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“A Viagem de Pedro” ausculta o coração do ex-imperador

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“A Viagem de Pedro” ausculta o coração do ex-imperador Fabio Braga/Divulgação

Exibido fora de competição no 50º Festival de Cinema de Gramado, A Viagem de Pedro (2021) entra em cartaz nesta quinta-feira (1º/9), às vésperas do Sete de Setembro. Escrito e dirigido por Laís Bodanzky e protagonizado por Cauã Reymond, o filme aborda a vida privada de Dom Pedro I (1798 – 1834) no momento em que o ex-imperador retorna para Portugal, em 1831, fugindo de ser apedrejado pelos brasileiros, nove anos depois de proclamar a Independência do Brasil. Selecionada na lista dos pré-candidatos brasileiros ao Oscar, a produção descontrói a imagem de herói do monarca português, responsável por tornar o Brasil um país continental às custas de opressão e da perpetuação de desigualdades sociais e raciais.

No longa, Dom Pedro (Reymond) deixa o Brasil independente rumo à Europa a fim de preparar a luta contra o irmão Miguel pelo trono de Portugal, onde é tido como traidor. No meio do Atlântico, a bordo de uma fragata inglesa, misturam-se membros da corte, oficiais, serviçais e negros escravizados, em uma babel de línguas, culturas e posições sociais.

Pedro tenta reunir forças para a guerra fratricida que se aproxima – mas a doença e o medo da morte lançam-no em uma espiral de alucinações. O nobre revive diversos momentos da sua vida, a infância, o casamento com Leopoldina, o romance com Domitila de Castro e imagina discussões com o irmão.

Fabio Braga/Divulgação

Uma das curiosidades de A Viagem de Pedro é o elenco heterogêneo, que inclui a estreia da artista visual brasileira Rita Wainer como atriz, no papel de Domitila. Entre os nomes internacionais destacam-se a alemã Luise Heyer (do seriado Dark) interpretando Leopoldina, o irlandês Francis Magee (Game of Thrones, Jimmy’s Hall e Rogue One) vivendo o comandante TalbotWelket Bungué – ator de Guiné-Bissau que brilhou na nova versão cinematográfica de Berlin Alexanderplatz (2020) – no papel do contra-almirante Lars.

Já no elenco português estão Victória Guerra interpretando Amélia, Luísa Cruz no papel de Carlota Joaquina, João Lagarto vivendo Dom João VIIsac Graça (Cartas da Guerra) na pele de Miguel e Isabél Zuaa (As Boas Maneiras) interpretando Dira. Os brasileiros Celso Frateschi, Gustavo MachadoLuisa Gattai, Dirce Thomas, Marcial Mancome e Sergio Laurentino e o congolês Denangowe Calvin completam o time.

Fabio Braga/Divulgação

A Viagem de Pedro estreou mundialmente em 2001 na 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e foi exibido no 23º Festival do Rio – conquistou o Troféu Redentor de melhor ator coadjuvante (Sergio Laurentino) e de direção de ficção. O filme foi lançado em maio nos cinemas portugueses.

Primeiro longa-metragem histórico da diretora de filmes como Bicho de Sete Cabeças (2000) e Como Nossos Pais (2017), A Viagem de Pedro propõe uma abordagem decolonial a respeito de figuras e episódios cristalizados na cultura nacional a partir de uma visão oficial hagiográfica, colocando em discussão fundamentais questões de gênero, raça, classe e geopolítica comumente ignorados pelo discurso laudatório.

Fabio Braga/Divulgação

O filme estreia em momento oportuno para esse debate, já que atualmente o coração de Dom Pedro I, conservado em formol, está em exposição em Brasília como parte da celebração dos 200 anos da Independência, fruto de uma mórbida parceria os governos do Brasil e Portugal – onde o órgão do ex-imperador está guardado. “O governo atual flerta com ideais militares. Pedir o coração emprestado é uma forma ufanista e superficial de comemorar os 200 anos de uma independência que, de fato, nunca aconteceu. Podemos não ser mais colônia de Portugal, mas ainda somos uma colônia”, afirma Laís Bodanzky, que esteve em Gramado no mês passado acompanhando a exibição do filme ao lado de integrantes do elenco como o protagonista Cauã Reymond.

Além de harmonizar as diversas vozes do coral polifônico que coloca a bordo de um navio cruzando o Atlântico – como se fosse uma espécie de microcosmo flutuante e claustrofóbico das contradições e impasses do Brasil daquele tempo, que perduram até hoje –, A Viagem de Pedro pinta ainda um retrato complexo e multifacetado de seu personagem central, dividido entre a ambição de ser um novo Napoleão, a apatia com relação aos assuntos de Estado corriqueiros, as atribulações com a saúde, a insegurança quanto ao futuro e a relação tóxica com as mulheres, marcada pelo desejo insaciável.

Fabio Braga/Divulgação

A Viagem de Pedro: * * * *

COTAÇÕES

* * * * * ótimo     * * * * muito bom     * * * bom     * * regular     * ruim

Assista ao trailer de A Viagem de Pedro:

 

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