser considerado exemplo no combate à pandemia, no ano passado, mas depois que amenizou restrições se tornou um polo de contaminação

“São polos regionais, então é natural que tenham mais casos e mais óbitos também. Mesmo assim, Pelotas registra um número de casos e óbitos por 100 mil habitantes abaixo da média do Rio Grande do Sul e do Brasil. Claro que isso não muda o fato de que mais de 440 pessoas morreram. Para as famílias destas pessoas os números não dizem nada, para eles 100% do sistema falhou”, lamenta Mascarenhas. 

O folêgo acabou

Apesar dos bons resultados, e mesmo da reeleição, os dois prefeitos parecem estar chegando no limite de sua resistência diante da pressão dos empresários. Na sexta-feira, antes de o governador Eduardo Leite permitir que as prefeituras adotassem regras mais brandas de distanciamento – desencadeando uma batalha judicial ainda em andamento – a prefeita Paula Mascarenhas já adiantava que seria difícil bancar a continuidade das restrições. “A tensão vai subir muito, vai ter uma reação negativa da sociedade. A gente precisa da adesão da sociedade, senão não tem fiscalização que dê conta”.

Vanazzi chegou a dizer que manteria bandeira preta nesta semana, mas mudou de ideia (Foto: Thales Renato Ferreira/SCOM PMSL)

A posição destoava da de Vanazzi, que garantia que iria manter a bandeira preta mesmo com o fim da cogestão: “É uma situação dramática que estamos vivendo, então vamos ser mais rigorosos aqui e vamos aplicar a bandeira preta”. O prefeito, no entanto, mudou de ideia ao longo do final de semana. Através de sua assessoria de imprensa, a prefeitura informou no domingo que o Comitê Municipal de Atenção ao Coronavírus havia decidido flexibilizar as regras de distanciamento, caso fosse autorizado o retorno da cogestão.

A flexibilização vai na contramão da orientação dos especialistas. Na última quinta-feira, o Comitê Covid da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel) apontou um lockdown absoluto como a única saída para frear a pandemia tanto em Pelotas como no estado. “Um lockdown por um período de 14 dias possibilitaria a interrupção da cadeia de transmissão do vírus, reduzindo efetivamente o número de novos casos”, diz o comunicado.

Para Marcos Britto Corrêa, coordenador do Comitê Covid da Ufpel, um lockdown mais longo e efetivo seria benéfico inclusive para a economia. “Ao invés de ficar sangrando aos pouquinhos, neste abre-e-fecha, seria melhor fazer um lockdown um pouco mais longo e depois não precisar fazer mais”.

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