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Fundação Iberê e MARGS exibem a poética plural de Carlos Vergara

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Fundação Iberê e MARGS exibem a poética plural de Carlos Vergara Carlos Vergara. Foto: Walter Carvalho

A exposição Poética da Exuberância celebra a trajetória artística de Carlos Vergara a partir deste sábado (24/2), às 11h, no MARGS, e às 14h, na Fundação Iberê, numa parceria inédita entre as duas instituições. Com curadoria do carioca Luiz Camillo Osorio, a mostra apresenta um panorama da atuação plural do artista, reunindo mais de 90 obras em diferentes linguagens, como desenho, pintura, gravura, fotografia, vídeo e monotipia.

Nascido em 1941 em Santa Maria (RS), Vergara mudou-se com a família para São Paulo aos 2 anos de idade e se estabeleceu no Rio de Janeiro em 1954. Nos anos 1960, dando os primeiros passos de sua carreira na capital fluminense, foi apresentado a Iberê Camargo (1914–1994), que à época vivia no Rio e tinha um ateliê na Lapa.

“O Iberê viu meus desenhos e me recebeu muito bem. Eu tinha que fazer um esforço danado pra não ficar subjugado à obra dele, que é muito forte. Às vezes, vejo coisas nos meus desenhos que tem algo do Iberê, uma densidade que era muito do trabalho dele”, recordou o artista durante a montagem da exposição no segundo andar da Fundação Iberê – que exibe mais de 60 trabalhos de Vergara, incluindo desenhos, aquarelas e pinturas em papel produzidos na época em que ele foi assistente de Camargo e expostos pela primeira vez.

O curador da mostra destaca as trocas estabelecidas entre Iberê e Vergara. “Tem um diálogo entre discípulo e mestre, e autonomia do discípulo em relação ao mestre. Vemos gesto livre e uma pegada gráfica muito expressiva, que vai ganhando autonomia em relação à figuração, chegando à beira da abstração”, ressalta Osorio.

Obra de Carlos Vergara. Foto: Vicente de Mello

Na visão do curador, a produção desse período também carrega o contexto político dos primeiros anos de ditadura civil-militar: “Reflete muito a angústia do enfrentamento inicial da ditadura. A dimensão expressiva fala muito dessa luta. Ao mesmo tempo, tem o núcleo interior muito forte de um espaço que está se fechando, do enclausuramento da pessoa, da individuação, da liberdade”.

Obra de Carlos Vergara. Foto: Vicente de Mello

Nos anos 1970, Vergara sai às ruas com sua câmera fotográfica e encontra resistência política e potência de vida na folia, produzindo alguns de seus trabalhos mais conhecidos, como as séries Carnaval e Cacique de Ramos – parte delas exibida na Fundação Iberê. O vínculo com a vibrante cena carnavalesca carioca, a propósito, perdura até hoje: no final do ano passado, Vergara comemorou seus 82 anos na sede do bloco Cacique de Ramos, um dos mais tradicionais do Rio de Janeiro.

“O carnaval é um ritual, me aproximei por várias razões. Tinha amigos na Portela, e o que mais me tocou foram os blocos de rua, não as grandes escolas. Fiz um trabalho pra salientar o discurso político do Cacique de Ramos: ‘Eu sou um entre sete mil’”, conta Vergara, que acompanhou o bloco de perto entre 1970 e 1976, apreciando a horizontalidade e organicidade de um coletivo formado por sete mil caciques-foliões – sobretudo negros e oriundos de periferias cariocas – e as brechas político-festivas da festa popular em tempos de repressão e autoritarismo.

Foto: Carlos Vergara

Junto à imersão carnavalesca de Vergara, a exposição apresenta obras produzidas a partir de uma viagem à Turquia, realizada em 2006 por Vergara e Osorio, que incluem monotipias em lenços, um vídeo e impressões tridimensionais. “O 3D tem essa capacidade de devolver relevo e produzir um pequeno susto”, explica Vergara com uma das expressões que costuma usar para descrever seus trabalhos.

Na Fundação Iberê, a exposição também apresenta outras monotipias e obras da série Natureza Inventada (2022). “Ele [Vergara] propõe uma interferência cuidadosa, que se apropria de elementos naturais, retrabalha esses elementos e os vivifica com a pintura, em diálogo com elementos orgânicos. Não é só o objet trouvé [objeto encontrado, no jargão artístico], ele se apropria desse elemento, o incorpora na tela e o retrabalha no ateliê”, observa Osorio.

Entre outros trabalhos, a Fundação Iberê exibe obras da série São Miguel (2008), produzida a partir de uma pesquisa nas ruínas da redução guarani-jesuítica de São Miguel das Missões (RS) – um dos focos da mostra no MARGS, que em 2009 exibiu Sagrado Coração, Missão de São Miguel, primeira exposição individual de Vergara no museu.

“Embora eu não seja uma pessoa religiosa, me interessa a questão religiosa, e as Missões são uma aventura entre guaranis e jesuítas. Fui lá atrás disso. É uma surpresa gigantesca porque aquela aventura produziu uma arquitetura soberba e uma história muito forte”, afirma Vergara, que é filho de um reverendo episcopal anglicano.

“A monotipia é interessante porque é reveladora”

Obra de Carlos Vergara da série “Missão de São Miguel”. Foto: Divulgação/MARGS

Inserida na programação alusiva aos 70 anos do MARGS, a mostra também traz obras da série Boca de Forno (1989). “Fui a uma fábrica de pigmentos em Rio Acima, no interior de Minas Gerais. Com a tela untada com adesivo, busquei a imagem do pigmento que voava e pousava nos relevos. A monotipia é interessante porque é reveladora”, define Vergara, explicando seu processo de impregnar telas e lenços em superfícies variadas para mais tarde retrabalhar as impressões no ateliê.

Obra de Carlos Vergara. Foto: Divulgação/MARGS

Com mais de 180 exposições individuais no currículo, o artista pede, bem-humorado, para não ser chamado de senhor pelo repórter: “Não fica me botando espelho, não”. Durante a conversa, Vergara lembra de atuações tão plurais quanto a sua obra, como nos tempos de técnico químico concursado pela Petrobras – que lhe renderam conhecimentos sobre materiais da indústria – e jogador profissional de vôlei, quando ainda era assistente de Iberê Camargo.

“Ele [Iberê] ficava com ódio, porque chegava seis e meia da tarde, e eu dizia que tinha que ir embora por causa do treino. Ele ficava louco: ‘Não pode! Ou tu és artista, ou esportista!’. Eu acho que daí nasceu uma amizade muito grande”, recorda. “Eu era atleta, hoje não sou mais, tô pagando a conta”, completa Vergara, apontando para sua bengala.

O artista fala com carinho de sua casa-ateliê no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro. “É uma casa grande, com uma vista ótima. Tenho condições muito boas de trabalhar e guardar trabalhos. Quando estou no ateliê, as pessoas me perguntam: ‘Você mora aqui?’. Eu digo: ‘Moro aqui, mas durmo em Copacabana’”.

Rodeado pelas obras de Poética da Exuberância, narrando um percurso de arte e vida que vai de Santa Maria ao carnaval do Rio de Janeiro, da Turquia a São Miguel das Missões, Vergara faz questão de afirmar sua inquietação poética: “Não olho pra trás, tô olhando pra frente”.

“Carlos Vergara: Poética da Exuberância”
Inauguração:
 24 de fevereiro de 2024
Abertura no MARGS: às 11h, seguida de visita guiada pelo curador e artista 
Abertura na Fundação Iberê: às 14h, seguida de conversa com artista e curador, às 16h, no auditório 
Visitação: até 5 de maio de 2024  
Visitação na Fundação Iberê: quarta-feira a domingo, das 14h às 18h30 (último acesso às 18h30). Gratuita no mês de fevereiro. A partir de março, às quintas, a entrada é gratuita; de sexta a domingo, ingressos entre R$10 e R$30
Visitação no MARGS: terça-feira a domingo, das 10h às 19h (último acesso às 18h), sempre com entrada gratuita
Endereços: avenida Padre Cacique, 2.000 (Fundação Iberê) e Praça da Alfândega, s/nº (MARGS)

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