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TJ-RS restringe acesso a salários de magistrados; CNJ disse que irá intimá-lo

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TJ-RS restringe acesso a salários de magistrados; CNJ disse que irá intimá-lo TJ-RS defendeu a coleta irregular de dados pessoais para a divulgação das remunerações de magistrados | Foto: CNJ/Divulgação

Portal de transparência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul exige identificação prévia do cidadão, uma barreira considerada irregular pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que disse que irá intimar a corte após contato da Matinal

O cidadão que quiser saber quanto ganham juízes, desembargadores ou servidores judiciários do Tribunal de Justiça gaúcho (TJ-RS) deve informar à corte seu nome e documento, medida que é irregular pelas regras do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O órgão estabelece desde 2021 que informações individuais e nominais de remuneração no judiciário devem ser “automaticamente disponibilizadas para divulgação ampla aos cidadãos”, em substituição a uma norma anterior que permitia a coleta de informações pessoais.

A assessoria de imprensa do conselho confirmou à reportagem que a situação é irregular e disse que iria incluir a denúncia em um processo que acompanha se os tribunais estão cumprindo as determinações do CNJ, que irá “intimar o TJ-RS sobre a limitação ao acesso à informação, já que a resolução não prevê a exigência de identificação ao usuário”.

Esse tipo de medida representa uma restrição à fiscalização das remunerações de magistrados e traz riscos aos cidadãos que usam o portal de transparência do tribunal, segundo entidades consultadas pela Matinal. “Temos um histórico de situações em que, quando alguém consultava o salário de alguém e essa informação ia para o sistema, isso levava a algum tipo de retaliação”, diz a jornalista Kátia Brembatti, presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), entidade que preside o Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas.

Reprodução

Em 2013, uma servidora do Senado Federal acabou condenada pela Justiça após usar os dados pessoais coletados pelo portal de transparência da Casa para ver quem consultou seu salário e tentar intimidar uma pessoa que buscou a informação. A funcionária mandou e-mails para o cidadão e o chamou de “bisbilhoteiro” e “fofoqueiro”.

“O pedido de identificação só está ali [na página do TJ] para desincentivar o cidadão comum no acesso à informação, que fica com receio e medo de carteiraço”, disse à Matinal um porta-voz da agência de transparência de dados públicos Fiquem Sabendo. “Justamente por isso não podemos ter esse tipo de exigência.”

Um levantamento recente do jornal O Globo apontou que o tribunal gaúcho e o de Rondônia lideram a lista de maiores salários pagos pelo Judiciário a magistrados no país em 2023. Somente neste ano, 38 juízes e desembargadores receberam um total aproximado de R$ 12 milhões no Rio Grande do Sul. Das dez maiores remunerações pagas no semestre, quatro são para magistrados gaúchos, destacou a GZH.

TJ distorce normas de transparência

Em nota à Matinal, o TJ-RS defendeu a coleta irregular de dados pessoais como condição para a divulgação das remunerações de magistrados e servidores do judiciário gaúcho. “O Tribunal de Justiça do RS entende que a mera solicitação de identificação do solicitante da informação não obstrui ou dificulta o acesso às informações e, portanto, não afasta a divulgação ampla aos cidadãos e controle dos órgãos competentes, exigida no dispositivo normativo (do CNJ)”, disse em nota.

Na avaliação do tribunal, a exigência “apenas harmoniza os princípios ressaltados pela Lei de Acesso à Informação (LAI) e pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)”, interpretação que foi considerada equivocada pelos especialistas consultados pela reportagem, já que a divulgação de salários não deveria estar sujeita à LAI e nem as informações públicas de magistrados e servidores à LGPD. 

Conforme especialistas consultados pela Matinal, a corte estaria confundindo informações de transparência ativa, que não devem ter nenhuma restrição de acesso e são sujeitas à disponibilização proativa por órgãos públicos, com as de transparência passiva, em que cabem a solicitação e pedido do cidadão por demandarem tempo e trabalho para se organizar uma resposta à demanda.

“A LAI diz que se eu entrar com um pedido de informação de algo que o governo não expõe de forma clara, como quantos magistrados têm valores retidos de pensão, por exemplo, aí preciso formalizar e dar minhas informações”, explica Brembatti. “Mas para entrar em um portal e consultar algo de transparência ativa, em que é preciso manter aquilo público, como salários de servidores ou licitações, não há motivo para essa regra (de informar dados pessoais).” 

Já a Fiquem Sabendo ressaltou que a LGPD aponta que dados pessoais só podem ser coletados se eles forem necessários à política pública, se a coleta não implicar em discriminação ao titular deles (como eventuais retaliações) e se houver transparência quanto ao tratamento dessas informações. “Essa ‘proteção’ sequer é efetiva porque quem acessa esses dados (de remuneração) para fins de fraude não iria fazê-lo de forma identificada”, disse o porta-voz da agência. “A barreira só está ali para desincentivar que o cidadão comum acesse essas informações.”


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