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Porto Alegre inaugura abrigo 24h para mulheres vítimas de violência, mas desconhece tamanho da demanda

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Porto Alegre inaugura abrigo 24h para mulheres vítimas de violência, mas desconhece tamanho da demanda Casa Betânia conta com 21 suítes, capazes de acomodar até 5 pessoas cada | Crédito: Pedro Piegas / PMPA

Dados estão dispersos por diferentes serviços públicos. Prefeitura promete integrar estatísticas até final de fevereiro de 2023

Considerada uma vitória do movimento feminista, a Casa Betânia inaugurou em Porto Alegre, nesta semana, um total de 105 novas vagas para abrigar temporariamente mulheres vítimas de violência doméstica. O novo espaço permite que elas fiquem acompanhadas de seus filhos menores de 18 anos e, diferente do que ocorre em outras casas de acolhimento, dispensa a necessidade de boletim de ocorrência.

A nova casa de passagem conta com atendimento 24 horas feito por uma equipe com psicóloga, assistente social, educador físico, enfermeira e nutricionista. Lá, as mulheres podem permanecer por até 30 dias, prazo em que deve ser elaborado um plano adequado a cada perfil, como o encaminhamento para outros abrigos, o transporte até familiares residentes no interior ou o retorno da mulher a seu território, caso o agressor tenha sido retirado.

Dos dois abrigos da rede pública em Porto Alegre, apenas a Casa Viva Maria atendia depois das 20h, oferecendo 11 vagas para famílias de até três pessoas, mas acolhendo apenas vítimas sob risco de morte. A cidade conta ainda com 40 vagas oferecidas pela Casa Lilás que, assim como a Viva Maria, estabelece uma idade máxima entre 12 e 13 anos para que os filhos possam se hospedar junto das mães. “Entendemos que isso era uma violência para a mulher, ter que fazer uma escolha que envolvia não poder ficar com os filhos, que iam para abrigos de crianças”, explicou ao Matinal a coordenadora dos Direitos das Mulheres da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS), Fernanda Mendes Ribeiro.

Representantes do movimento feminista entendem que a abertura da casa é uma resposta a anos de pressão por mais vagas para acolhimento na Capital: “Porto Alegre se destacava pela vergonha, desde o governo Marchezan, quando ocupamos a SMDS. Chegamos a denunciar a prefeitura pela ausência de vagas. Mulheres estavam dormindo nas escadarias do Palácio da Polícia. Como não existe organização estadual, o prefeito se sentia autorizado a não fazer nada. A Casa Viva Maria, a mais antiga do Estado, vem sendo atacada e sucateada. E a Casa Mirabal é perseguida. Não adianta abrir uma casa nova e seguir perseguindo as demais”, alertou Ariane Leitão, coordenadora da Força-Tarefa de Combate aos Feminicídios, parceria entre a Assembleia Gaúcha, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal.

Fernanda Mendes Ribeiro assegura que a nova casa não chega para substituir os abrigos atuais: “Justamente porque é casa de passagem, ela vem para complementar as lacunas que a rede de abrigamento tinha. A casa faz uma triagem para os serviços de toda a rede, de acordo com o perfil de cada mulher que chega ali, a qualquer hora da noite, incluindo finais de semana”. A nova casa conta com 21 suítes capazes de acomodar até 5 pessoas cada. A princípio, deve ser reservada uma suíte por família, com a possibilidade de mulheres sem filhos dividirem uma mesma peça.

Prefeitura promete integrar rede de acolhimento

O Matinal buscou uma estimativa da demanda por vagas para mulheres vítimas de violência em Porto Alegre, mas a desarticulação dos serviços dificulta o mapeamento: “A gente sempre tentou levantar o número de mulheres que chegam na delegacia, comparando com dados da Secretaria de Saúde. A delegacia até faz esse levantamento, mas com muita dificuldade. E o serviço de saúde acaba não integrando o pouco que restou da rede de atendimento. A Rede Lilás foi desconstituída pelo governador Eduardo Leite, que não só não dedicou orçamento para essa política, como fechou equipamentos que faziam esse trabalho de acompanhamento”, disse Ariane Leitão. A Rede Lilás articulava diversas instituições, como Delegacia da Mulher, Instituto Geral de Perícias (IGP), Juizado da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, Centro de Referência e Assistência Social (CRAS) e Brigada Militar.

Fernanda Mendes Ribeiro, da SMDS, confirmou que os dados estão dispersos por diferentes serviços, mas anuncia a integração da rede no Centro de Referência de Atendimento à Mulher (CRAM): “Será possível conseguir esses números, inclusive do tipo de violência e qual bairro, para que possamos agir mais efetivamente, com uma política pública adequada para a realidade de cada bairro, e inclusive utilizando menos recursos”, disse a coordenadora dos Direitos das Mulheres, prevendo para final de fevereiro uma equipe treinada e capacitada para começar a conectar os dados da rede.

A abertura da Casa Betânia foi considerada uma vitória do movimento feminista por Nana Sanches, coordenadora nacional do Movimento de Mulheres Olga Benário e coordenadora da Casa Mirabal. “O movimento da Mirabal colocou na pauta do dia dos serviços públicos e do Poder Executivo a violência contra as mulheres. Mas a Casa Betânia, pelas fotos que estão sendo divulgadas, é um espaço diferente, com pouca privacidade para as abrigadas, pelo que a gente viu. Quem está na ponta do serviço percebe algumas demandas que provavelmente as abrigadas vão levar”, disse Sanches.

Mirabal exige regularização

Fachada da Casa Mirabal (Foto: Mariana Alves)

A Casa Mirabal ainda busca regularização junto à prefeitura de Porto Alegre. No dia 1º de novembro, o movimento de mulheres Olga Benário ocupou o Centro Administrativo de Porto Alegre e forçou uma reunião com o prefeito Sebastião Melo (MDB), que se comprometeu em suspender a reintegração de posse da Mirabal.

O Executivo vinha oferecendo vagas na Casa Viva Maria e na Casa Lilás, mas o relatório da Força-Tarefa de Combate aos Feminicídios do Rio Grande do Sul, divulgado em julho deste ano, constata uma “situação crítica” na capital gaúcha, para os casos de mulheres sob risco de morte: “A única Casa Abrigo disponível, Casa Viva Maria, está em situação de desmonte. A Casa de Mulheres Mirabal (no primeiro endereço, na Duque) foi fechada seguindo orientação do Ministério Público Estadual, ignorando a calamidade vivida pelas mulheres quando buscam acolhimento ou abrigamento. O poder público não está cumprindo seu papel de ofertar um serviço de qualidade para essas vítimas”, afirma o documento, aludindo à mudança da Mirabal em 2018, quando o abrigo fechou na Rua Duque de Caxias para reabrir na Escola Estadual Benjamin Constant, onde está situada hoje, por oferecimento do Governo do Estado.

Ocorre que o terreno da escola desativada pertence ao Município, que voltou atrás no acordo e viu a Justiça considerar “legítima e de boa fé” a ocupação previamente acordada com as autoridades, que descumpriram a decisão. Daí em diante, iniciou-se uma série de audiências de mediação entre a prefeitura e a Mirabal. Priscila Voigt, uma das fundadoras da Casa Mirabal, observa que, sem o acordo com o Governo do Estado, a Prefeitura sequer teria a escola de volta e, se tivesse, teria que pagar contrapartidas. 

A Mirabal está tentando articular uma nova audiência pública na Câmara de Vereadores para debater os dados oficiais do número de violência contra as mulheres na cidade e os espaços de acolhimento e abrigamento da rede municipal. “Há possibilidade de outros imóveis. Queremos que a Casa e nosso trabalho siga funcionando, independentemente se na escola ou não. Não batemos o pé para que seja neste imóvel, mas que seja adequado, com estrutura, localização com fácil acesso a ônibus, equipamentos de saúde e assistência próximos”, completou Priscila Voigt. 

Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do RS, 1.932 mulheres haviam sido vítimas de estupro no Estado entre janeiro e outubro deste ano. No mesmo período, a SSP registrou 14.415 lesões corporais em mulheres e foram abertos 24.986 boletins de ocorrência relacionados a ameaças.

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