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Melo pede suspensão de dívidas a bancos; especialistas sugerem refinanciamento

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Melo pede suspensão de dívidas a bancos; especialistas sugerem refinanciamento Economia do município será “drasticamente atingida” e arrecadação da prefeitura “diminuirá enormemente”, disse a carta enviada por Melo aos bancos. Foto: Cesar Lopes/PMPA

A prefeitura de Porto Alegre entrou em contato com oito instituições financeiras com as quais tem empréstimos para solicitar a suspensão temporária do pagamento das dívidas. O pedido foi direcionado a bancos brasileiros – integralmente públicos ou de capital aberto – e entidades internacionais de fomento.

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A administração de Sebastião Melo (MDB) espera utilizar os R$ 550 milhões que despenderia ao longo de dois anos no pagamento desses débitos para conduzir ações de reparação em Porto Alegre – a estimativa da prefeitura é que a limpeza inicial para começar a reconstrução ultrapasse R$ 100 milhões.

O prefeito enviou ofícios às oito instituições em 15 de maio, argumentando sobre a necessidade de suspensão das parcelas. Ele anuncia que a economia do município será “drasticamente atingida” por longos meses, e que a arrecadação da prefeitura “diminuirá enormemente”. “É necessário tomar decisões que garantam fluxo financeiro para o aumento abismal de despesas que temos pela frente”, escreveu.

Foram contatadas pela prefeitura instituições brasileiras – Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Banrisul, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE) e Badesul – e internacionais – Corporación Andina de Fomento (CAF) e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). 

De acordo com a Secretaria Municipal de Planejamento e Assuntos Estratégicos (SMPAE), pasta que formalizou o pedido de suspensão, o objetivo é investir esses recursos em benefícios à população atingida, como aluguel social, construção de moradias, reparo de escolas, vias públicas, e restauração de serviços básicos.

Para a SMPAE, cujo titular é o ex-prefeito de Santa Maria Cezar Schirmer, a perspectiva é que as instituições financeiras “compreendam a gravidade da situação pela qual passamos no momento”, e permitam algum tipo de protelação das dívidas, conforme disse a pasta à Matinal, em nota.

Dos contratos em andamento, entre as negociações com bancos brasileiros, os valores originais de empréstimo são de R$ 1,44 bilhões. Entre os acordos internacionais, são US$ 92 milhões (em reais, 478 milhões).

Quanto aos contratos que já tiveram seus objetivos implantados, nos quais não há mais liberações, são R$ 446 milhões para instituições nacionais e US$ 83 milhões (ou 431 milhões de reais) para estrangeiras. Como se tratam de propósitos já concluídos, haveria somente o pagamento de amortização e juros.

Município teve superávit nos últimos 13 anos

Para especialistas consultados pela Matinal, as consequências da enchente para o fisco municipal são inescapáveis – mas, para ambos economistas, Porto Alegre não entra na crise com dificuldades financeiras, mas parte de um patamar fiscal confortável. 

“O município não tem dificuldades, tem um espaço enorme de endividamento, cumprindo as leis vigentes no país, então isso não produziria um efeito insustentável do ponto de vista fiscal, apenas vai aumentar a dívida pública do município – e para isso não tem saída”, diz o professor Róber Iturriet Avila, do departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

A docente Rosa Angela Chieza, do mesmo curso, afirma que os municípios, em geral, não têm problemas de passivos derivados de empréstimos. Essas dívidas que a prefeitura pretende suspender são fruto, em geral, de investimentos na infraestrutura da cidade – com bens públicos ou na construção de moradia social, por exemplo. 

A prefeitura de Porto Alegre, em seu balanço mais recente, de 2023, teve superávit de R$ 243 milhões – trata-se do décimo ano consecutivo de contas superavitárias no município. 

Para Róber, é pouco provável que essas instituições aceitem a solicitação da prefeitura, pois bancos têm regramentos próprios para cobrança de dívidas, e essa suspensão não seria uma boa alternativa. As entidades financeiras comumente oferecem refinanciamentos, com prazo de carência estabelecido. 

“Creio que deveria ocorrer um novo financiamento, mais expressivo, de uma instituição como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, que desse conta não apenas da necessidade de recursos, como também de dar sequência nos financiamentos existentes”, explica. 

A professora Rosa, por sua vez, propõe que todos os municípios do estado do Rio Grande do Sul possam retirar todos os gastos de enfrentamento à crise climática – como saúde, educação, assistência social, habitação, infraestrutura urbana – dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal e de outras metas de superávit do setor público, por pelo menos três anos. “Há um apagão na capacidade de gestão de Porto Alegre”, diz.  

Os especialistas convergem sobre a necessidade de grandes aportes de financiamento governamental, mesmo a longo prazo, para afastar os efeitos da crise provocada pelos eventos climáticos extremos. O cenário previsto é não só da redução de receita do município, mas também um choque de oferta, redução do estoque de capital – resumindo, dificuldade dos negócios funcionarem normalmente em Porto Alegre e nas centenas de cidades afetadas.

Rosa e Róber avaliam que há uma “demonização” do endividamento público, mas que é preciso lançar mão desse recurso em um momento como o atual, nas primeiras semanas depois do auge da tragédia, e também para o futuro, a considerar a escalada global dos eventos climáticos extremos. 

“Não é só para o município de Porto Alegre, não é só no Rio Grande do Sul. Aconteceu na França, na China, na Alemanha, e em vários locais no Brasil inteiro. Essas tragédias vão ser maiores e vão se repetir mais, porque não fizemos nenhuma mudança estrutural para enfrentar a crise climática. Cientistas estão falando desde os anos 90 desse aumento da temperatura. Vai piorar, a menos que a gente não acredite na ciência. Infelizmente eu acredito. Então eu entendo que o mais importante seria a suspensão dos limites fiscais e todas as normas correspondentes. Não vai ser possível solucionar ou enfrentar toda essa destruição. É muito importante que Porto Alegre consiga renegociar a dívida, isso é necessário, porém insuficiente”, argumenta Rosa.

Para Róber, a priorização do corte de gastos e do equilíbrio fiscal, no estado e no município, em detrimento da manutenção de infraestruturas básicas, é parte do problema que levou à calamidade. 

“O que fazemos com o equilíbrio fiscal a essas alturas? O Estado tem um papel fundamental para a sociedade. Isso ficou claro na pandemia e isso fica claro agora. Mesmo empresas que assinam manifestos e federações para redução do setor público, para cortes generalizados, agora estão pedindo auxílio governamental”, finaliza. 

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