Reportagem

Ponte precária no Morro da Cruz coloca comunidade em risco

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Ponte precária no Morro da Cruz coloca comunidade em risco Centenas de pedestres usam diariamente a estrutura precária, que já resultou em diversos acidentes | Foto: Gregório Mascarenhas/Matinal

Estrutura de madeira é instável e não tem proteção lateral. Prefeitura não oferece solução. Uma ONG local orçou uma nova ponte em 3 mil, mas não tem recursos para a obra 

A auxiliar de serviços gerais Maykellen dos Santos Vasconcelos sai de casa com os três filhos antes do sol nascer. Precisa andar até a Escola de Ensino Municipal América, no Morro da Cruz, antes de seguir para o trabalho. No caminho, sem iluminação, precisa atravessar uma ponte de 12 metros sobre um dos afluentes do Arroio Moinho, que cruza o morro de sul a norte. 

A estrutura de madeira, entre as ruas Vidal Negreiros e Santa Teresa, não tem proteção lateral e é estreita. Maykellen e os filhos correm o mesmo perigo pelo menos duas vezes ao dia, ao cruzar pela travessia para evitar o terreno íngreme da região. A travessia encurta em até seis vezes o caminho até três escolas do morro. A prefeitura não oferece nenhuma solução ao problema. 

“Meus filhos (de 11, oito e quatro anos) estudam na Escola Municipal de Ensino Fundamental América e moro na rua Ernesto Araújo. O caminho se reduz muito ao passar pela ponte. Em dias de chuva a água desce com força, fica escorregadio e não há onde se apoiar”, relata a moradora. “É preciso se cuidar muito, mesmo com a prática, atravessando diariamente. Tenho três crianças e é bem difícil – além de todos os trajetos que precisamos fazer, caminhando, ainda passar por essa ponte é horrível”, afirma.

Como a moradora, centenas de pedestres usam diariamente a estrutura precária, que já resultou em diversos acidentes. O mais recente ocorreu há pouco mais de uma semana e causou uma luxação no pé de uma jovem, que caiu no curso d’água. Ela estava a caminho de sua aula de informática, na ONG Coletivo Morro da Cruz, que fica a poucos metros da ponte. Além do machucado, ficou encharcada.

A travessia reduz o caminho até a Escola Municipal de Ensino Fundamental América, a Escola Estadual de Ensino Fundamental Coronel Travassos e a Escola Municipal de Ensino Fundamental Morro da Cruz. Também é o caminho por onde passam parte dos alunos das aulas de informática da principal sede da ONG Coletivo Autônomo Morro da Cruz.

“Caminham por aqui pelo menos 450 pessoas por dia”, diz a vice-presidente da ONG, Nira Martins Pereira. “Para muitos trajetos, praticamente só se pode passar por essa ponte porque as alternativas são muito distantes. Pais e mães da comunidade precisam sair muito cedo para levar as crianças à escola e chegarem a tempo no trabalho. Então, essa travessia acaba sendo a opção”, relata. 

A precariedade prejudica também idosos ou pessoas com mobilidade reduzida.“Há cerca de 30 dias, ocorreu um incêndio em uma das moradias, o que dificultou a travessia de um menino que é cadeirante. Foi uma situação muito triste e quase impossível atravessar o pontilhão com ele”, conta. Segundo o relato de Nira, a avó teve de sair com o neto cadeirante no colo pela ponte para se salvar do incêndio. A casa fica ao lado e foi inteiramente destruída.

Diante da omissão da prefeitura, o Coletivo Morro da Cruz encomendou um projeto e orçamento de uma nova ponte para o Escritório Modelo Albano Volkmer, do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O projeto está pronto e foi orçado em 3 mil reais. Mas a comunidade não tem verbas para tirá-lo do papel.

O Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) faz serviços na região. Com as chuvas, o lixo desce das regiões mais altas do Morro da Cruz e se acumula no Arroio Moinho e seus afluentes. Mesmo a Polícia do Exército já chegou a recolher dejetos na região, para ajudar os moradores a viver num ambiente mais limpo. Mas o problema do pontilhão segue sem solução. 

Pedidos por uma nova ponte – em vão

Segundo Nira, a ponte foi instalada há mais de 40 anos, pela antiga Secretaria Municipal de Obras e Viação. Mas há oito anos, quando a ponte começou a ficar perigosa, a comunidade começou a comunicar e a pedir reparos – sem sucesso. 

A reportagem do Matinal entrou em contato, na última sexta-feira, com a Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura (Smoi) e a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SMSUrb) para saber quais são os planos da prefeitura para resolver o problema da comunidade. Na SMSUrb, a indicação foi que se buscasse a Smoi que respondeu que o Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) poderia dar algum retorno sobre a situação. “A área é irregular, mas, se for pra fazer algo provisório, a SMSUrb é que faz esse tipo de trabalho”, disse a assessoria da pasta.

O Dmae, por sua vez, diz que tem projeto para captação de recursos internacionais para solucionar algumas demandas de macrodrenagem na região do Arroio Moinhos, mas não informa se a ponte está entre essas demandas. “É importante salientar que essas moradias deveriam ser construídas dentro da margem de segurança, que é de 15 metros do entorno dos arroios. Quanto ao pontilhão, não foi a prefeitura que construiu no local e sim os próprios moradores”, respondeu o Dmae. Questionadas novamente, Smoi e SMSUrb disseram que esse é o “posicionamento que temos, também”.

“Indigno e injusto”

Quem convive com a situação diariamente, por outro lado, exige posicionamento do poder público. “Há uma obrigação moral de se fazer algo a respeito. Fico muito espantada que as pessoas se comovem com pautas muito distantes e não enxergam o que acontece na nossa cidade, pertinho da gente. É um tapa na cara. Indigno e injusto”, diz a diretora da ONG Coletivo Autônomo Morro da Cruz, a antropóloga Lucia Scalco. 

Sobre a inexistência de uma solução, ela diz que há a sensação de que a população do Morro da Cruz é vista sob um viés de inferiorização e invisibilidade. “Como subcidadãos, pessoas que não têm vez. Como se não tivesse o que fazer. Um problema que não é difícil de resolver, mas, de uma solução, não estamos nem perto”, finaliza. 


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Esta reportagem faz parte do projeto Pé no chão: jornalismo investigativo local pautado com a comunidade e partiu de uma sugestão de moradores do Morro da Cruz. A região participa da primeira fase do projeto selecionado para o programa Acelerando Negócios Digitais, promovido pelo Centro Internacional para Jornalistas e pela Meta. Saiba mais.

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