Ensaio

Victor Frond (1821-1881): um fotógrafo francês no Brasil

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Victor Frond (1821-1881): um fotógrafo francês no Brasil Imagem do livro-álbum Brazil pittoresco

Bicentenário de nascimento

Era 1856 quando Jean-Victor Frond desembarcou no Rio de Janeiro. O registro pode ser encontrado no Correio Mercantil de 9 de outubro daquele ano e a manchete do periódico anunciava no nosso português de então: “Entrarão hontem nesse porto”. Frond chegou, se instalou e começou trabalhar com a fotografia, profissão que o fez deixar como registro cenas de um país que aparece nas imagens que ilustram este texto. 

Mas antes de chegarmos ao contexto dos registros fotográficos, vamos entender quem foi esse francês que nasceu há 200 anos na França, a mesma do poeta Charles Baudelaire. (Por sinal, Baudelaire esteve nas páginas da Parêntese 71, em texto escrito por Diego Grando. O autor d’As Flores do Mal também completa seu bicentenário agora em 2021).

Os Frond eram de uma família de pequenos proprietários rurais em Montfaucon (departamento de Lot que hoje se situa na região conhecida como Occitanie), sudoeste francês. E naquele enrosco que é a França do seu período, Victor Frond se torna militante republicano. Numa das, como a gente diz?, peleias, ele, que trabalha como oficial do 4º Batalhão do Corpo de Bombeiros de Paris, lidera uma rebelião durante o golpe de 1851. Que golpe é esse? O Diego Grando contou assim em síntese apontada no já mencionado texto sobre o Baudelaire: 

A partir de 1948,”quando uma terceira revolução leva à abdicação do rei e ao estabelecimento da Segunda República, que ao longo do ano se organiza e prepara eleições, por sufrágio universal masculino – a contradição dos termos não é minha. O eleito? Luís-Napoleão Bonaparte, que tão logo se aproxima o fim do mandato de quatro anos, em 1852, vai mexendo os pauzinhos – sobrinho de peixe, peixinho é – até conseguir instituir o Segundo Império Francês, sendo proclamado Napoleão III”. 

Nesse vaivém entre império e república, o oficial Frond faz questão de se posicionar contra as articulações de Napoleão III e acaba sofrendo as consequências por sua insubordinação. Seus protestos contra a restauração do Império o levam para a prisão. A sentença? Pena máxima em uma colônia penal na Argélia. Esse exílio forçado não para com a capacidade de Frond reagir com ideias opostas ao regime francês. Pelo contrário, em território argelino ele tenta transformar a experiência do confinamento em uma glorificação de sua revolta e acaba reunindo testemunhos detalhados dos presos políticos. 

Detalhe importante de alguns anos depois: no de seu retorno à França, Frond redige um texto autobiográfico e faz dele uma apresentação de sua defesa às autoridades da Terceira República. Ou seja, ele realça sua atitude combativa na caserna como expressão de sua fidelidade ao modelo republicano, relativizando a obediência de um soldado que se vê inerte frente aos fatos. A redação de seus argumentos foi um pedido de indenização feita ao governo francês, posteriormente autorizado pela Lei de Reparação Nacional, em 1881. 

Voltando aos anos 1850, entra ainda para a conta frondiana a fuga da prisão do norte da África e sua chegada à Inglaterra, onde se aliou a exilados republicanos como Charles Ribeyrolles (anote esse nome). Da participação nas barricadas, das prisões e da fuga, Frond passa aos contatos, às mediações, aos planos clandestinos. Faz render sua capacidade de articulador e replica a voz de figuras como o escritor Victor Hugo. 

Só que aí vem o fracasso do plano que se organizava. E sem ter mais alternativas no jogo político entra em ação uma nova mudança: a ida para Lisboa. Na capital portuguesa Frond tinha lá seus contatos, e a rede de relações faz com que ele escolha um novo métier. Quem nada podia fazer fazia o que podia. Foi então que a fotografia surgiu em sua vida no exílio. Vale lembrar que o surgimento da imagem por reprodutibilidade técnica não era lá uma das mais almejadas profissões. Naqueles tempos, viam os fotógrafos como “frutos secos da sociedade”, um ofício desqualificado e transitório. É nessa hora que Frond abre um capítulo diferente na sua trajetória: o Brasil. 

Brasil em: O Brazil pittoresco

Vendedor de aves na roça. (Foto de Victor Frond e litogravura de Charpentier)

É em 1857, ano seguinte ao desembarque em solo brasileiro, que Victor Frond inaugura seu atelier na rua da Assembleia, nº 34. O Rio de Janeiro celebra a arte do francês nos jornais, há uma exaltação da sua clientela e, adivinhem?, o Imperador Dom Pedro II se faz fotografar por ele. Assim o estrangeiro abre caminho para mostrar um trabalho diferente dos retratistas da cidade. Porque Frond prefere o empreendimento editorial às oficinas de fotografias sob encomenda; prefere documentar e não enquadrar as figuras que cercavam a corte. Sem falar que era interesse da Casa Imperial desenvolver a exploração geográfica realizando o mapeamento das regiões nacionais reunindo um apanhando de temas. Aí entra toda a observação em áreas como botânica, zoologia, geologia, mineralogia. 

Nasce a partir daí o trabalho que resulta na publicação Brazil pittoresco, realizado entre 1858 e 1860 e considerado o primeiro livro de fotografias da América Latina. O livro-álbum foi escrito por Charles Ribeyrolles, lembra dele alguns parágrafos acima? Pois Ribeyrolles era um jornalista e político francês da turma do Victor Hugo. Ele, junto com Frond, foi designado para percorrer a então província do Rio de Janeiro. De início o projeto deveria extrapolar a região fluminense, chegando até Pernambuco e Bahia. Acontece que Ribeyrolles acabou morrendo antes da conclusão do trabalho.

Interior da Fazenda do Governo: oficinas e senzalas. (Foto de Victor Frond e litogravura de Sabatier)

A parte da tradução do texto, vale lembrar, coube a figuras importantes das letras brasileiras. Quem fez parte da lista? Escritores como Manuel Antônio de Almeida e nosso grande Machado de Assis. Inclusive o jornal O Parahyba, veículo em que Machado trabalhou, deu ampla publicidade ao livro-álbum reproduzindo vários trechos. Como suposição, é bem possível que esse contato com Frond e Ribeyrolles tenha feito nosso Machado crescer. Ele que era um guri em torno de seus 20 anos e até essa idade tinha amigos apenas entre os brasileiros. De repente se vê metido com gente cosmopolita e republicana que é de uma geração anterior à dele e com muita estrada percorrida. 

Com o material produzido, o livro-álbum acaba tendo como protagonistas as imagens de Frond, já que os textos de Ribeyrolles funcionam mais como legendas ampliadas. E dá pra entender a razão disso olhando para cada uma das imagens com atenção. O resultado do conjunto de litogravuras foi o “mais ambicioso trabalho fotográfico realizado no país, durante o século XIX”, segundo o estudioso Pedro Vasquez.  

Trabalhador da roça / Negra da roça (Fotos Victor Frond e litogravuras de Charpentier)

Cabe bem uma questão: litogravuras ou fotografias? 

É bom que se explique: tratava-se de novidade, pois a técnica era ilustrar a partir das fotografias. As imagens de Victor Frond se tornaram reproduções litográficas executadas em Paris, na Maison Lemercier, por artistas como Charpentier, Aubrun e Cicér. O elo todo se dava porque a colagem das fotografias era uma alternativa muito cara. E tinha também o problema de controle da luz, que na reprodução em série dava muita variação ao conjunto das imagens. Adicionado a isso as fotos se alteravam, desbotavam com facilidade. Por esse trânsito entre a produção fotográfica e a litogravura é que Frond ganha relevo como editor nas casas de edição de seu próprio país. Além disso, existia na época um mercado europeu para publicações ilustradas, ligadas as narrativas de viagem. Quando sai do Brasil, é na própria Maison Lemercier que Frond trabalha ao chegar na França em 1962.

Às imagens:

Fazenda do secretário, no município de Vassouras, Rio de Janeiro. (Foto de Victor Frond e litogravura de J. Jacottet)

A partida para a roça. (Foto de Victor Frond e litogravura de F. Sorrieu)

Senzalas. (Foto de Victor Frond e litogravura de Ph. Benoist)

O descanso na roça. (Foto de Victor Frond e litogravura de Ph. Benoist)

Encaixotamento e pesagem do açúcar. (Fotografia de Victor Frond e litogravura de Ph. Benoist)

Antes da partida para a roça. (Fotografia de Victor Frond e litogravura de Ph. Benoist)
Raspagem de mandioca (Fotografia de Victor Frond e litogravura de Duruy)

Cozinha na roça (Fotografia de Victor Frond e litogravura de Ph. Benoist)

Após o trabalho / Trabalhador do mato (Fotografia de Victor Frond e litogravura de Champagne)

Curiosidades, perguntas e notas:

  • Muitas das imagens fotográficas sofrem a intervenção dos gravadores. Personagens, animais ou embarcações são acrescentados na transcrição da fotografia para a litogravura.
  • Existe um caráter abolicionista no trabalho de Frond, que com seus registros das condições de cativeiro nas fazendas de cana e de café põe em discussão o trabalho escravo.
  • O que passa pela cabeça de um republicano, que se rebela contra o império francês, ao se deparar com o modelo colonial e escravista das fazendas no interior fluminense?
  • Um homem com a energia de Frond, de tamanha mobilidade e atuação política, chega ao Brasil para se fixar em um ateliê e trabalhar a serviço de um imperador e sua corte.
  • Na volta à França, Gustave Courbet escreve para Proudhon, o filósofo, e recomenda Frond como alguém que “por largo tempo combateu e sofreu pela causa democrática como soldado e que, pelas contingências do exílio político, fez-se fotógrafo — bom fotógrafo”. Mas…é um álbum ilustrado (de luxo?) que integra Frond ao mercado de impressos francês. 
  • O texto de Charles Ribeyrolles, que acompanhou as imagens, pode ser lido na íntegra, em francês e português, neste link da Fundação Biblioteca Nacional – BNDigital

* Foram importantes para a construção deste texto as seguintes referências: O RETRATO, A LETRA E A HISTÓRIA: notas a partir da trajetória social e do enredo biográfico de um fotógrafo oitocentista (de Lygia Segala); Um monumento ao Brasil: considerações acerca da recepção do livro Brazil Pitoresco, de Victor Frond e Charles Ribeyrolles (de Maria Antonia Couto e Silva).

* As imagens são do acervo da Fundação Biblioteca Nacional (Brasil – RJ)


Ângelo Chemello Pereira é formado em publicidade e mestrando em literatura.

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