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“Priscilla” vai do conto de fadas ao pesadelo

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“Priscilla” vai do conto de fadas ao pesadelo O2 Play/Divulgação

Especialista em contar histórias de mulheres tolhidas por um mundo masculino, Sofia Coppola volta a retratar no cinema mais uma jovem presa em uma gaiola de ouro. Em Priscilla (2023), a diretora e roteirista oferece protagonismo à esposa de Elvis Presley, que assiste a seu casamento com o Rei do Rock transformar-se de conto de fadas em pesadelo.

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Adaptação de Elvis e Eu, relato autobiográfico de Priscilla Presley, o filme narra o relacionamento do personagem título com o cantor desde o encontro de ambos em 1959, na Alemanha – onde ela estudava como filha de um oficial e ele servia no exército estadunidense –, até a separação em 1973, passando pelo tempo em que o casal morou em Graceland.

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O começo do namoro da menina de 14 anos com o ídolo uma década mais velho é cor-de-rosa como uma canção romântica dos anos 1950. Com a mudança para a famosa mansão no sul dos Estados Unidos, porém, Priscilla (Cailee Spaeny) vai descobrir que não há lugar para ela ao lado do trono de Elvis (Jacob Elordi): o ídolo revela-se um homem manipulador, egoico, mulherengo e imaturo, que obriga a companheira a viver dentro dos muros de sua propriedade, enquanto ele viaja com os amigos em turnês ou flerta com as atrizes dos filmes nos quais atua em Hollywood.

Filha do grande cineasta Francis Ford Coppola, Sofia sabe bem como é crescer em um meio privilegiado, rodeada de fama e afluência. Especialmente em filmes como Encontros e Desencontros (2003) e Maria Antonieta (2006), a cineasta demonstrou sensibilidade ao mostrar a intimidade de personagens femininas encaradas como meros troféus pelos homens em torno dos quais orbitam.

O2 Play/Divulgação

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Em Priscilla, novamente essas mulheres silenciadas ganham relevo na tela graças a recursos de linguagem cinematográfica como os planos fechados no rosto da protagonista alternados com imagens de objetos decorativos e espaços domésticos vazios – um estilo de montagem recorrente nas produções dirigidas por Sofia Coppola, que ressalta com crueza o papel ornamental e acessório a que são submetidas as figuras femininas no mundo patriarcal. A notável diferença de altura entre os intérpretes de Elvis e Priscilla no filme, bem maior do que a verdadeira entre eles, é outro elemento visual que sublinha a relação assimétrica entre os dois.

A expressiva Cailee Spaeny – ganhadora do prêmio de melhor atriz no Festival de Veneza de 2023 e indicada ao Globo de Ouro deste ano – consegue dar consistência dramática às mudanças de Priscilla, que vai de estudante secundarista entusiasmada a jovem mãe desiludida. Já Jacob Elordi – que está muito bem também em Saltburn (2023) – imprime a Elvis um ar ao mesmo tempo sedutor, desamparado e autoconfiante, tornando o personagem mais complexo do que um tipo simplesmente tóxico e agressivo, que ele também era.

Contrastando com a espetaculosa e fulgurante cinebiografia musical Elvis (2022), de Baz Luhrmann, o filme de Sofia Coppola concentra-se no relacionamento íntimo do casal central – Elvis Presley não aparece cantando no palco em Priscilla e não há nenhuma interpretação original do cantor na trilha sonora.

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Ainda que na parte final o longa torne-se mais acomodado do ponto de vista narrativo e se ressinta do vigor do início – em certo sentido espelhando, propositadamente ou não, o próprio processo de desencanto da protagonista –, Priscilla é bem sucedido ao jogar luz no lado obscuro do sucesso e tirar da sombra uma mulher que se deixou cegar pelo brilho da celebridade.

O2 Play/Divulgação

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Priscilla: * * *

COTAÇÕES

* * * * * ótimo     * * * * muito bom     * * * bom     * * regular     * ruim

Assista ao trailer de Priscilla:

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