O difícil relacionamento entre civis e militares
“Povo unido jamais será vencido”, “Não passarão”, “Ditadura, nunca mais”. Quem nunca ouviu ou gritou estas e outras frases em manifestações políticas? Emocionamo-nos ao escutá-las ou berrá-las, em alto e bom som, em meio a centenas, milhares de manifestantes, que dividem conosco a utopia de um novo mundo. Vemos a vida com otimismo, certos de que seremos vitoriosos. Mas a realidade algumas (muitas?) vezes é diferente. Ela não é completa como sonhávamos e esperávamos. No Brasil e em certos países latino-americanos as conquistas costumam vir com uma sombra fardada. Perigo previsto por Platão na República, sua obra mais importante: os militares são capazes “de alargar a sua perigosa influência a toda área da política”. Daí o receio dos civis.
A relação entre civis e militares brasileiros – nos mostra a História – nunca foi serena. Os armados sempre se viram como herdeiros do quarto Poder, o de moderador, exercido pelo imperador até 1889, quando, num golpe, o Marechal Deodoro da Fonseca declarou a República e exilou para sempre o seu amigo Dom Pedro II. Desde lá os brasileiros vivem o medo de que a quartelada se repita. E ela se repetiu algumas vezes, apesar de os militares serem “servidores públicos comuns e não agentes políticos”, como afirma o procurador Airton Florentino de Barros, em artigo publicado no Conjur – Consultor Jurídico, em 6 de julho de 2020. “A razão é simples. Político armado não governa. Torna reféns os cidadãos.”
Diversos acadêmicos alertam que para termos uma democracia consolidada é preciso que as Forças Armadas estejam sob o controle do poder civil. No Brasil, esta situação deveria ter ficado clara, quando, em 1985, houve a transição da ditadura para a democracia. No entanto, o maranhense José Sarney, tornado presidente, devido à doença e posterior falecimento do mineiro Tancredo Neves, não teve coragem para colocar um fim nesta sombra verde-oliva.
José Zaverucha, cientista político, autor de Relações Civil-Militares no Primeiro Governo da Transição Brasileira – Uma Democracia Tutelada, diz que, “diante dos altos riscos subjacentes ao processo de transição”, são previstas três situações:
1 – a transição é concluída quando “os civis conseguem controlar, democraticamente, o comportamento político dos militares”, que passam a obedecer aos comandos civis. E são abolidos “os enclaves autoritários dentro do aparelho de Estado”. Algo que o Brasil ainda não conseguiu.
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