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Duas cineastas trocam videocartas em “Vai e Vem”

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Duas cineastas trocam videocartas em “Vai e Vem” Vitrine Filmes/Divulgação

A brasileira Fernanda Pessoa e Chica Barbosa, mexicana que mora em Los Angeles, são amigas. Em 2020, as duas diretoras começaram a estabelecer um diálogo sobre a situação do mundo naquele momento e os países onde moravam, percebendo as semelhanças entre os governos negligentes com a situação da saúde pública, entre outros aspectos. O documentário experimental Vai e Vem (2022) nasce dessa vontade de compreender o mundo em que ambas viviam naquela época, registrando inquietações e sentimentos em uma inventiva troca de videocartas entre as realizadoras.

 “O filme surge de uma necessidade real de nos comunicarmos, e da percepção de que ligações por vídeo e mensagens de voz no WhatsApp não eram suficientes para dar conta dessa realidade. Eu queria que ela tivesse um pouco da sensação do que era estar no Brasil naquele momento – os panelaços diários, a obsessão com as notícias, a cidade que deveria estar vazia, mas na verdade nunca ficou, os trabalhadores que não tiveram a chance de parar porque o capital, os empreendimentos imobiliários nunca param por aqui. Por outro lado, queria entender como a Chica estava vivendo esse momento lá, recém-chegada aos Estados Unidos de Trump”, conta Fernanda, que mora em São Paulo.

Diretora do ótimo Histórias que Nosso Cinema (Não) Contava (2017) – documentário que revisa o ambiente cultural, comportamental, social e político do Brasil no tempo da ditadura militar por meio das pornochanchadas –, Fernanda explica que Vai e Vem tem a sororidade como um tema central: “Apesar disso ter sido sempre muito importante na minha vida, o filme reforçou essa noção para mim. O processo colaborativo da criação cinematográfica foi muito importante também. Sinto que para nós duas esse pode ser o caminho para filmes experimentais e feministas: menos individualistas, com colaboração e autorias abertas”.

Vitrine Filmes/Divulgação

Chica complementa: “Sempre apostei em um cinema de participação ativa e de criação coletiva, como uma forma de contestar as hierarquias individualistas e industriosas. Experienciar este processo junto com a Fernanda foi ampliar essas formas de desafiar as normas, mas agora por uma lente feminina, algo que ainda não tinha explorado com tal foco. Eu não venho de uma formação acadêmica, mas todo esse tempo entre pesquisa e práxis com a Fernanda, à nossa maneira e a partir das nossas próprias regras, resultou em um belo estudo que me fez entender melhor o cinema que desejo realizar a partir de agora”.

A base para o experimento surge da leitura de Women’s Experimental Cinema: Critical Frameworks, coletânea organizada pela professora estadunidense Robin Blaetz. São 16 artigos, cada um sobre o trabalho de uma cineasta mulher do experimental. A proposta era que Fernanda e Chica chegassem ao fim do livro comunicando-se estritamente por meio de videocartas, cada uma inspirada por uma dessas cineastas e seguindo a ordem do livro. Elas tinham de duas a três semanas para fazer cada carta, que deveria ter entre três e seis minutos. Enquanto seguiam com o experimento, as cineastas sentiram falta no livro da presença de mulheres negras e latinas – e, por isso, começaram a procurar outros nomes por experiência própria.

“Chegamos a quatro nomes que consideramos serem interessantes como contraponto de perspectivas, estilos, experiências e diferentes temas abordados: Narcisa Hirsch, alemã-argentina considerada uma expoente do cinema experimental na América Latina; Zeinabu Irene Davis, membro do movimento de cineastas independentes negros e experimentais L.A. Rebellion, em Los Angeles; Ximena Cuevas, uma das primeiras videoartistas consagradas no México; e Paula Gaitán, colombiana-brasileira de quem tínhamos muita vontade de nos aproximar”, lembra Chica.

Vitrine Filmes/Divulgação

Segundo as diretoras, Vai e Vem também teve uma importância pessoal em suas vidas, transformando-as como mulheres e cineastas. “Existe agora uma vontade de continuar explorando a liberação feminista através de filmes, não somente pelos temas tratados mas também pela forma e experimentação cinematográfica, como uma liberdade formal simbiótica. Precisei explorar e compreender as nossas subjetividades para realmente atravessar as fronteiras que tanto tememos. Agora a vontade é de continuar engolindo Hollywood, fazendo um cinema de risco, feminista, latino, coletivo e imigrante”, diz Chica.

Já Fernanda decidiu se aprofundar no cinema experimental feminino, ingressando no doutorado na USP: “Com a pesquisa que eu e a Chica fizemos juntas, e a descoberta da falta de bibliografias e materiais sobre as mulheres latinas do experimental, decidi me aprofundar nesse caminho. Já no âmbito pessoal, além de reforçar minha amizade e admiração pela Chica, me fez buscar mais comunidade entre mulheres. Um dos assuntos principais do filme é a amizade entre mulheres, que é uma coisa mal falada na nossa sociedade patriarcal, que diz que as mulheres devem competir entre si, ser rivais ou que não existe amizade verdadeira entre mulheres”.

Vitrine Filmes/Divulgação

Vai e Vem: * * * *

COTAÇÕES

* * * * * ótimo     * * * * muito bom     * * * bom     * * regular     * ruim

Assista ao trailer de Vai e Vem:

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