Ensaio

Não à barbárie

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Não à barbárie Desenho de Rene Georges Hermann Paul

Está na Bíblia. O Gênesis, primeiro livro da Escritura, nos traz a história de um bárbaro, que mata por ciúmes. Caim, o primogênito de Adão e Eva, assassinou seu irmão Abel. Ficou irritado, porque o Senhor aceitou a oferta de Abel (cordeiros) e não a dele (frutos).

Tomado pela ira, Caim viu no irmão um inimigo, que precisava ser destruído. O outro deveria desaparecer para que ele, o filho mais velho de Adão e Eva, conquistasse as graças do Senhor. Em seu coração não havia amor, compaixão, solidariedade. Ele deu início à barbárie.

Se a humanidade começou com Adão e Eva, vivemos pouquíssimo tempo em paz. Inveja, ciúmes, desconfiança, cólera, egoísmo, frustração, ódio, rancor e tantos outros sentimentos negativos dominaram – e dominam  –  o homem. Passados milhões de anos, esta consciência distorcida continua autorizando agressões, torturas, assassinatos, guerras.

O primeiro sinal de civilização, contrapondo-se à barbárie, segundo a antropóloga norte-americana Margaret Mead (1901-1978), é um fêmur quebrado e curado, de 15 mil anos, encontrado em uma escavação arqueológica. Por que o fêmur sarado representa o início da civilização? Porque a cura deste grande osso, que liga o quadril aos joelhos, prova que alguém teve compaixão pelo(a) doente. Cuidou de sua dor, caçou por ele(ela), alimentou-o(a) por um longo tempo, carregou-o(a), quando foi preciso.

Os sentimentos que caracterizam a civilização, ao contrário dos que sustentam os bárbaros, são: amor, empatia, afeto, generosidade, gratidão, preocupação com o outro e todos os que qualificamos como positivos. Mesmo que sejamos produto do evolucionismo, a História da Humanidade é clara: a compaixão pessoal ou coletiva apareceu entre nós muito depois das peleias protagonizadas pelos nossos antepassados, em busca da sobrevivência. E, me parece, que, em pleno século XXI, lotado de tecnologias, as lideranças mundiais vivem ainda na fase da barbárie.

A esta altura, minha pergunta é: o que a parcela civilizada da humanidade tem feito para evitar que as armas sejam mais usadas do que o diálogo? O que se tem feito para impedir os confrontos armados, as guerras, as mortes de inocentes? Sinceramente, acho que muito pouco. Quase nada.

Os bárbaros pensam apenas neles mesmos, em seus umbigos e bolsos. Querem o poder. Os exemplos são fartos: no Congresso, deputados e senadores só fazem o dever de casa, quando obtêm milhões de reais, que garantam a sua reeleição. Nas favelas, as milícias atacam e matam, sem que as autoridades estaduais e nacionais ponham um fim a estes grupos, armadas por policiais e militares. A fome cresce junto com o número de pobres e miseráveis brasileiros. Recursos, que deveriam ser investidos na melhoria de vida destas pessoas, são desviados para a compra de equipamentos, muitas vezes, desnecessários.  E, também, para o Fundão – Fundo Especial de Financiamento de Campanha. Nossos parlamentares não têm vergonha em exigir que o Orçamento de 2024 destine, no mínimo, R$ 6 bilhões para as suas campanhas eleitorais. Eles sabem muito bem que o dinheiro sairá de áreas como Saúde, Educação e Segurança. O outro não interessa. Pode ficar sem alimento, saúde, educação, segurança, desde que aqueles que nos representam possam garantir votos, “mimando” os eleitores.

Se o cenário nacional não é o que sonhávamos, o internacional, então, nem se fala. A Terra está dividida, apoiando Rússia ou Ucrânia, Palestina ou Israel. Os demais conflitos – Síria, Iêmen, República Democrática do Congo, Afeganistão, Mianmar, Haiti – perderam espaço na mídia. O sofrimento dos migrantes (108,4 milhões de deslocados, em 2022, segundo dados da ONU), que são expulsos de seus países, não preocupa presidentes, primeiros-ministros, ditadores ou qualquer outro político. Crianças, velhos, mulheres, jovens, doentes, portadores de deficiências são jogados em campos de refugiados.

Volto a perguntar: quem se interessa em acabar com toda esta desgraça? Quem se interessa pela paz? Os líderes dos países desenvolvidos, não. As indústrias de armamento, muito menos. As instituições internacionais, como a ONU, se mostram impotentes, perante aos países, que ganham com a guerra e perdem com a paz. Enquanto isto, inocentes  – civis, velhos, crianças, mulheres, jovens – morrem aos borbotões.

Quem condenará as guerras? Que instituição internacional, livre de pressões, terá força para acabar com elas?

Em entrevista ao El País, de 23 de outubro passado, o professor e advogado argentino Luís Moreno Ocampo ressaltou que a única inovação no mundo político, nos últimos anos, foi a criação do TPI – Tribunal Penal Internacional. Em 2002, Ocampo assumiu como primeiro promotor-chefe do Tribunal, permanecendo no cargo até 2012. “Investimos trilhões em guerras. Quase nada em justiça e paz. Precisamos criar uma tecnologia que propicie a revolução dos moderados.”

O TPI poderá/poderia ser a instituição destinada a acabar com as guerras? Parece que, por enquanto, não. Diz Ocampo, para explicar a fragilidade existente entre os membros da ordem mundial:

– A guerra tem cinco mil anos, a diplomacia, quatro séculos, e a Justiça Internacional, duas décadas.

Enquanto o horror segue, quem grita pela paz, sem medir ganhos e perdas, é visto como alienado, que não se posiciona, não defende um lado ou outro. O pacifista dos anos 2020, ao contrário Mahtma Gandhi, um herói, não tem lugar neste mundo conflituado.

Pois eu sou uma pacifista. Sou contra a barbárie. Apoio, integralmente, o cartunista Miguel Paiva: “Exijo o direito de ser um pacifista. Se há guerra, sou contra”.   


Nubia Silveira é jornalista.

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