Reportagem

Quebra de sigilo bancário de assessoras de Danrlei aponta indícios de rachadinha

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Quebra de sigilo bancário de assessoras de Danrlei aponta indícios de rachadinha Danrlei foi anunciado como secretário do Esporte e Lazer no governo de Leite no início do mês (Foto: Itamar Aguiar/Palácio Piratini)

Matinal teve acesso a trechos de relatório de investigação com o depoimento e quebra de sigilo de ex-assessoras – uma delas disse que nunca trabalhou para o então deputado, hoje secretário de Esporte e Lazer no governo de Leite

*Atualização, 25 de maio, 11h30

O Ministério Público Federal e a Procuradoria-Geral da República (PGR) investigam o recolhimento e o destino irregular de parte de salários de assessores no gabinete do deputado federal Danrlei de Deus (PSD), atual secretário de Esporte e Lazer do governo de Eduardo Leite (PSDB). A prática é conhecida como rachadinha e pode ser enquadrada como crime de peculato, com pena máxima de 12 anos. 

O processo tramita no Supremo Tribunal Federal em segredo de justiça sob a supervisão do ministro Ricardo Lewandowski. No dia 9 de abril, Lewandowski atendeu pedido da PGR e da Polícia Federal para prosseguir com as investigações por mais 60 dias. Ex-goleiro e multicampeão com o Grêmio, na década de 1990, Danrlei se licenciou da Câmara dos Deputados para assumir o novo cargo no governo do Estado em 4 de maio, o que pode levar a investigação para outra instância da Justiça, iniciando um longo caminho de tramitações.

O Matinal teve acesso exclusivo a trechos de relatórios de investigação produzidos pela PGR e pelo MPF do Rio Grande do Sul a partir de depoimentos de ex-assessores, movimentações bancárias de duas servidoras e documentos entregues às autoridades pela Câmara de Deputados. A apuração revela indícios de que detentores de cargos de confiança podem não ter exercido suas funções (pelo menos uma pessoa confirmou essa versão) e que seus salários eram sacados ou transferidos imediatamente após o depósito para serem utilizados pelo próprio Danrlei na aquisição de carros, em festas e outros usos ainda não esclarecidos.

O esquema teria funcionado no gabinete de Danrlei entre 2011 e 2015. Nenhuma das pessoas citadas abaixo foi formalmente denunciada até o momento.

O caso chegou ao conhecimento de autoridades no final de 2015, por meio de uma notícia-crime encaminhada à Polícia Federal e à Polícia Civil no Rio Grande do Sul. De forma anônima, o informante relatou que o atual secretário do Esporte do Rio Grande do Sul estaria se beneficiando de forma ilícita do salário de pessoas nomeadas em cargos em comissão (CCs) que não trabalhavam, mas repassavam parte ou toda a remuneração a ele e a outros servidores. Os órgãos iniciaram as investigações, abrindo dois inquéritos: um civil, por atos de improbidade administrativa e conduzido pelo MPF/RS, e outro de natureza criminal, de autoria da PGR, com autorização do STF. A pedido do MPF, foram feitas quebras de sigilo bancário de duas ex-assessoras em 2019, que revelaram indícios de irregularidades envolvendo pessoas com vínculo familiar entre si.

Um dos alvos da investigação foi Miriam Jane Ritter, contratada para a assessoria do deputado no Rio Grande do Sul. Ela é mãe de Fabrício Ritter, ex-assessor de Danrlei em Brasília, apontado por outro investigado como a pessoa que “cuidava de toda a parte financeira do gabinete do deputado”. No depoimento, Miriam disse que foi Fabrício quem assinou a posse dela no cargo por meio de uma procuração. Segundo a quebra de sigilo bancário, ele era também o principal beneficiário do salário pago à mãe. 

Fabrício Ritter seria o responsável pelas finanças do gabinete do deputado (Foto: Reprodução/Facebook)

Miriam disse que exerceu o cargo e atribuiu sua nomeação ao fato de que Danrlei queria “alguém que tivesse algum nível”, com acesso a muitos lugares. Mas não soube nomear colegas de trabalho, confirmou que não tinha e-mail funcional e, quando questionada sobre se participou de algum evento com Danrlei, fez uso do seu direito de ficar em silêncio.

Entre abril de 2011 e agosto de 2013, de acordo com o resultado da quebra de sigilo bancário, Miriam recebeu R$ 204.554,66 da Câmara. Ela ocupava um dos cargos do gabinete com a melhor remuneração à época: cerca de R$ 6,2 mil mensais líquidos. Assim que o dinheiro entrava, saía por meio de transferências, pagamentos, cheques e saques, inclusive em Brasília, “o que causou certa estranheza” nos investigadores, segundo o relatório, já que ela morava em Porto Alegre e afirmou em depoimento que nunca trabalhou na capital federal. Era a cidade, entretanto, onde seu filho Fabrício dava expediente, no gabinete de Danrlei. De acordo com o relatório, uma das transferências foi para a conta do advogado Henrique Afonso Pereira Valério, então chefe do escritório político de Danrlei, em Porto Alegre. 

Outra ex-assessora do deputado que teve a quebra de sigilo autorizada em 2019 foi Danielle Guinter, secretária parlamentar de fevereiro de 2011 a dezembro de 2014. Mas, conforme ela própria reconheceu ao ser ouvida no decorrer da investigação, nunca exerceu a função de assessora no gabinete de Danrlei. Disse que conheceu o parlamentar por intermédio do então marido, o empresário Lúcio Magnabosco Lima, amigo pessoal do deputado e quem movimentava seu salário, de acordo com o depoimento.

Os trechos do relatório a que o Matinal teve acesso mostram que Lima era o responsável pela Office Motors, uma revenda de veículos seminovos de luxo, localizada no bairro Três Figueiras, na capital gaúcha, que recebeu transferências da conta de Danielle. Em seu perfil pessoal no Facebook, ele se apresenta como gerente da loja. Segundo noticiou em 2019 O Antagonista, Danrlei comprava carros de Lúcio Magnabosco Lima. Não há automóveis listados na declaração de bens de 2014 de Danrlei, mas na eleição de 2018, ele informou possuir uma Mercedez Benz ano 2015 avaliada em R$ 115 mil. Em 2010, o então candidato informou que estava negociando um veículo no valor de R$ 35 mil.

Arte de Pedro Papini

A sócia principal da Office Motors era uma tia de Lima, Karla Renata Magnabosco, que detinha 90% das cotas societárias e aparece listada no documento como “uma das principais beneficiárias” do salário pago a Danielle. Outra tia de Lima beneficiada com o salário de Danielle é Eva Sueli de Lima, segundo revelou a quebra de sigilo. Ela também foi assessora de Danrlei, entre junho de 2013 e março de 2014.

Danielle garantiu, no depoimento, que jamais movimentou quantias das suas contas nas quais eram depositados os valores oriundos da Câmara de Deputados. O dinheiro ficaria com Lima, a quem ela disse ter dado uma procuração para gerir as contas quando eram casados. O salário de Danielle, conforme o site da Câmara, era de R$ 9.132,53 líquidos. Ela forneceu extratos bancários e revelou que certa vez testemunhou o ex-marido dizer que devolvia R$ 3 mil para Danrlei.

No período em que foi nomeada como assessora – também um CC com salário elevado –, ela recebeu R$ 400,9 mil a título de remuneração. Em uma de suas contas bancárias, apenas a Câmara fez depósitos e se repetiu o padrão verificado pela investigação com a conta de Miriam: o saldo ficava zerado logo após os depósitos, em razão de transferências e emissões de cheques. 

De acordo com a investigação, os valores abasteceram não só a Office Motors, mas também a conta pessoal de Lima, de suas duas tias, de um ex-sócio minoritário da Office Motors, e de um outro assessor de Danrlei, além de uma loja de câmbio e turismo.

Fonte: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional

Em seu depoimento, Lúcio Magnabosco Lima relatou ao MPF ser amigo íntimo de Danrlei, negou estar envolvido em qualquer irregularidade e disse que o político estaria sendo vítima de partidos de oposição. Afirmou que Danielle foi contratada como assessora por muita insistência de Danrlei e que a ex-mulher sempre esteve à disposição do deputado, apesar de receber poucas demandas. Além de ser gerente da Office Motors, Lima foi sócio de outras empresas que já fecharam as portas. O site da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional mostra que ele deve à União cerca de R$ 8 milhões por dívidas tributárias, previdenciárias e multas trabalhistas.

O empresário Jorge Alexandre Mardini, na época dono das casas noturnas Dublin e Rambla em Porto Alegre, também foi assessor de Danrlei. De acordo com o site da Câmara, em 2014, o salário dele era R$ 845 mensais. Há suspeitas, segundo a investigação, que essa quantia era paga a Mardini em troca de consumo de bebidas de Danrlei em estabelecimentos do empresário. Em 2017, uma das casas noturnas de Mardini, no bairro Moinhos de Vento, foi flagrada fazendo gato de luz. 

Em depoimento, Mardini afirmou ter sido assessor em Brasília e depois em Porto Alegre, mas não lembrou de nomes de outros colegas. Disse que tinha o hábito de pagar bebidas para amigos próximos, inclusive Danrlei, antes mesmo de ele se eleger deputado federal. Confirmou que ele e Lúcio Magnabosco Lima auxiliaram na campanha eleitoral do ex-goleiro.

O futuro da investigação

A posse de Danrlei como secretário do governo Leite pode dar novos rumos à investigação e afastar a competência do STF para julgar o seu caso. Como os fatos teriam ocorrido durante o exercício do mandato de deputado federal e estariam relacionados às funções desempenhadas por Danrlei enquanto parlamentar, o STF é quem deve, em tese, autorizar a abertura e o prosseguimento do inquérito. Ocorre que hoje Danrlei está licenciado da Câmara, o que pode abrir margem para o deslocamento da competência para outro órgão do Poder Judiciário. Além disso, como o mandato parlamentar ainda está vigente, apesar de não exercido, há o risco de abertura de processo de cassação na Câmara dos Deputados.

A posse de Danrlei como secretário do governo Leite pode afastar a competência do STF para julgar o seu caso (Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados)

Procuramos os envolvidos por meio de telefone, WhatsApp e mensagens no Instagram e Facebook. Danrlei enviou um posicionamento por meio de seu advogado, André Callegari. Nele, Callegari disse que “o inquérito está baseado unicamente em uma denúncia anônima” e que as “imputações feitas por essa pessoa desconhecida foram afastadas, conforme consignou a própria Procuradoria-Geral da República” (Matinal apurou que o pedido recente de continuidade das investigações partiu da PGR). “De resto, remanesce a discussão sobre o destino pessoal dado aos valores recebidos principalmente por uma assessora do parlamentar. A defesa esclarece que não há qualquer vinculação ou irregularidade nas contas do parlamentar, não podendo esse ser responsável por discussões matrimoniais de uma de suas assessoras, tampouco lhe cabendo definir como seus assessores utilizarão os valores percebidos. Por fim, a defesa tem a plena confiança de que o destino do presente inquérito, que corre em sigilo, será o arquivamento”.

Fabrício Ritter disse por telefone que ele e a mãe dele, Miriam Ritter, trabalharam no gabinete como assessores parlamentares – ele em Brasília, e ela em Porto Alegre –, mas negou o envolvimento em esquemas de rachadinha. A ex-assessora Danielle Guinter não quis comentar. André Callegari, que também atua na defesa do ex-marido de Danielle, Lúcio Magnabosco Lima, e de sua tia, Eva Sueli, disse, por mensagem, que “Lúcio Lima não é investigado nesse inquérito. Nem a sua família. Ademais o fato está relacionado a sua ex-esposa que, sem qualquer fundamento, fez declarações inverídicas. O destino natural do inquérito será o arquivamento”.

Jorge Alexandre Mardini informou seu número de telefone via Facebook, mas não atendeu às ligações. Não conseguimos contato com o advogado Henrique Valério.

Entramos em contato com a assessoria de imprensa do governador Eduardo Leite. Perguntamos se o governador tinha conhecimento da investigação antes da posse de Danrlei como secretário de Estado e qual foi o motivo da troca na pasta. O governo informou que “a troca na secretaria de Esportes e Lazer fez parte de uma minirreforma do secretariado promovida no primeiro semestre deste ano” e que “o deputado Danrlei de Deus foi convidado para assumir o posto em função da sua vasta relação com o esporte desde muito antes da carreira como parlamentar e pela sua ligação com as causas da área e as políticas públicas relacionadas a esse setor.” Sobre a investigação, o governo se limitou a dizer que ela “não tem relação com o Estado e o seu andamento e a decisão final sobre o caso caberão às autoridades competentes.” Em 25 de maio, o governo confirmou que sabia da investigação conduzida pela PGR e pelo MPF-RS antes da posse de Danrlei. Reiterou que se trata de uma apuração e que não diz respeito a nenhum tema relacionado ao Estado.

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