Reportagem

Sem receber Caderneta da Criança desde 2020, rede hospitalar de Porto Alegre precisa improvisar

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Sem receber Caderneta da Criança desde 2020, rede hospitalar de Porto Alegre precisa improvisar Livro registra vacinação e histórico de saúde infantil (Foto: Tiago Medina /Matinal)

Secretarias de Saúde estadual e municipal devem imprimir modelos próprios do documento, que permite acompanhar desenvolvimento infantil e vacinação

Os hospitais de Porto Alegre estão há mais de um ano improvisando alternativas à Caderneta de Saúde da Criança, que o Ministério da Saúde deixou de distribuir ainda no início de 2020. O problema afeta as redes de saúde tanto pública quanto privada em todo o país, deixando as famílias sem um documento ao qual todo cidadão tem direito ao nascer: ali são registradas não apenas as vacinas que protegem o bebê, mas também um histórico de saúde que auxilia a acompanhar o crescimento e o desenvolvimento infantis. 

As últimas cotas de Cadernetas da Criança chegaram aos hospitais da capital gaúcha em março de 2020. Com o estoque zerado há mais de um ano, a maternidade da Santa Casa de Misericórdia passou a entregar fotocópias da caderneta para os familiares de recém-nascidos. O documento oficial tem 92 páginas, que trazem informações abrangendo desde direitos da criança, de mães e pais, até instruções sobre boa alimentação, cuidados com a saúde de crianças e monitoramento e registro de crescimento, desenvolvimento e vacinação. 

Vanessa Silva dos Santos, 24 anos, recebeu apenas um folder para anotar as vacinas do seu filho, nascido em novembro do ano passado.“Não comentaram que estava em falta. Estranhei porque tenho uma menina de 8 anos, que tem a caderneta. Cheguei a pensar que era algo oferecido apenas para mães de primeira viagem”, relata, lembrando que a caderneta completa vem com diversas informações para quem cuida pela primeira vez de um bebê, a exemplo de como realizar o aleitamento caso a criança engasgue. Foi a caderneta da primeira gestação que instruiu Vanessa a acompanhar a evolução de peso do seu filho, comparando com os registros da menina: “É um documento importante porque até diminui a ida das mães com bebês até o hospital”, observa.

Outros hospitais adotaram estratégias diferentes. O Hospital Moinhos de Vento está imprimindo a caderneta por conta própria, e o Hospital de Clínicas tem utilizado um arquivo pdf que, elaborado pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Porto Alegre, garante uma versão simplificada, para evitar que as famílias voltem para casa de mãos vazias: “As Cadernetas da Criança não são distribuídas pelo Ministério da Saúde desde março de 2020. Com a informação de que em breve o fornecimento das mesmas estaria regularizado, a secretaria (Municipal de Saúde) elaborou uma caderneta da criança – modelo simplificado – que vem sendo distribuída pelas maternidades. Ocorre que não houve o restabelecimento do fornecimento, nem tampouco previsão para tal, devido a trâmites administrativos no MS”, explicou a SMS, em nota enviada ao Matinal.

Diante da imprevisibilidade do governo federal, a SMS decidiu elaborar um modelo próprio: “Estamos em vias de confecção de uma caderneta da criança própria para Porto Alegre, o que deve ocorrer nos próximos meses”, assegurou a pasta, prevendo a disponibilidade do novo documento para 2023. 

A Secretaria Estadual de Saúde (SES), à qual compete distribuir a caderneta aos municípios, registra janeiro de 2020 como mês do último recebimento de cadernetas do Ministério da Saúde: “Em meados de 2021 foi observada a falta em alguns municípios, se estendendo aos demais ao longo dos meses”, informou a pasta, anunciando a abertura de um processo licitatório para produzir o documento com recursos do Estado. A confecção de 135 mil cadernetas deve ser concluída no final de dezembro. O RS contabilizou 124,4 mil crianças nascidas vivas em 2021.

Cadernetas simplificadas são insuficientes, dizem pediatras

O Ministério da Saúde chegou a anunciar, em janeiro deste ano, uma remessa de aproximadamente 10 milhões de novas Cadernetas da Criança para todo o país, o que ficou na promessa. “No fim de 2021, o Ministério da Saúde ficou de fazer alguns ajustes para sua reprodução e posterior distribuição, o que não aconteceu. Em julho deste ano, o MS enviou nota informando que ainda estava sem conseguir reproduzir, porém os estados poderiam fazê-lo até que essa situação fosse regularizada em nível central”, relata a Dra. Licia Maria Oliveira Moreira, presidente do Departamento Científico de Neonatologia da Sociedade Brasileira de Pediatria.

A escassez deu margem para a compra pela internet, e uma caderneta de vacinação já conta como o item mais vendido na categoria “álbuns e diários de bebê”, no Mercado Livre, com custo de cerca de R$ 40. “A caderneta está disponível para aquisição online, mas essa forma fica restrita à pequena parcela da população que pode arcar com esse custo e que também está motivada para isso. É muito importante que essa caderneta seja acessível para toda a população brasileira. Por isso, precisamos resgatá-la com a maior brevidade possível”, alerta a Dra. Licia, acrescentando que a Caderneta da Criança é um “instrumento muito importante para o acompanhamento das crianças brasileiras com impacto na monitorização do crescimento, desenvolvimento, vacinas, além da oportunidade de educar a família informando sobre os cuidados a serem tomados com seus filhos.”

Maurício Colvero, pediatra da Santa Casa, observa que as versões simplificadas constituem uma alternativa insatisfatória do ponto de vista do cuidado com a saúde infantil: “Esse papel que está sendo entregue é insuficiente. Ele tem os principais dados, como os de vacina, mas não tem nada de seguimento, avaliações de normalidade e, principalmente, as curvas de crescimento para acompanhamento. Diante disso, as pessoas têm comprado na internet cópias da Caderneta de Criança. Seria fundamental retomar o fornecimento dessas cadernetas, para um melhor acompanhamento das crianças Brasil afora”, sugere Colvero, lembrando que o problema afeta maternidades em todo o país. 

Procurado pelo Matinal, o Ministério da Saúde não havia respondido até a publicação desta reportagem.

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