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Artistas do Norte do país exibem intervenções no Instituto Ling

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Artistas do Norte do país exibem intervenções no Instituto Ling Bárbara Savannah. Foto: Ricardo Romanoff

A terceira edição do projeto Ling Apresenta, que exibe intervenções de artistas das cinco regiões brasileiras no Instituto Ling, tem como foco o Norte do país ao longo de 2024. Desde segunda-feira (15/4), a paraense Bárbara Savannah concebe uma pintura temporária no centro cultural – no sábado (13/4), às 11h, no auditório do Ling, ela conversa sobre sua produção com a curadora Vânia Leal, responsável pela etapa atual da iniciativa.

Savannah começou a pintar em 2018. Passava uma temporada em São Paulo em busca de novos horizontes, após interromper a graduação em Comunicação Social que cursava em Belém. Na capital paulistana, hospedou-se na casa de uma família que gostou de desenhos que ela tinha feito com caneta marca-texto. Foi convidada a pintar um muro da residência e topou, sem saber exatamente qual seria o resultado. Vieram à tona memórias de paisagens da Ilha de Marajó, no Pará, onde nasceu, e desde então ela explora esse imaginário em sua produção artística.

Após algumas tentativas de se estabelecer em São Paulo, a artista não se viu realizada. Entrou em depressão e acabou retornando a Marajó em 2020, nas primeiras semanas da pandemia de covid-19. De volta à casa dos pais, aproveitou o período de isolamento para uma imersão no cotidiano ribeirinho que havia inspirado suas primeiras experiências com a pintura.

“Parece que deu um estalo, fui fazendo conexões. Como tudo aquilo passou despercebido, mas estava tão forte no meu inconsciente?”, recordou Savannah na quarta-feira (10/4), em conversa com a reportagem junto à sua obra, praticamente concluída, no Instituto Ling. “Parei de fugir e me reconheci. Quando a gente faz as pazes com o lugar de onde vem, a gente consegue ir adiante. Aceitei e as coisas começaram a fluir”, completa a artista, que tem 28 anos.

A artista Bárbara Savannah. Foto: Bárbara Savannah

Para a obra no Instituto Ling, ela optou por utilizar somente o pigmento Xadrez, empregado tradicionalmente para a pintura de detalhes de residências e embarcações das comunidades ribeirinhas paraenses. “Reconheço sua importância como componente nascido da necessidade, incorporado à cultura e usado como ferramenta para a expressão artística. Sua identidade territorial é profundamente enraizada na cultura amazônica, e essa afirmação fortalece minha própria identidade como criadora”, explica Savannah.

“Ao destacar a mistura das cores desses pigmentos, que agora se tornam esta representação do cotidiano amazônico em outra geografia e espaço, o mural serve como um meio de diálogo cultural, promovendo a compreensão e a valorização da estética nortista para além da estigmatização de um povo que ‘apenas’ perece às margens de um rio”, completa a artista, que em seu ateliê, além de realizar pinturas com diferentes tipos de pigmento e suporte, intervém em materiais que encontra no seu dia a dia, como pedaços de madeira.

Na pintura exposta no Ling, chamam atenção as margens diagonais – delimitadas por fita crepe ao longo do processo de criação –, que remetem ao formato das janelas de um barco, favorecendo a sensação de imersão que a artista buscou para a obra. A margem do rio como linha do horizonte e fragmentos de palafitas abandonadas são recorrentes nas pinturas de Savannah, que procura mesclar elementos figurativos com componentes abstratos.

“Meu trabalho se constrói a partir da memória. Tem muito de abstração, com um pouco de devaneio e da impermanência da vida. Aqui [na obra produzida em Porto Alegre] tem o maneirismo de elementos inacabados, mas com um pouco do requinte dos abridores de letras”, descreve a artista, fazendo menção à tradição ribeirinha de pintores de barco.

No tremor das vidas amazônidas

Curadora da terceira etapa do Ling Apresenta – intitulada Amazônias, no Tremor das Vidas –, Vânia Leal selecionou para o projeto, além de Bárbara Savannah, os artistas Bonikta (PA), Éder Oliveira (PA) e Sãnipã (AM). “Estamos levando o universo amazônico de uma forma muito visceral, que não tem nada a ver com exotismo. Longe de ser um paraíso exótico, a Amazônia é um lugar de conflitos. Os artistas abordam temas como a violência, mas também falam de paisagens, identidades e imaginários que nos constituem enquanto seres amazônidas”, afirma a curadora.

“É uma produção que se afasta de códigos hegemônicos do Centro-Sul do país, mas não são trabalhos ‘regionais’. São produções que estabelecem uma conexão muito forte com quem interage com elas”, completa Leal, que nasceu no Macapá, vive atualmente em Belém e foi uma das curadoras da 1ª Bienal das Amazônias, realizada na capital paraense de agosto a novembro de 2023, reunindo mais de 120 artistas da Amazônia internacional.

A curadora Vânia Leal. Foto: Walda Marques

Coordenadora da programação cultural do Instituto Ling, Laura Cogo antecipa que o Ling Apresenta firmou uma parceria com a 14ª Bienal do Mercosul, que será realizada de 12 de setembro a 17 de novembro deste ano: “Foi uma proposta do Raphael Fonseca [curador-chefe da próxima Bienal do Mercosul] à Vânia Leal, depois de ele visitar o centro cultural e conhecer o projeto. Eles escolherem um artista do Norte [a ser divulgado oficialmente] que irá expor no mesmo período da Bienal, tendo a Vânia como curadora convidada dessa parceria”.

“O Ling Apresenta surgiu do desejo de ampliar o espaço para receber artistas brasileiros em início de carreira, desconhecidos ainda pelo grande público, mas com potencial para desenvolver uma produção contundente e que represente de alguma forma a cultura da sua região”, completa Cogo.

Em 2022, com foco na região Sul, o projeto teve curadoria da coeditora da Parêntese e curadora Luísa Kiefer e contou com a participação dos artistas Bruno TamborenoFernanda GassenGustavo Assarian e Talita Hoffmann. No ano seguinte, contemplando o Nordeste, o Ling Apresenta teve curadoria de Bitu Cassundé e recebeu os artistas Acidum Project – Robézio Marques e Terezadequinta (CE), Charles Lessa (CE), Gê Viana (MA) e Marcos da Matta (BA).

Ling Apresenta: Bárbara Savannah – curadoria de Vânia Leal
Onde: Instituto Ling (rua João Caetano, 440 – Três Figueiras – Porto Alegre)
Visitação: até 8 de junho, de segunda a sábado (exceto feriados), das 10h30 às 20h
Entrada gratuita

Conversa com Bárbara Savannah e Vânia Leal
13 de abril (sábado), às 11h, no Instituto Ling
Entrada gratuita mediante inscrição prévia no site do Ling

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sábado, 13 a 08 de junho de 2024

Instituto Ling (rua João Caetano, 440)

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