Reportagem

Sob nova enxurrada de críticas à CEEE, Leite cogita rever concessão

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Sob nova enxurrada de críticas à CEEE, Leite cogita rever concessão Temporal causou diversos danos e transtornos em Porto Alegre | Foto: Ricardo Romanoff

Se houvesse energia elétrica, os holofotes estariam mais uma vez em direção à CEEE Equatorial. Depois que a região metropolitana de Porto Alegre mergulhou em um apagão na sequência do forte temporal que atingiu o estado na noite desta terça-feira, as queixas sobre o atendimento da empresa voltaram a se multiplicar. 

Não foi a primeira ou a segunda vez que a situação ocorreu desde que a companhia foi privatizada – vale lembrar, pelo governo de Eduardo Leite (PSDB) e com o voto favorável do então deputado Sebastião Melo (MDB). Diante da insatisfação generalizada da população, os dois agora se juntam aos críticos do serviço prestado pela Equatorial. O governador, principal articulador da privatização, chegou a falar ontem na possibilidade de retirar a concessão da empresa.

A demora em responder à população e restabelecer o serviço vem se tornando uma constante. Conforme um estudo da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), entre 2021 e 2023, o tempo médio de preparação, deslocamento e execução passou de sete horas em 2021 para mais de 13 horas no ano passado. 

No atual episódio, cerca de 600 mil residências ficaram sem eletricidade – número que havia caído para aproximadamente 222 mil passadas 20 horas da tormenta. Em entrevista ao Jornal do Almoço, o presidente da CEEE Equatorial, Riberto José Barbanera, que está no cargo há menos de seis meses, estimou que apenas sexta ou sábado a eletricidade deve ser retomada em todas as residências. A CEEE Equatorial atende Porto Alegre e mais 71 municípios. São aproximadamente 1,6 milhão de casas.

Em outubro passado, o resultado da prestação de serviço da CEEE Equatorial lhe valeu uma multa de R$ 24 milhões da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados (Agergs), que justificou a medida pela “baixa qualidade do serviço prestado”, “descumprimento parcial do plano de resultados de 2022”, “precariedade da manutenção” das instalações, “descumprimento de contrato”, desrespeito a normas federais e “insatisfação generalizada” entre prefeitos, vereadores e usuários. 

Um desses prefeitos é Sebastião Melo. Depois de reiteradas reclamações públicas na virada do ano, por conta das faltas de energia que geraram alagamentos na capital, Melo voltou à carga nesta quarta, quando cerca de 1,2 milhão de pessoas em Porto Alegre estavam sem água. Ele chegou a utilizar o Twitter para ironizar o atendimento

Melo tem usado o argumento que “Porto Alegre é o maior cliente da CEEE” para exigir um atendimento diferenciado às demandas da cidade – que incluem, em casos como o do temporal desta terça, desde o funcionamento de estações de bombeamento que retiram águas das ruas, como as estações de tratamento, que levam água às casas. O título de uma nota no site da prefeitura deu o tom da pressão: “Retorno da energia é essencial para retomada do abastecimento de água”. 

Depois de celebrar venda da companhia, Leite fala em rescisão

Principal responsável pela venda da CEEE, o governador Eduardo Leite ingressou no coro dos insatisfeitos quanto à comunicação da empresa: “O Grupo CEEE Equatorial precisa melhorar sua relação com as autoridades e com a sociedade, então estamos demandando uma uma série de ações deles nessa direção”, afirmou ele, nesta quarta, adotando um tom de ameaça: “Temos a expectativa de que a empresa mude a sua postura e se não fizer isso ao longo do tempo, ela pode enfrentar um processo de retirada da sua concessão”.

Leite foi quem assinou a venda da CEEE, negociada por um valor de R$ 100 mil num leilão em que não houve disputa. À época, ele justificou o valor por um “conjunto de obrigações” que viria a reboque. “A começar pelos próprios investimentos que são exigidos em um contrato de concessão e que a companhia estatal não conseguia fazer. Estamos garantindo investimentos para a população em energia elétrica e também transferindo pelo menos R$ 4,4 bilhões em passivo acumulado pela companhia só em ICMS, que serão assumidos pela Equatorial”, destacou, em 2021.

O ICMS da CEEE já era uma questão para Leite logo no início de seu primeiro mandato, quando a privatização começava a ganhar corpo. “Tenho convicção de que essas empresas, a CEEE, a CRM e a Sulgás, qdo nas mãos da iniciativa privada, terão ganhos de eficiência que serão desfrutados por toda a população. Atualmente a CEEE não consegue quitar o seu próprio ICMS”, disse ele, a GZH, em 2019. 

Já prefeito pouco antes da privatização, Melo ampliou a defesa pela venda da companhia, também de olho no ICMS: “A Prefeitura aguarda com ansiedade a realização do leilão de privatização da CEEE para poder receber os cerca de R$ 60 milhões acumulados em dívidas do ICMS para Porto Alegre”. Nesta quarta, o prefeito disse que não se arrepende de ter apoiado a privatização

Deputados de oposição tentam emplacar CPI

Na Assembleia Legislativa, deputados de oposição buscam assinaturas para criar uma CPI sobre os serviços prestados. “A Assembleia não pode ficar omissa diante da recorrente falta de responsabilidade da empresa; desaparece e deixa milhões no escuro! São muito graves os prejuízos para a população e a economia”, afirmou o deputado Miguel Rossetto (PT).

Ainda na esfera política, a Câmara de Porto Alegre pode criar uma comissão especial para apurar a atuação da CEEE Equatorial no município. A iniciativa partiu da vice-líder do governo Melo, vereadora Cláudia Araújo (PSD). Um dos centros do problema é a comunicação com os consumidores em momentos de apagões. 

Quando assumiu, Equatorial reduziu quadro de funcionários em cerca de um terço

Tais investimentos, contudo, não parecem ter sido observados pelos consumidores. E mesmo a precarização não é recente, e sim talvez uma consequência das primeiras medidas anunciadas pela Equatorial. Logo nos primeiros meses da nova gestão, em 2021, o Plano de Demissão Voluntária teve adesão de 998 funcionários, cerca de um terço do quadro. À época, a CEEE Equatorial afirmou que o programa era uma das iniciativas “para adequar custos operacionais”. 

Hoje, segundo o superintendente técnico da empresa, Sergio Valinho, a CEEE Equatorial dispõe de 100 equipes de atendimento para falta de energia. A promessa é chegar a 150 até abril – mês em que os efeitos do El Niño devem arrefecer, segundo a Organização Meteorológica Mundial.  

Muitos dos que saíram naquele ano já tinham pelo menos 10 anos de experiência, visto que o último concurso à então CEEE pública havia sido em 2011, comentou à Matinal um ex-funcionário da CEEE, que preferiu não se identificar. Segundo ele, apenas parte do quadro foi reposto, por meio de uma terceirizada. Com esta medida, cidades do interior foram as mais afetadas, com as equipes locais simplesmente extintas, disse.

“Minha impressão como técnico do setor do elétrico é que não houve um planejamento para assumir aqui, focaram inicialmente na redução de custos, para posteriormente fazerem investimentos, aliado a isso, o desconhecimento da realidade climática do Rio Grande do Sul frente às demais concessões que o grupo possui no norte e nordeste”, opinou o ex-funcionário.

Em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, nesta terça-feira, o superintendente técnico da empresa, Sergio Valinho, contestou a precarização. “Quando a Equatorial assumiu, a média em 2021 era um consumidor ficar 21h sem energia por ano, e de 10 a 11 interrupções por ano. Os índices hoje estão em: 17 horas de interrupção, 8 faltas de energia por ano”, disse. Segundo ele, a empresa investiu mais de R$ 1 bilhão desde que assumiu a CEEE. 


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