Por um crédito de R$ 22 no Tri Escolar, prefeitura nega benefício a estudante que caminha 50 minutos para ir à escola
Para que possa acessar a isenção na passagem à qual tem direito, estudante deveria cancelar um cartão que existe em seu nome, mas isso nunca foi informado pela EPTC
Desde que começou o ano letivo, Victor Juan Mendes de Aguiar, 16 anos, precisa ir a pé para as aulas do 1º ano do ensino médio. Caminha 50 minutos da sua casa, no bairro São José, à Escola Estadual Padre Rambo, na avenida Bento Gonçalves, zona leste de Porto Alegre. Sua família se encaixa nos critérios de gratuidade para a passagem de ônibus e fez, ainda em fevereiro, o pedido de isenção, que nunca foi respondido.
Em 2 de outubro, uma reportagem da Matinal mostrou a dificuldade de Victor e de milhares de jovens porto-alegrenses para permanecer na escola desde que o prefeito Sebastião Melo mudou as regras do TRI Escolar, acabando com o direito à meia passagem a todos os secundaristas. A Matinal entrou em contato com a prefeitura em 28 de agosto para entender por que Victor não recebera o benefício a que tem direito. Mas só nesta segunda (9) recebeu o retorno da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) sobre o caso.
A autarquia informou que o pedido para ter acesso ao benefício “Vou à Escola”, gerido pelo município, não foi concluído “devido a um crédito de R$ 22 que o estudante possui no seu TRI Escolar”. Para que possa acessar a isenção, de acordo com a EPTC, primeiro Victor deveria cancelar o cartão atual. A explicação teria sido encaminhada à família em abril. Mas Victor e a mãe não receberam contato ou e-mail algum sobre a necessidade de fazer esse procedimento.
Depois de gastar o crédito, Victor ainda teria de cancelar o cartão diretamente pela Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP) e solicitar novamente o encaminhamento do benefício pela secretaria da escola onde estuda. Duas burocracias que não existiam antes das mudanças feitas por Sebastião Melo no final de 2021.
A família de Victor nega que tenha sido contatada pela EPTC. “É absurdo. Não me mandaram nada disso. Estive recentemente, inclusive, na escola, perguntando sobre o processo, e fui informada que demorava mesmo”, disse a mãe do estudante, Paola Patrícia Mendes Parnoff nesta sexta-feira (11), à Matinal.
Com a mãe sem emprego formal, Victor se encaixa em todos os critérios para o desconto de 75% na passagem, que custa 4,80 reais, a oitava mais cara entre as capitais.
Uma mudança nos critérios de concessão de gratuidades foi proposta pelo governo de Sebastião Melo (MDB) e aprovada na Câmara em novembro de 2021. Naquele período, em que as aulas presenciais não haviam sido retomadas na rede pública de ensino, o legislativo aprovou o projeto de lei por 24 votos favoráveis e oito contrários. Em março de 2022, a nova regra passou a valer na Capital: alunos dos ensinos médio e técnico com ganhos familiares por pessoa de até R$ 1.650 podem receber 75% de desconto, com a isenção diminuindo de acordo com a faixa salarial da família. Quando chega aos R$ 2.220, menos de dois salários-mínimos, nenhum benefício é concedido.
Em 2023, de acordo com dados obtidos pela Matinal pela Lei de Acesso à Informação (LAI), foram aprovadas 6.200 isenções no TRI Escolar – ou 14,4% – para um universo de 42.981 estudantes que cursam o ensino médio na capital. O dado contempla a totalidade do benefício, em todas as faixas de desconto. De acordo com a EPTC, o prazo máximo para análises de pedidos é de até 12 dias úteis, no caso de novas solicitações, uma afirmação contestada pelos estudantes e pelas escolas.
À Matinal, a vice-diretora da Escola Júlio de Castilhos, Paola Cavalcante Ribeiro, disse que houve uma burocratização do acesso ao desconto, o que prejudica muitos alunos. Segundo Ribeiro, metade dos 1,1 mil estudantes do Julinho hoje enfrentam dificuldades para se deslocar até a escola. Antes da mudança, bastava apresentar um comprovante de matrícula para obter direito à meia passagem. Agora o estudante precisa provar baixa renda e aguardar uma avaliação, que, no caso de Victor, nunca veio.
O fim das isenções ao transporte público é uma das causas que mantêm altos os índices de abandono escolar em Porto Alegre. As taxas vinham caindo em Porto Alegre desde 2007. Em 2019, atingiram seu menor patamar, de 3,7%. Nos anos seguintes, de 2020 e 2021, com a pandemia a curva se inverteu, e o abandono chegou quase aos 10%. Atualmente, o percentual regrediu um pouco, mas permanece alto: 9,2%, de acordo com informações do Observatório da Cidade de Porto Alegre (ObservaPOA). Na capital, um em cada dez estudantes largou a escola ao longo do ano letivo.
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