“Segue subindo”: moradores relatam o avanço das águas do Guaíba no 4º Distrito
O transbordamento do Guaíba e o rompimento de uma das comportas do sistema anticheias deixaram os trilhos do Trensurb e várias ruas do bairro submersas. Orla ficou mais uma vez debaixo d’água no centro e no Guarujá
Entre as ocasiões em que o Guaíba atingiu seus maiores níveis em 82 anos, as duas mais significativas ocorreram nos últimos dois meses. Depois das enxurradas de setembro, Porto Alegre registrou, nesta terça-feira (21), a maior cheia desde a histórica enchente de 1941. Nesta tarde, diversos pontos da cidade vivenciaram transtornos, com o Guaíba ultrapassando em 46 cm a cota de inundação, que é de 3 metros. A marca levou o prefeito Sebastião Melo (MDB) decretar situação de emergência.
O sistema de comportas que protege Porto Alegre, acionado pela terceira vez, entrou em operação ainda na manhã de segunda-feira, mas já era tarde. Alguns pontos do Quarto Distrito, sobretudo nos bairros mais ao norte e mais próximos do Guaíba, já registravam pontos de alagamento.
O prognóstico, de acordo com a MetSul Meteorologia, é que o Guaíba estabilize e comece a baixar, mas o vento vindo do sul, a partir da tarde da quarta-feira, pode interromper a tendência e ocasionar uma nova elevação.
A situação no Quarto Distrito seguiu preocupante nesta tarde de terça-feira (21). Na noite de segunda, a comporta número 13, próxima à intersecção da Sertório com a Voluntários da Pátria, se rompeu. Várias ruas do bairro Navegantes, sobretudo as mais próximas ao rio Jacuí, ficaram submersas.
O dono de uma mercearia na rua Santos Pedroso relata que a água começou a subir por um bueiro, ainda no fim da tarde de segunda. A água que refluía pelo sistema ocupava, perto do meio-dia, metade da via. “Segue subindo, é uma situação inédita. Moro aqui na quadra e, para ir para casa, só caminhando pela enchente”, afirmou o comerciante Vitor Camargo às 13h de ontem.
A rua Francisco Mentz, paralela à Santos Pedroso, em direção à ponte do Guaíba, assim como as vias que estão a oeste, foi totalmente tomada pela subida do rio. A Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) fechou a Sertório naquela direção, restando abertas ao tráfego somente as alças de acesso da ponte. A orientação é que motoristas e pedestres não utilizem a Voluntários da Pátria, alagada nesta terça-feira.
A comporta que se rompeu, próxima à ponte do Guaíba, é uma estrutura que permanece sempre fechada, pois não dá acesso a qualquer rua, danificada com a força da água. Esse rompimento resultou no desligamento de uma casa de bombas, o que prejudicou o escoamento na região. Tampas de bueiro, pelo refluxo da água, foram deslocadas, e a água borbulhava como um chafariz.
Outra estrutura severamente prejudicada foi o Trensurb. Os trilhos que passam pela parte baixa da intersecção da Sertório com a Voluntários da Pátria e a Avenida Castelo Branco foram totalmente tomados pelo transbordamento do Guaíba nesta segunda e continuavam submersos na terça-feira. O muro que separa a via do trem e o asfalto, com cerca de três metros de altura, foi coberto pela água.
As estações São Pedro, Rodoviária e Mercado, ao sul do trecho alagado, precisaram ser desativadas. Os trens que vêm de Novo Hamburgo param desde ontem na estação Farrapos, na zona norte da capital.
Passageiros que seguiriam até o centro de Porto Alegre precisam pegar ônibus até o Mercado Público, e há funcionários da Trensurb orientando quem vem da Região Metropolitana sobre como entrar na capital. Veículos específicos para essa finalidade saem da avenida Farrapos, mas o serviço estava com demanda elevada no final da manhã de ontem.
Mariângela Santos e Renata Nascimento dividiram o valor de uma corrida por aplicativo de transporte logo que saíram da estação Farrapos. Mariângela veio de Canoas, e Renata pegou um ônibus de Sapiranga, onde vive, até Novo Hamburgo, onde embarcou no trem. “A gente não se conhece, mas viemos conversando no trajeto, e optamos pelo carro porque os ônibus estão saindo apinhados de gente daqui”, relatou Mariângela, que trabalha como cozinheira em um restaurante no centro da capital.
Sistema anticheias milionário falhou
O sistema de proteção, desde o começo do Muro da Mauá, próximo ao Gasômetro, em direção ao norte da cidade, é formado por 14 comportas metálicas, até a Avenida Castelo Branco, com 23 casas de bomba que direcionam a água ao Guaíba. Além dos três acionamentos deste ano, a estrutura foi utilizada também em 2015 – antes disso, a água havia ultrapassado a marca dos 3 metros, que é a cota de enchente na altura do Cais Mauá, somente em 1967, depois da cheia histórica de 1941.
Ao sul, a avenida Edvaldo Pereira Paiva funciona como dique de contenção a enchentes do Guaíba. As vias de pedestres e os decks da orla inundaram ainda na segunda-feira, com a água tocando nos primeiros degraus dos mirantes do trecho 1, perto do Gasômetro.
Guaíba avança sobre avenida na zona sul
Desde segunda-feira, a atenção de Priscila Dornelles Prudente se alterna entre atualizações nas redes sociais e o portão de casa. Moradora da Avenida Guaíba, no bairro Guarujá, ela acompanha o avanço do lago, que na tarde de ontem alcançava a calçada da sua casa, localizada do lado oposto ao da orla, deixando a via submersa naquele trecho.
A situação ainda não chegou ao nível do que ocorreu na enchente passada, quando a água invadiu o pátio, mas não entrou na residência, onde vive com o marido e os dois filhos pequenos. Ontem, ainda foi possível sair para levar as crianças à escola. “O problema vai ser se entrar o vento sul, com mais chuva”, disse à Matinal, preocupada com a previsão de mais precipitação para quarta.