Artes Visuais | Reportagens

“Presença Negra no MARGS” percorre encruzilhadas desde o Sul

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“Presença Negra no MARGS” percorre encruzilhadas desde o Sul Foto: Anderson Astor

Em exibição até 21 de agosto, a mostra Presença Negra no MARGS ocupa todo o primeiro andar do Museu de Arte do Rio Grande do Sul com mais de 250 obras de 70 artistas reunidas pelos curadores Igor Simões e Izis Abreu e pela assistente de curadoria Caroline Ferreira. Com trabalhos de 20 acervos de instituições e coleções particulares, a exposição propõe reflexões sobre a representatividade de pessoas negras nas artes visuais e nos acervos locais – confira a programação de encerramento da mostra ao final da matéria.

“Escrever sobre negros desde o Sul do Brasil é, antes de tudo, partir de uma afirmação: estamos e sempre estivemos aqui. Há de se lembrar da imensa porção de homens e mulheres negras escrevendo seus territórios naquela parte do país que sempre se sonhou europeia”, afirmam Abreu e Simões no texto curatorial da mostra.

“Sala de Aula – Atelier Livre” (2004), de Carlos Alberto de Oliveira, e “Quadro Negro” (2014), de Estêvão Fontoura. Foto: Ricardo Romanoff

No último sábado (6/8), uma aula inaugural da graduação em História da Arte da UFRGS reuniu os curadores da exposição, professores e estudantes do curso numa conversa seguida de visita guiada. Diante da pintura Bará, de Zé Darci, que abre os caminhos da mostra, Abreu explica que a curadoria partiu de leituras do pedagogo Luiz Rufino para elaborar a noção de “poéticas das encruzilhadas”, conceito que norteia a costura das narrativas de Presença Negra no MARGS. “Ruffino vai olhar para o conhecimento dos terreiros para desenvolver um pensamento ético, poético e político a partir dessa sabedora”, comenta a curadora.

Ao longo da visita, os curadores contam que navegaram no sentido oposto de exposições que essencializam a produção de artistas negros ao explorar, por exemplo, o imaginário de uma África mítica. Da mesma forma, evitou-se a busca por uma abordagem universalista. “Há uma expectativa de que uma exposição de artistas negros tenha que abordar todas as questões associadas à existência negra e da presença de artistas negros. Muitas vezes, isso incorre em espaços expositivos superlotados”, reflete Simões.

Instalação de Rommulo Conceição. Foto: Ricardo Romanoff

No lugar de leituras essencialistas e pretensamente universais, a exposição apresenta a pluralidade da produção de artistas negros e negras, com suas diferentes abordagens e poéticas, das instalações de Rommulo Conceição aos percursos urbanos de Leandro Machado, passando pelo diálogo de formas e linguagens entre as litografias de Paulo Chimendes, uma videoperformance de Gabi Faryas e os videolivros de Estêvão Fontoura.

Foto: Anderson Astor

A galeria central do MARGS apresenta a encruzilhada de violências sofridas e contribuições culturais resultantes da diáspora africana, com destaque para a referência aos navios tumbeiros em obra sem título de Leandro Machado e Não Respeitamos Símbolos Racistas, de Jaime Lauriano. Na mesma sala, uma Deusa Nimba, sem autoria conhecida, chama atenção.

“Deusa Nimba”, autoria desconhecida. Foto: Ricardo Romanoff

A escultura em madeira, encontrada por pescadores no rio Ijuí, em Santo Ângelo, nos anos 1980, foi mais tarde investigada pelo Núcleo de Estudos em Cultura Afro-Brasileira e Indígena da PUCRS. A peça tem ligação com a tradição religiosa das etnias Baga e Nalu, presentes nas repúblicas da Guiné e da Guiné-Bissau desde o século 15 e que chegaram ao RS no século 17. No contexto da exposição, contam os curadores, a escultura ocupa o lugar simbólico de primeira obra de autoria negra do RS.

“Conserto” (2021) e “Coelho ou Olhe para Mim de Novo” (2021), de Valéria Barcellos. Foto: Ricardo Romanoff

A exposição apresenta ainda reflexões sobre questões de gênero nas obras de Valéria Barcellos, Gisa Oliveira e Jota Ramos, o afrofuturismo (ou presentismo) nos trabalhos de Thiago Madruga e Josemar Afrovulto, a arte urbana nos grafites de Gui Menezes, Triafu e Allan Vieira e o corpo nas pinturas e desenhos de Maria Lídia Magliani.

Frame de “Mundo Negro” (2022), de Thiago Madruga

Grafite de Gui Menezes. Foto: Ricardo Romanoff

A escultura Mãe Preta Amamentando Menino Branco dá visibilidade à produção da artista pelotense Judith Bacci. “Qual a possibilidade de que o trabalho de uma ex-zeladora, mulher negra, habite o acervo de uma instituição artística no Rio Grande do Sul? Quantas exposições mostraram o trabalho de Judith Bacci? Por que sabemos tão pouco sobre ela? Interrogar sobre a existência de artistas negros, em qualquer tempo, é necessariamente assumir os lugares sociais que foram impostos a homens e mulheres negras na história assimétrica e violenta do Brasil”, questionam Abreu e Simões no texto curatorial.

“Mãe Preta Amamentando Menino Branco” (1988), Judith Bacci. Foto: Ricardo Romanoff

“Nunca se tratou de ausência, sempre se tratou de uma escolha. Sempre esteve relacionada a um cânone artístico que excluiu a possibilidade dessas criações figurarem como material de nossas narrativas mais legítimas. Adjetivos como autodidata, primitivo, naïf e datado são heranças dos artifícios do cânone para retirar de suas listas aqueles que não o confirmavam”, completam os curadores.

“Este Solo É Ruim para Certos Tipos de Flores” (2020-2021), de Pamela Zorn. Foto: Ricardo Romanoff

Sem título (2003), de Leandro Machado. Henê (alisante e tintura) sobre tela. Foto: Ricardo Romanoff

Presença Negra no MARGS parte de uma revisão crítica do acervo do museu. Atualmente, em um universo com cerca de 1.000 artistas e 5.500 obras, somente 24 são negros ou negras, autores de 125 obras pertencentes à instituição. Com objetivo de não ser um evento isolado, a exposição integra uma série de iniciativas iniciada em 2021 pelo Núcleo Educativo e Programa Público do MARGS e faz parte também do programa expositivo Histórias Ausentes. Parte das obras da mostra é de autoria de um grupo de mais de 20 artistas que participou da residência artística INcorporAÇÕES e Cruzas Poéticas, uma parceria entre MARGS, RS Criativo e Sesc RS.

Na leitura dos curadores, o momento atual revela um “acerto de contas”. “Estamos vivendo o resultado do acúmulo de séculos de luta dos negros e suas formas de agrupamento e resistência. A arte brasileira, que nunca foi neutra, é um dos espaços de visibilidade dessa disputa.”

Confira a programação do MARGS no período de encerramento da mostra:

Seminário “Memória e patrimônio cultural” 
16 de agosto (terça-feira), das 15h às 17h, Auditório do MARGS, gratuito

O seminário propõe refletir sobre a importância da salvaguarda e preservação da produção artística dos agentes que integram o campo das artes, em diferentes períodos, por acervos artísticos de instituições públicas e privadas, mas também por pessoas físicas que atuam como guardiãs dessas produções e memórias. A atividade integra a 4ª edição do Dia Estadual do Patrimônio Cultural, promovida pela Secretaria de Estado da Cultura, e que neste ano tem como temática “Patrimônio Cultural, Cidadania e Ética”.

> “Pinacoteca Barão de Santo Ângelo: um acervo a serviço do Ensino, da Pesquisa e da Extensão”, com Paulo Gomes (UFRGS)
> “História da arte e o museu desconhecido: um estudo de caso”, com Yuri Flores Machado (FVCB)

19 de agosto (sexta-feira), das 15h às 17h, Auditório do MARGS, gratuito

> “Espiritualidade e materialidade na arte negra de Judith Bacci”, com Letícia Alves Pereira
> “Repositório memorial da diferença racial: representações de sujeitos racializados como negros no acervo do MARGS”, com Izis Abreu
> “Acervo Artístico e Documental de Pedro Homero”, com Cássio Guimarães Pereira

Lançamento do documentário “Paulinho Chimendes — Meus Olhos Não São Suaves”
18 de agosto (quinta-feira), às 14h30, Auditório do MARGS (60 lugares, por ordem de chegada), com presença do artista e realizadores, gratuito

O filme dá sequência à série “Acervo MARGS”, que já abordou a trajetória do pintor Britto Velho, do fotógrafo Luiz Carlos Felizardo, da gravadora Anico Herskovits e da escultora Claudia Stern. O objetivo do projeto, realizado pela Associação dos Amigos do Museu de Arte do Rio Grande do Sul — AAMARGS, é apresentar e homenagear artistas que integram o Acervo Artístico do Museu. Com direção de Gilberto Perin e Emerson Souza, o documentário Paulinho Chimendes — Meus Olhos Não São Suaves traça um perfil do artista de Rosário do Sul que chegou em 1961 em Porto Alegre e estudou no Atelier Livre da Prefeitura, onde foi incentivado por artistas como Danúbio Gonçalves, Xico Stockinger e Vasco Prado.

Sopapo Poético 
20 de agosto (sábado), às 17h, gratuito

O MARGS recebe o tradicional sarau realizado anualmente pelo Sopapo Poético em comemoração ao aniversário de Oliveira Silveira (1941-2009). A atividade integra a 4ª edição do Dia Estadual do Patrimônio Cultural.

Encerramento da exposição “Presença Negra no MARGS”
21 de agosto (domingo), às 16h, gratuito

Com a presença de artistas que integram a exposição, conversando sobre suas obras. O objetivo é aproximar o público visitante dos artistas.

Exposição Presença Negra no MARGS”
Curadoria de Igor Simões e Izis Abreu e assistência de curadoria de Caroline Ferreira
Quando:  até 21 de agosto de 2022
Onde: MARGS (Praça da Alfândega s/nº – Porto Alegre)
Visitação: terça-feira a domingo, das 10h às 19h (último acesso 18h30), sempre com entrada gratuita

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