Artes Visuais | Reportagens

MARGS exibe retrospectiva do múltiplo Wilson Cavalcanti

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MARGS exibe retrospectiva do múltiplo Wilson Cavalcanti Foto: Anderson Astor

Primeira exposição de proposta mais abrangente sobre a trajetória de Wilson Cavalcanti, Os Jardins que Me Habitam exibe mais de cem obras produzidas pelo artista pelotense em seu percurso por diferentes linguagens – incluindo desenhos, gravuras, pinturas, objetos e trabalhos que mesclam suportes variados. Inaugurada em novembro, a mostra segue em cartaz no MARGS até 18 de fevereiro.

“A exposição não é linear. Como minha vida, é cheia de altos e baixos. Tange o abstrato, a gravura, o popular, o expressionismo… Às vezes, tem bastante cor, mas termino riscando, ferindo o próprio suporte, acrescentando outra tinta ou grafite pra reforçar a relação entre desenho e pintura”, conta Cava, como artista é mais conhecido, celebrando sua primeira mostra individual no MARGS –instituição que possui mais de 30 obras do artista em seu acervo.

O caráter múltiplo e híbrido da produção do artista ao longo de mais de 50 anos ganha evidência na proposta do curador convidado e professor da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) Felipe Caldas e do diretor-curador do MARGS, Francisco Dalcol. Eles reuniram, para além de obras mais conhecidas – de viés figurativo e expressionista, em gravura e pintura –, trabalhos classificados como desenhos-pinturas e pinturas-objetos.

“A pureza de um meio é uma exceção na produção de Cava, pois, ao observarmos a sua trajetória, o que se impõem são a contaminação, a sobreposição e o estilhaçamento das linguagens ditas ‘tradicionais’”, sublinham os curadores.

“Este aspecto experimental/conceitual na obra de Cava costuma ser suprimido em face a um olhar ligeiro, superficial e parcial da sua produção, geralmente voltado ao artista gravador. Isso ocorre também devido a um lugar marginal no sistema que a obra e figura do artista ocuparam por décadas”, completam Caldas e Dalcol no texto que apresenta a exposição.

Foto: Anderson Astor

A mostra destaca procedimentos experimentais do artista, como pode ser visto nas obras que reaproveitam materiais não convencionais. “Às vezes, uso óxido de ferro, ferrugem e terra, que eu decanto e preparo como pigmento. O próprio suporte fica praticamente abstrato. Porém, não sou um pintor abstrato, gosto da forma. Acabo neutralizando esse suporte com diversos materiais, criando uma unidade para pintar em cima”, descreve o artista, que aos 73 anos vive em Viamão e gosta de se definir como “biscateiro da estética”.

O termo jocoso, aludindo a trabalhos manuais, leva a conversa a uma viagem no tempo conduzida pelo artista. Cava conta que, aos 17 anos, trabalhava como ajudante de um eletricista. Percorria a cidade carregando uma bolsa de ferramentas e um bloquinho para desenhar no tempo livre. Durante um conserto no final dos anos 1960, um cliente deparou com os desenhos e lhe sugeriu procurar o Atelier Livre da Prefeitura de Porto Alegre, então localizado no segundo andar do Mercado Público.

Timidamente, Cava passou a observar, pela janela do atelier, o trabalho de artistas como Anestor Tavares (1919 – 2000), Danúbio Gonçalves (1925 – 2019) e Paulo Peres (1935 – 2013). Um dia, foi convidado pelos mestres a entrar no espaço, dando início a uma relação de mais de 50 anos, entre idas e vindas, com o Atelier Livre. Após décadas como artista e técnico de impressão, em 1996 Cava tornou-se professor do atelier, onde atuou até sua aposentadoria, em 2020.

Centrais para o desenvolvimento da poética de Cava, as experiências no Atelier Livre consolidam um olhar criativo que já se manifestava na infância e adolescência do artista. Lidando problemas motores, oriundo de uma família operária de semianalfabetos, Cava aprendeu a ler e escrever somente aos 10 anos. Antes disso, inquietava-se ao ver as irmãs mais novas já leitoras e frequentando a escola.

“Eu pegava umas revistinhas lá de casa e fingia que lia pra elas. Me passou pela cabeça que eu queria ser ‘desenhante’ – não sabia que existia artista plástico – ou contador de histórias. Até minha entrada no Atelier Livre, meus desenhos tinham muita coisa escrita”, recorda Cava.

A relação entre texto e imagem se dá em trabalhos como o álbum Dona Gaudina e Seus Bichos, que combina xilogravuras, poemas e minicontos inspirados na dona de um quarto locado por Cava na comunidade de Santa Isabel, em Viamão – no dia 1º de março, esse trabalho será apresentado no Paço Municipal, em Porto Alegre.

Foto: Anderson Astor

Na conversa por telefone sobre sua trajetória e momento atual, Cava conta que produz compulsivamente. “Agora mesmo, enquanto te esperava ligar, fiz quatro estudos pra desenho. Acho que vai sair algum trabalho sobre esse cataclismo que estamos vivendo”, antecipa o artista, fazendo menção aos temporais que atingiram o estado em janeiro.

Em paralelo à produção constante e às exposições no MARGS e no Paço Municipal, a obra do artista também é celebrada no curta-metragem documental Cava, dirigido por Hopi Chapman e Karine Emerich. Lançado em setembro de 2023 e viabilizado com recursos do Pró-Cultura RS, o filme integra o projeto “A obra e a contribuição de Wilson Cavalcanti para a arte do Rio Grande do Sul”, produzido pela jornalista Katiana Ribeiro com apoio institucional da Fundação Vera Chaves Barcellos e do Instituto Estadual de Cinema.

No dia 22 de fevereiro, às 17h, o curta será exibido no Cine UFPEL, da Universidade Federal de Pelotas.

“Wilson Cavalcanti – Os Jardins que Me Habitam”
Quando:
até 18 de fevereiro de 2024
Onde:
MARGS (Praça da Alfândega, s/n° – Centro Histórico – Porto Alegre)
Visitação:
terça-feira a domingo, das 10h às 19h (último acesso 18h)
Entrada gratuita

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