Artes Visuais | Reportagens

Guilherme Dable investiga limites do desenho e da pintura no MARGS

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Guilherme Dable investiga limites do desenho e da pintura no MARGS Foto: Ricardo Romanoff

O artista Guilherme Dable inaugurou no último sábado (30/4) a exposição Não um Tempo, Mas um Lugar. A mostra reúne mais de 30 trabalhos no segundo andar do MARGS, com protagonismo do desenho e da pintura em diálogo com o vídeo e a instalação.

Logo na entrada da galeria Iberê Camargo, onde se concentra a maior parte das obras, tempos e lugares se sobrepõem na instalação o samba ainda não chegou (2016-2022) – título que remete à letra de Desde que o Samba é Samba, de Caetano Veloso. No trabalho, folhas de papel formam uma vegetação melancólica entre azulejos com estampas modernistas.

“o samba ainda não chegou”, de Guilherme Dable. Foto: Ricardo Romanoff

Apresentado pela primeira vez em uma exposição individual do artista na galeria Belmacz, em Londres, o trabalho nasceu de reflexões de Dable sobre as expectativas de estrangeiros em relação aos brasileiros. “Pensei muito sobre não ser o brasileiro que esperam, de um lugar que não é muito o que as pessoas esperam do Brasil”, conta o artista. O contexto atual, na visão do artista, permite a leitura de “um país em ruínas, que murchou”.

O caráter de suspensão do samba que ainda não chegou ecoa apontamentos do diretor-curador do MARGS, Francisco Dalcol, e da curadora-assistente do museu, Fernanda Medeiros, sobre os procedimentos do artista: “O que se dá a ver como obra não é exatamente a conclusão definitiva e acabada de um processo, e sim a possibilidade de uma interrupção decisiva. Há resolução, contudo como ato de agir sobre a incerteza e a imprevisibilidade que pautam o transcorrer do trabalho”.

Na visita à exposição, diante de o samba ainda não chegou, Dable destaca que a instalação é também “um grande desenho que se projeta no espaço, diretamente na cor e no corte do papel como linha”, trazendo à tona um aspecto fundante de sua produção e um dos fios condutores da mostra.

“Entendo o desenho como ferramenta perceptiva para poder olhar melhor o mundo. O desenho pede um vocabulário gráfico, do gesto, da mão, do fazer, mas também desmontar o mundo com o olhar”, define Dable. “Recebemos uma quantidade tão grande de imagens que é preciso tempo para decifrá-las – e para criar imagens que peçam esse tempo. Desenhar é uma maneira de desacelerar esse processo perceptivo”, completa o artista.

A desaceleração perceptiva e as relações entre tempo e espaço mencionadas no título da exposição ganham evidência em três trabalhos. Na escadaria que leva ao segundo andar do MARGS, o vídeo o domador (2015) flagra o desenho que um pedaço de papel materializa casualmente no espaço de um ateliê frequentado por Dable no Vermont Studio Center, nos Estados Unidos.

Na galeria Iberê Camargo, shelterruin/ruínaabrigo (2014) apresenta o resultado de um processo de dois meses na Belmacz, em Londres. O trabalho, que funcionou como um capacho na entrada do espaço expositivo da capital inglesa, sobrepôs uma chapa de acrílico com padrões de cobogó a desenhos em lápis aquarelável de padrões decorativos do inglês William Morris.

“shelterruin/ruínaabrigo”, de Guilherme Dable. Foto: Ricardo Romanoff

“O disparador do trabalho vem de um estranhamento banal: aprendi da pior maneira possível que não se viaja com tênis de lona para um lugar onde chove todos os dias. Quando fui convidado para a mostra coletiva, voltou aquela sensação dos tênis molhados”, relembra o artista, que incorporou a umidade das roupas e calçados dos visitantes da exposição de 2014 ao trabalho, borrando os limites de padrões florais e geométricos.

“Me interesso por situações, sistemas, traquitanas que possam gerar algum desenho. Por exemplo: que tipo de desenho está acontecendo enquanto estamos conversando? As coisas geram marcas no mundo. Como posso deslocá-las e torná-las mais visíveis?”, comenta o artista.

Um terceiro trabalho em que tempos e lugares se confundem e dilatam é tacet (2008-2012), exibido na sala Oscar Boeira. A obra registra movimentos de performances musicais realizadas com instrumentos preparados com papel e carbono. Na exposição, os desenhos são acompanhados pelos sons de uma das performances.

Detalhe de “tacet”, de Guilherme Dable. Foto: Ricardo Romanoff

À colagem de camadas temporais e espaciais das obras de Dable somam-se apropriações literárias que dão nome aos trabalhos. É o caso de Trate-me por Ishmael (2015) – referência a Moby Dick, de Herman Melville – cujas pinturas retangulares de céu e mar fazem emergir uma linha do horizonte que se dobra nas paredes do museu. O encontro das pinturas desse trabalho e dos desenhos e sons de tacet transformam a sala Oscar Boeira em uma grande instalação, unindo desenho, música, literatura e paisagem.

Não um Tempo, Mas um Lugar reúne também obras mais recentes de Dable, como a luz se fez o fósforo se foi, de modo evasivo mudar o assunto do sonho e mas uma parte sua era luz – as três de 2022.

“a luz se fez o fósforo se foi”, de Guilherme Dable. Foto: Raul Krebs

“de modo evasivo mudar o assunto do sonho”, de Guilherme Dable. Foto: Raul Krebs

“mas uma parte sua era luz”, de Guilherme Dable. Foto: Raul Krebs

“Desde 2014, ano da até então última individual de Guilherme Dable em Porto Alegre, a pesquisa e experimentação têm levado sua pintura a outros lugares. Os campos de cor, antes mais mínimos e discretos enquanto detalhe, ganharam maior presença e ampliaram a luminosidade das telas, impondo-se junto às manchas e aos escorridos. Ao mesmo tempo, a operação com planos, estruturas e padrões geométricos intensificou o tensionamento figurativo/abstrato, agora em vibrações flutuantes”, apontam os curadores da mostra.

Guilherme Dable. Foto: Raul Krebs

Aos 45 anos, Dable é doutorando em Poéticas Visuais no Instituto de Artes da UFRGS – onde cursou graduação e mestrado em Artes Visuais. Não um Tempo, Mas um Lugar é a exposição individual mais extensa e abrangente de sua trajetória, que inclui diversas exposições coletivas e individuais no Brasil e no exterior – e é marcada também pela atuação como músico na banda Tom Bloch.

De 2006 a 2015, Dable foi um dos cogestores e fundadores do Atelier Subterrânea – uma das principais iniciativas independentes das artes visuais de Porto Alegre nas últimas décadas. As obras do artista integram coleções privadas e de instituições como Casa do Olhar Luiz Sacilotto (Santo André, SP), Fundação Vera Chaves Barcellos, Instituto Ling, MACRS, MAM (Rio de Janeiro) e MARGS, além da Coleção Gilberto Chateaubriand.

A exposição em cartaz no MARGS integra o programa expositivo Poéticas do Agora, que já apresentou as mostras Bruno Borne — Ponto Vernal (2019/2020), Bruno Gularte Barreto – 5 CASAS (2021), Estêvão da Fontoura: DESOBECIÊNCIA – Arte e Ciência no Tempo Presente (2021) e Denilson Baniwa — INÍPO: Caminho de Transformação (2021/2022).

Guilherme Dable — Não um Tempo, Mas um Lugar

Em exibição até 14 de agosto de 2022

Onde: MARGS — Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Praça da Alfândega s/nº, Porto Alegre, RS)

Visitação: terça-feira a domingo, das 10h às 19h (último acesso às 18h30), sempre com entrada gratuita, sem necessidade de agendamento. O MARGS também oferece ao público visitas mediadas para grupos de até seis pessoas, de quinta-feira a sábado, em duas faixas de horários (10h30 às 12h e 14h às 15h), mediante agendamento prévio no Sympla.

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