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Paulo Pasta constrói vazios e distâncias na Fundação Iberê

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Paulo Pasta constrói vazios e distâncias na Fundação Iberê Foto: Filipe Berndt

Um dos mais renomados pintores do país, Paulo Pasta exibe 40 obras na exposição Para que Serve uma Pintura, inaugurada sábado (2/3), na Fundação Iberê. A instituição também convidou o artista paulista para uma curadoria de obras de Iberê Camargo, reunidas na mostra Eclipses.

“Iberê constrói uma pintura em que o peso da figura cai, tomba de tão pesado. Eu faço o contrário: apreendo um lugar de onde já estou me retirando, opero mais pela ausência que pela presença. Sou um construtor de vazios e distâncias”, comentou Pasta, acompanhando a visita da reportagem às duas exposições.

Nascido em 1959, na cidade de Ariranha (SP), o artista conheceu Iberê Camargo pessoalmente no começo dos anos 1990, em um workshop realizado em São Paulo, e manteve contato com o gaúcho nos anos seguinte. “Ele representou para mim a existência da pintura e do pintor. Confirmou minha vocação, me autorizou moralmente a pintar numa época em que não se pintava”, conta Pasta, referindo-se ao final dos anos 1970, período de hegemonia da arte conceitual, quando iniciou sua formação em artes na Universidade de São Paulo.

O artista Paulo Pasta. Foto: Ana Pigosso

No andar dedicado a Pasta, o museu reúne obras de diferentes formatos, incluindo trabalhos recentes, como as “pinturas de bolso”, apresentadas em telas pequenas, e uma série que utiliza papéis como suporte. “O papel absorve a tinta de um jeito diferente, tem mais a marca da mão e menos controle – eu controlo tudo”, acrescenta o artista, bem-humorado, referindo-se à sua produção mais habitual, que se destaca pela organização meticulosa das formas e pela reflexão em torno das cores, elemento protagonista de suas telas.

“Gosto da metáfora da fruta que no dia seguinte vai apodrecer. Ela está no seu máximo de cor, no limiar da morte, do desaparecimento. Por isso, é tempo e duração. Da mesma forma, minha cor tem um sentido mais temporal do que espacial”, comenta o artista, fazendo menção a um texto de 1959 em que Hélio Oiticica define a “cor tempo”: “Ela é radical no mais amplo sentido. Despe-se totalmente das suas relações anteriores, mas não no sentido de uma volta à cor-luz prismática, que seria uma abstração da cor, e sim uma reunião purificada de suas qualidades na cor-luz ativa, temporal”, segue o ensaio de Oiticica, dialogando com a ideia de pintura do instante que Pasta desenvolve em seus trabalhos.

Matisse, um grande professor, dizia aos alunos que era preciso começar ‘cortando a língua’, ou seja, afastar a pintura da literatura, da retórica, da ilustração. Gosto muito desse aspecto da pintura como apreensão e construção do instante, da cor e de suas formas mais simples”, afirma Pasta, alinhando-se também à ideia de sentir através da cor, do pintor francês. “Eu diria igual, a cor é o meu canal de sentimento.”

“Anunciação amarela” (2015), de Paulo Pasta. Foto: Everto Ballardin

Nas pinturas da série Anunciação, Pasta alude ao tema bíblico com um olhar para a composição. “Adoro as anunciações, principalmente do Pré-Renascimento e Renascimento e de Duccio. Me baseei muito naqueles esquemas compositivos, que já são modernos, planos. O que me chama mais atenção é a coluna no meio, que separa o plano terreno e o divino. Ao mesmo tempo que separa, une. É um construto muito significativo. Quis associar essas dimensões do humano e da transcendência”, ressalta Pasta.

Para obter o aspecto das cores de Anunciação e outras tantas pinturas, Pasta mistura cera de abelha na tinta a óleo. “Não gosto de brilhos e reflexos. Gosto de opacidade. A cera dá homogeneidade à superfície e ajuda na secagem.” O artista também mescla diferentes tonalidades para obter suas cores lentas, como gosta de adjetivá-las. “Como diz o [crítico] Rodrigo Naves, minha cor é manhosa”, brinca o pintor.

Foto: Filipe Berndt

O elogio de Pasta à lentidão também orienta sua rotina diária, que inclui finais de semana, no ateliê. “Tem dias que nem pinto, fico olhando. Às vezes, você trabalha sem ver e estraga tudo. A pintura pode se resolver no olho, pegando-a de surpresa, de soslaio.” Ao longo desse processo, o artista desenvolve variações de formas e tonalidades – com frequência, da mesma cor. “A pintura nasce da pintura, vai me mostrando desdobramentos. Meu trabalho não opera por grandes transformações, mas por deslocamentos. Gosto da ausência, do silêncio, da lentidão. Sou desse mundo.”

Para que Serve uma Pintura”, de Paulo Pasta
Onde:
Fundação Iberê (avenida Padre Cacique, 2.000 – Cristal – Porto Alegre)
Visitação: até 19 de maio de 2024 – quarta a domingo, das 14h às 18h30 (último acesso às 18h30). Às quintas, a entrada é gratuita. De sexta a domingo, os ingressos custam entre R$10 e R$30. Visitas mediadas devem ser agendadas pelo e-mail [email protected] ou pelo telefone (51) 3247 8013

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sábado, 02 a 19 de maio de 2024

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