Eleições 2022 | Reportagem

Segurança pública no Rio Grande do Sul: desafio para 2023 é manter índices em queda

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Segurança pública no Rio Grande do Sul: desafio para 2023 é manter índices em queda Apesar de ainda serem altos, índices de violência vêm caindo nos últimos anos no RS (Foto: Giulian Serafim/PMPA)

Meia década depois da guerra nacional entre facções chegar ao Estado durante a greve das polícias, indicadores de criminalidade caíram significativamente. Próximo governador precisará fortalecer medidas estruturantes e combater crimes contra mulheres

Antes das eleições gerais de 2018, a segurança era tema central do debate público não só nacionalmente, mas de maneira específica no Rio Grande do Sul. Se na esfera nacional a guerra entre facções atingia um de seus níveis mais altos, incendiando o discurso do futuro vencedor da eleição presidencial, Jair Bolsonaro (PL), no Estado a polícia entrava em greve contra atraso de salários.

Essa situação, uma espécie de “tempestade perfeita”, levou o RS a taxas recorde de crimes violentos, com episódios impactantes em grandes cidades: mulher morta com tiro na cabeça enquanto esperava ônibus; tiroteio com duas mortes em bairro boêmio; jovem de 21 baleado após tirar a Carteira de Trabalho. O ano de 2017 registrou 3.203 crimes contra a vida no Estado, dado que reúne homicídios, latrocínios e feminicídios. Até hoje, é o mais violento desde que os dados passaram a ser divulgados, em 2012. 

Apesar de um novo capítulo na guerra de facções ter elevado os índices na Capital em agosto deste ano, as taxas de criminalidade no RS vêm caindo paulatinamente por diversos motivos, apesar de ainda estarem em níveis elevados. Por isso, especialistas avaliam que o cenário não é mais de revolução na estratégia de combate à violência, mas de manutenção do ritmo de queda e reforço de medidas reestruturantes. Em 2021, o número de crimes contra a vida chegou a 1,7 mil, o menor valor de toda a série histórica, o que representa uma queda total de 46% desde o ápice.

“O RS teve um aumento quase contínuo de violência entre 2002 e 2017. Em 2016 e 2017, houve uma tempestade perfeita, com a superguerra nacional entre PCC e Comando Vermelho, que respingou no Estado, aliada à greve das polícias no RS. Hoje vivemos o melhor momento da segurança pública dos últimos anos por uma soma de ações que aconteceram em diversos governos”, explica Alberto Kopittke, diretor-executivo do Instituto Cidade Segura, organização da sociedade civil que se propõe a pensar a segurança pública com base em evidências, utilizando metodologias já avaliadas e com resultados positivos.

Kopittke lista, cronologicamente, iniciativas como o reajuste salarial para a classe policial durante o governo do petista de Tarso Genro (2011-2015) e o foco na inteligência e na integração durante o governo do emedebista José Ivo Sartori (2015-2019) – simbolizada pela megaoperação Pulso Firme, a maior da história do RS, que transferiu 27 líderes de facções para prisões federais, além do que chama de uma “gestão por resultados”, durante o governo Eduardo Leite-Ranolfo Vieira Júnior.

“A Operação Pulso Firme é um ponto de virada. Até então, o que o governo Sartori fazia era prender mais. Houve aquela questão das pessoas presas em viaturas, que se tornou o símbolo de uma visão antiga de segurança pública, em que a forma de reagir é encarcerar mais. Essa operação é um sinal de amadurecimento, pois integra todas as instituições e foca em soluções efetivas. Focar nos líderes de facção se mostrou efetivo, há evidências disso. E essa integração se tornou um legado, pois a segurança pública no Estado segue operando dessa maneira”, diz.

O tema foi abordado durante o anúncio dos números feito por Leite no início do ano: “Desde o início, trabalhamos de forma estratégica, focada nas cidades com maior violência, com análise de dados e integração, e hoje foi possível chegar a esses resultados”, disse na ocasião o então governador e agora candidato à reeleição pelo PSDB.

Feminicídios, no entanto, crescem

Entre 2017 e 2021, diminuíram ainda incidências de abigeato (de 10,4 mil para 5,2 mil, uma queda de 50%), roubo de veículos (de 18,1 mil para 4,9 mil, quase 73% de redução), roubo a transporte coletivo (de 4,4 mil para 1,1 mil, ou seja, 81% menor) e ataques a banco (foram 215 em 2017 e 40 em 2021, 86% a menos).

Entre todas as taxas de violência calculadas pelo governo estadual, no entanto, a única que cresceu é a de violência contra a mulher. Se em 2020 foram 80 mulheres mortas por questão de gênero, no ano seguinte o total cresceu para 97. De janeiro a agosto deste ano, o Estado registrou o maior número de feminicídios da série histórica para o período.

Além disso, o primeiro semestre de 2022, em média, foram emitidas 335 medidas protetivas por dia para mulheres vítimas de violência doméstica. Foram alarmantes 60.632 medidas protetivas emitidas nos seis primeiros meses de 2022, de acordo com dados da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Tribunal de Justiça do RS.

Ariane Leitão, coordenadora da Força Tarefa de combate aos feminicídios da Assembleia Legislativa do RS e ex-secretária de Políticas para as Mulheres do RS, durante a gestão de Tarso Genro, avalia que o dado tem a ver com o desmonte de políticas públicas e, de maneira geral, com a pandemia.

“Os governos de Bolsonaro e Leite trouxeram uma desestruturação das políticas sociais para as mulheres. Na força tarefa, detectamos que todas as políticas ligadas à Rede Lilás ou que dependiam de recursos federais foram contingenciadas ou não foram executadas. O Centro de Referência Estadual de Mulher foi fechado em 2021. Em 2019, o governador Leite executou R$ 32 mil em políticas para a mulher, o que não paga nem a gasolina de uma patrulha Maria da Penha. Além disso, a pandemia deixou as pessoas em casa. E, quando a violência na rua diminui, a violência dentro de casa, geralmente contra a mulher, cresce”, diz.

Desafios e soluções

Para além das taxas de criminalidade, duas questões parecem urgentes no panorama da segurança pública gaúcha: o número de policiais contratados e o número de vagas em prisões. Para resolver a primeira, é preciso combater os entraves econômicos – nos últimos anos, o número de concursos aumentou, mas não o suficiente. Em 2019, o então vice-governador, Ranolfo Vieira Júnior, afirmou que “Brigada Militar e Polícia Civil trabalham com 55% do efetivo ideal”.

Já a questão das vagas no sistema prisional gera propostas de construção de presídios e maior oferta de cárcere em grande parte dos candidatos ao governo do RS – inclusive por Leite. Segundo especialistas, é necessário rever a política de encarceramento em massa, principalmente as ligadas ao tráfico de drogas, mas isso deve ser feito em âmbito federal. Na esfera estadual, a obrigação é dar condições para que as penas sejam cumpridas em um ambiente civilizado.

“Não é papel do governador dizer quantos presos vão existir no Estado, mas garantir que haja vagas para que eles sejam presos. Se há 40 mil presos e 20 mil vagas, quero que sejam garantidas as 20 mil vagas que faltam. É uma questão de humanidade, de cumprimento da lei e também uma questão de segurança. Porque, quando não são garantidas condições carcerárias mínimas, quem domina são as facções”, diz o sociólogo Rodrigo Azevedo, professor da Escola de Direito da PUCRS.

O combate às facções também é um ponto central: estima-se que cerca de 80% dos homicídios tenham alguma relação com o tráfico de drogas, o que exige uma abordagem focada. Segundo os especialistas ouvidos pela reportagem, iniciativas recentes como o ataque ao fluxo financeiro das organizações criminosas e a transferência de líderes para prisões federais de altíssima segurança têm se mostrado efetivas. Iniciativas pontuais ajudam, mas a questão global precisa ser atacada, avalia Azevedo:

“É, acima de tudo, um problema estrutural. As facções têm muita capacidade de arregimentação da juventude da periferia. É preciso ter uma política para tentar ganhar a juventude, com emprego, educação, valorização social. Sem isso, forma-se um ciclo vicioso que, por melhores que sejam as políticas públicas, manterá a violência presente”. Segundo o professor, o atual estímulo ao armamento faz com que o combate à violência ligada às facções, principalmente entre jovens e em cidades pequenas, seja dificultado.

No sentido das iniciativas de combate estrutural à sedução exercida pelas facções criminosas, Alberto Kopittke dá exemplos de sucesso. “Alguns municípios começaram a fazer programas de prevenção à violência, e o caso de Pelotas é o mais importante deste período. A cidade se equiparava a Alvorada na taxa de homicídios, e a prefeita Paula Mascarenhas (PSDB) puxou para si o problema, como Jairo Jorge (PSD) havia feito antes em Canoas. Criou-se um plano baseado em evidências: um exemplo é um treinamento para mães sobre como criar os filhos sem violência, mas com limites. Há evidências científicas de que esse curso de oito semanas reduz a violência dessa criança ao longo da sua vida. Nas escolas, baseado em uma experiência de Lajeado, estipulou-se um serviço de educação socioemocional para jovens com problemas de comportamento. É uma nova visão da segurança pública”, exemplifica.

Kopittke lista três principais desafios para os próximos anos no Rio Grande do Sul: “Estipular uma política moderna de prevenção à violência com base na ciência, seguindo o exemplo de cidades como Pelotas, Lajeado e Santa Cruz do Sul; desmontar a engrenagem prisional de fomento ao crime; e criar e oferecer às cidades programas específicos para condições locais”.

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