Ensaio

Um Direito para lidar com os desastres?

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Um Direito para lidar com os desastres? Foto: Lauro Alves/Secom

Após o furacão Katrina, em 2005, entramos numa fase de super eventos climáticos. De lá para cá, muito se fala sobre super furacões, ondas de calor, inundações e chuvas extremas, todos seguidos de efeitos catastróficos. Como resultado, nasceu o Direito dos Desastres pelas mãos do jurista americano Daniel Farber, da Universidade da Califórnia, que observou que o direito tradicional não era suficiente para eventos tão abrangentes. De lá para cá, este ramo tem ganho destaque ante o avanço dos desastres climáticos. 

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O cenário climático atual é de um planeta que já elevou sua temperatura média em 1,1ºC. Parece pouco, mas não é. Independentemente da urgência de mitigação climática, precisamos adaptar nossas cidades e infraestrutura à esta nova realidade. Isso é estratégico sob o ponto de vista econômico e justo, socialmente. 

O Direito tem a função de controlar e determinar comportamentos sociais, de forma justa e equitativa. Enquanto muitas atividades fecham as portas, o Judiciário deve permanecer aberto, substituindo caos por estabilidade. O Judiciário precisa estar preparado, pois após um desastre, há uma onda de litigiosidade. 

Antes do evento, o poder público tem o dever de garantir a identificação de riscos e seu controle, por meio de mapas de riscos, alertas sonoros, planos de contingência e respostas emergenciais bem planejadas. Exemplo disso é a Política Nacional de Proteção de Defesa Civil (Lei 12.608/12) que ordena que o Governo Federal tenha um cadastro de municípios críticos e preste apoio aos Municípios, Distrito Federal e Estados no mapeamento de seus riscos catastróficos, conforme artigo 6º, IV, exemplificativamente. De outro lado, o Estado tem o dever preventivo de identificar e mapear as áreas de risco e realizar estudos de identificação de ameaças, suscetibilidades e vulnerabilidades em nível Estadual, nos termos do art. 7º, IV, do mesmo diploma legal. Finalmente, cabe aos Municípios o mapeamento das áreas de risco de desastres, a promoção da fiscalização destas áreas e ações de comando e controle para vedar novas ocupações, tudo conforme o art. 8º, incisos III, IV e V. Uma vez comprovada a omissão dos entes competentes a tais deveres de prevenção ou mesmo a ausência de planos de contingência, quando devidos, justifica-se a responsabilização dos entes públicos, por ventura negligentes, pelos danos sofridos pelas vítimas. 

De acordo com os dados da ONG Contas Abertas, o orçamento destinado para a prevenção de desastres “naturais” (preferimos climáticos) sofreu uma redução de 78% na última década. Que dirá a sua efetiva destinação, sempre muito menor do que a dotação orçamentária. Também, salta aos olhos o fato de que, apesar de mais de 85% dos municípios gaúchos terem sido afetados pelo desastre das chuvas catastróficas de Maio de 2024, apenas 13% dos municípios gaúchos têm Mapa de Risco. Se de um lado, a emergência climática se agrava, de outro, temos investido cada vez menos em prevenção. Trata-se da tempestade perfeita para a ocorrência de desastres climáticos como este que estamos vivenciando. Riscos cada vez mais exacerbados e a falta de investimentos, nos torna, a cada dia, mais vulneráveis social, econômica e ambientalmente.

A (in)Justiça Climática demonstra que os desastres afetam a sociedade como um todo, mas especialmente os mais vulneráveis. Para além do cumprimento das leis, as soluções judiciais devem sempre ter em seu horizonte decisório a missão de não exacerbar a vulnerabilidade social das vítimas e, quando possível, reduzí-las. Para tanto, uma atenção especial deve se dar aos direitos fundamentais básicos das vítimas, todos previstos em nossa constituição, tais como o direito à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), à habitação (art. 6º, caput), ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225), à propriedade privada (art. 5º, caput e XXII) , entre tantos outros. Da mesma forma, deve ser assegurado às vítimas o acesso à Justiça, à obtenção de novos documentos, a auxílios emergenciais, à reconstrução de suas casas, preferencialmente em áreas mais seguras. Enfim, acesso à dignidade, pois o direito à vida não foi garantido a muitos em meio a toda esta catástrofe.


Délton Winter de Carvalho é advogado e professor de Direito Ambiental na Unisinos.

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