Reportagem

Melo põe culpa na CEEE Equatorial por falta de água e define situação como “crise humanitária”

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Melo põe culpa na CEEE Equatorial por falta de água e define situação como “crise humanitária” Ainda há falta de água em bairros nas zonas sul e leste, sobretudo nas partes mais altas da capital, como o Morro da Cruz | Foto: Luciano Lanes/PMPA

Em coletiva, prefeito de Porto Alegre admite problemas do Dmae, mas atribui a maior parte da culpa às quedas de luz da companhia privatizada por Leite. Tempo de retorno de energia subiu de seis para dez horas, segundo técnicos no Dmae

No final de semana em que Porto Alegre registrou 38,4ºC, a segunda maior temperatura do ano, moradores de pelo menos 14 bairros ficaram sem água, além de localidades que ficaram sem luz para ligar aparelhos de ar-condicionado ou ventiladores. Até hoje, o Morro da Cruz recebe caminhões-pipa, além do problema de energia elétrica. “Vão queimar as coisas da gente, aqui em casa desliguei tudo na tomada”, disse o porto-alegrense Kleiton Moura, às 22h12 da sexta-feira, aos 537 participantes do grupo Moradores do Partenon no WhatsApp, quando o calorão já era uma realidade – e viria a piorar.

A situação foi classificada como “crise humanitária” pelo prefeito Sebastião Melo na coletiva realizada nesta quarta (20), realizada no Centro de Supervisão Operacional do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae). Cinco dias desde o colapso no abastecimento dos bens mais básicos, ainda há falta de água em partes dos bairros nas zonas sul e leste, sobretudo nas partes mais altas da capital, como o Morro da Cruz. 

Melo cobrou que a CEEE Equatorial instale geradores de energia elétrica para suprir as demandas das Estações de Tratamento de Água (ETAs) quando há falta de luz. Segundo a prefeitura, este é um dos principais fatores que produziram a situação calamitosa.

De acordo com o Dmae e o Gabinete de Comunicação Social do governo, estão sem abastecimento, no final da tarde desta quarta-feira, os bairros São José, na zona leste, e Santa Maria Goretti, na zona norte. Em normalização do serviço, após manobras no sistema e recuperação dos reservatórios, estão a parte alta da vila São José Comunitária, a Lomba do Pinheiro, os bairros Agronomia e Vila dos Sargentos, e parte do Coronel Aparício Borges. Há 21 caminhões-pipa, no Morro da Cruz e na Lomba do Pinheiro

O diretor do Dmae, Maurício Loss, admitiu que houve atrasos em obras estruturais da rede de água, por conta da demora de fornecedores. Mas, segundo ele, a cidade está “saindo da crise hídrica”. O problema agora seriam as quedas de energia frequentes.

Regiões como a do Morro da Cruz, que têm moradias até  238 metros acima do nível do Guaíba – onde a água é captada –, requerem força de bombeamento. Por isso, a oscilação na tensão elétrica é tão decisiva para a distribuição de água. Há 87 dessas bombas na cidade, e geradores com essa finalidade têm potência requerida de 2 mil cavalos. Ocorre que, ainda segundo o Dmae, o tempo médio para a CEEE Equatorial resolver faltas de energia subiu de seis para dez horas.

Melo disse que “não há justificativa” quando a falta de energia não decorre de condições climáticas graves. “A prefeitura organizará a instalação dos geradores, como medida emergencial. A conta, depois, vamos ver quem vai pagar”, disse. 

Segundo Melo, a concessionária será notificada formalmente para solucionar esses problemas. A prefeitura também irá encaminhar a notificação ao Ministério Público, à Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs) e à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Outra medida será solicitar à CEEE Equatorial a “dupla alimentação” – isto é, mais de uma fonte de energia – em estações onde essa instalação é viável. Essa seria a forma de garantir a energia para as bombas funcionarem em momentos de queda de energia. 

“A prefeitura organizará a instalação dos geradores, como medida emergencial. A conta, depois, vamos ver quem vai pagar”, disse Melo. Foto: Alex Rocha/PMPA

Todos contra a CEEE Equatorial

Moradores do Morro da Cruz protestam desde sábado contra a CEEE Equatorial. Houve queima de pneus na rua Ernesto Araújo, a principal da região.

“A CEEE Equatorial fez uma série de obras, colocaram novos postes para ninguém roubar luz, mas não atualizaram a estação. Por isso estamos tendo todos esses problemas com a energia. Queda em cima de queda”, relatou uma moradora, no mesmo grupo de WhatsApp. “A água está enfraquecida e, em alguns, lugares simplesmente não tem chegado. Tanto que no final de semana até o dia de hoje, muitos caminhões-pipa entram no bairro para trazê-la”, relatou a líder comunitária Nira Martins Pereira, da ONG Coletivo Autônomo Morro da Cruz. 

“A CEEE Equatorial entrou na nossa comunidade e foi abrindo buracos por todos os lugares, inclusive danificando a rede do Dmae. Neste momento, a Ocupação Baliza, algumas partes do Morro da Cruz e da Vila Vargas têm energia em somente uma fase. Estamos muito receosos. No ano passado, no Natal e no Ano Novo, muitas famílias ficaram sem luz. A gente precisa muito de ajuda”, disse Nira à Matinal, na tarde desta quarta.

CEEE Equatorial tenta apagar a crise

Após uma reunião entre o prefeito Sebastião Melo, o diretor do Dmae e a cúpula da CEEE Equatorial, a concessionária lançou uma nota na qual afirma que “reforça a disposição” e “atua preventivamente para dirimir eventuais riscos à distribuição de energia que possam afetar o fornecimento de água na capital”. O presidente da CEEE, Riberto Barbanera, afirmou haver “empenho em concretizar as ações conjuntas que garantam mais segurança ao sistema”..

Segundo Barbanera, a interrupção no fornecimento de energia ocorrido na última sexta-feira na estação de tratamento do Dmae em Belém Novo ocorreu por conta de obras na linha de transmissão da subestação Ponta do Arado, no extremo-sul de Porto Alegre, para atender ao Dmae.

A CEEE foi privatizada em março de 2021 pelo governador Eduardo Leite (PSDB), com a justificativa de que a venda significaria mais investimentos e melhor atendimento. Em outubro, a má qualidade dos serviços rendeu uma multa de 24,2 milhões de reais à companhia. Essa penalidade, aplicada pela Agergs, se deveu à “baixa qualidade do serviço prestado”, “descumprimento parcial do plano de resultados de 2022”, “precariedade da manutenção” das instalações, “descumprimento de contrato”, “desrespeito a normas federais” e “insatisfação generalizada” entre prefeitos, vereadores e usuários. O MP-RS também apura responsabilidades da CEEE em problemas em diversas cidades gaúchas.

Sindicato diz que a crise hídrica é fruto da precarização do Dmae

Para o Simpa, a entidade que representa o funcionalismo público municipal, a crise se deve mais a decisões equivocadas das últimas administrações municipais, em relação ao Dmae . “Ceifaram a autonomia administrativa e financeira do Dmae com o objetivo de privatização e, na ânsia de atender ao mercado, deixaram em segundo plano as necessidades mais básicas das pessoas, como o acesso à água potável”, informou, em nota, o Sindicato dos Municipários de Porto Alegre na terça (19). A entidade diz haver desabastecimentos frequentes na zona leste da cidade, mesmo sem o problema de energia elétrica verificado nos últimos dias.

O Simpa afirmou também que as soluções apresentadas pelo governo, na coletiva desta quarta-feira, carecem de bases técnicas e “não encontram respaldo nas tarifas módicas praticadas pelo Dmae”. A instalação de grupos geradores para manter o funcionamento das seis estações de tratamento e das 87 estações de bombeamento, que seriam utilizados em situações de falta de energia, “demandariam vultosos investimentos e elevados custos de operação e de manutenção”, argumentou o sindicato.

Ainda em junho de 2022, a Gerência de Gestão de Pessoas do Dmae alertou a direção da autarquia que “a atual situação de carência de pessoal está na iminência de provocar um colapso administrativo e operacional no Departamento”. Segundo o Simpa, faltam pelo menos 800 servidores na autarquia. Cerca de 400 estarão em condições de se aposentar nos próximos anos, levando consigo o conhecimento adquirido ao longo de décadas de trabalho.

Para o sindicato, o processo de concessão do Dmae é inconsistente e é operado pela Direção Geral da autarquia ao implementar “mudanças estruturais e institucionais sem planejamento, causando gestão temerária”.

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