Resenha

A saga dos Paiva

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A saga dos Paiva

Em Ainda Estou Aqui (Alfaguara, 2015), Marcelo Rubens Paiva fala sobre o desaparecimento do pai, o deputado Rubens Paiva, após ser preso pela ditadura, em 1971. E sobre a despedida em vida de sua mãe, a advogada e ativista Eunice Paiva, vítima da doença de Alzheimer (faleceu aos 86 anos, em 13 de dezembro de 2018). Marcelo, quando da publicação do livro, revelou que se assustou com o rumo tomado pelos protestos de 2013. Eles começaram reclamando do  preço das passagens do transporte coletivo e culminaram pedindo a volta da ditadura. O susto foi tamanho que resolveu, então, escrever sobre o período vivido pelos brasileiros de 1964 a 1985, mostrar o que é uma ditadura e contar a saga vivida por sua família. 

Marcelo Rubens Paiva contou que as revelações da Comissão Nacional da Verdade incentivaram-no a escrever sobre a morte e as torturas sofridas pelo pai. Criada em 18 de novembro de 2011, no governo de Dilma Rousseff, a Comissão Nacional e as estaduais da Verdade investigaram as violações de direitos humanos, ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988. Marcelo tinha apenas cinco anos, quando o deputado federal pelo PTB foi levado de casa, no Rio de Janeiro, por agentes da ditadura para nunca mais ser visto. Eunice e a filha mais velha também foram presas e interrogadas sobre as ações do parlamentar, consideradas subversivas.

O medo, a dúvida e o ressentimento por ter crescido sem pai e com a mãe menos dedicada aos filhos e mais à defesa dos presos políticos e à luta pela anistia e o fim da ditadura dão ao texto um tom de acerto de contas. “Não sei o que passava pela cabeça do meu pai”, diz. “Estava na cara que deveríamos ter partido para o exílio.” O filho se pergunta: “Por que ele arrastou tanto a nossa partida? Arrogância? Confiança? Dever ideológico?” A mensagem passada é a de que a família não desculpa o pai por não ter seguido o exemplo do amigo Fernando Gasparian, que se autoexilou. “Meu pai perdeu o timing. Onipotência e teimosia, que minha mãe nunca perdoou.”

As emoções do autor mexem com as nossas. Nos mostra como um governo ditatorial age, destruindo seus adversários, vistos como inimigos internos. Para mim, no entanto, o que mais me tocou foi o relato do sofrimento de Eunice com o Alzheimer. O título do livro é a frase que ela sempre dizia, nos instantes em que a memória voltava. No momento de sua interdição, definida pelos filhos em conjunto com a mãe, antes que a doença se agravasse, o tabelião lhe perguntou se sabia o que estava fazendo. Ela respondeu que sim. Era a morte civil de uma advogada competente e reconhecida nacionalmente.  

Apesar de esquecer rapidamente se havia comido ou não, Eunice sempre reconheceu o neto, de um ano e pouco, filho de Marcelo. A cena que mais me marcou foi a de Eunice, já no último estágio da doença, assistindo ao noticiário, com o neto ao lado. Ela chama a atenção do filho:

“- Olha, olha, olha!

“Na TV, um noticiário sobre Rubens Paiva. Neste 2014, apareciam todos os dias notícias sobre o  caso Rubens Paiva. Todos os dias, novidades. Ela sentadinha inerte na cadeira de rodas. Aparecem fotos dele de arquivo na tela. Era a foto do seu ex-marido, era o nome dele, falavam dele, desvendavam segredos sobre a morte dele:

“- Olha, olha, olha!

“Ela olhava. Com lágrimas. Ouviu a notícia. Começou a dizer baixinho:

“- Tadinho, tadinho, tadinho…”


Nubia Silveira é jornalista.

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