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O cineasta turco Nuri Bilge Ceylan volta mais uma vez à bela e rústica região da Anatólia no magnífico Ervas Secas (2023). Com mais de 3h15min de duração, esse drama sobre as expectativas e amarguras de um professor de escola em um remoto povoado foi apresentado na competição oficial do Festival de Cannes de 2023, conquistando o prêmio de Melhor Atriz para Merve Dizdar – que se tornou a primeira mulher turca a receber tal reconhecimento na história do festival.
A consagração de Dizdar no evento francês gerou um intenso debate entre a elite conservadora da Turquia e o setor cultural liberal, evidenciando as tensões dentro do país. Em seu comovente discurso de aceitação no Festival de Cannes, a atriz prestou homenagem à luta contínua das mulheres turcas por seus direitos, ecoando vozes de resistência e progresso.
Ervas Secas narra a história de Samet (Deniz Celiloglu), professor de arte que está prestes a concluir seu quarto ano de serviço obrigatório em um pequeno vilarejo na Anatólia. Seu plano de conseguir uma transferência para Istambul é colocado em risco depois de ser acusado, ao lado do colega Kenan (Musab Ekici), de conduta inadequada por duas estudantes – sendo que uma é sua aluna preferida, a adolescente Sevim (Ece Bagci).
Enquanto tenta esclarecer o caso, Samet passa o rigoroso inverno na erma aldeia entre a rotina na escola e as longas conversas com seus poucos amigos e conhecidos locais. O encontro com a professora Nuray (Merve Dizdar), porém, pode abrir novas perspectivas de vida para o desesperançado e cético protagonista.
Ervas Secas é baseado no diário que o professor de arte Akin Aksu manteve durante seu serviço obrigatório de três anos na Anatólia. Corroteirista do filme, Aksu colaborou também com Nuri Bilge Ceylan no longa anterior do diretor e roteirista, A Árvore dos Frutos Selvagens (2018) – drama inspirado na relação de Aksu com seu pai.
Como é característico em seu cinema, Ceylan situa outra vez os personagens e seus dramas em meio a grandiosos cenários naturais, ora cobertos pela alvura da neve, ora rebrilhando com o sol do verão – sempre fotografados com admirável refinamento pictórico. Ervas Secas propõe reflexões morais, conflitos sentimentais e estudos de caráter que remetem à obra do escritor e dramaturgo Anton Tchekhov – autor russo que Ceylan adaptou para a Anatólia turca na obra-prima Sono de Inverno (2014).
Ervas Secas aborda novamente questões tchekovianas recorrentes, como a melancolia nostálgica de um passado idealizado, o desejo permanentemente insatisfeito, a vontade sempre adiada de abandonar a província pela capital, o descompasso das visões de mundo modernas e rurais, o choque entre individualismo e coletivismo. Desta vez, porém, Ceylan explora também o universo temático de outro mestre russo da literatura, Dostoiévski, ao confrontar seu anti-herói Samet – interpretado com sutileza e empenho por Deniz Celiloglu – com dilemas éticos dramáticos e cogitações filosóficas sobre o bem e o mal, virtude e vício, egoísmo e desprendimento, fidelidade e traição.
Também característico do cinema do realizador turco, os diálogos de qualidade literária conduzem a narrativa de Ervas Secas e são responsáveis por alguns dos melhores momentos do filme – caso da longa conversa entre Samet e Nuray na parte final em que ambos, mesmo com visões de mundo discordantes, acabam dividindo uma percepção semelhante do que o professor desiludido chama de “cansaço da esperança”. Ervas Secas, entretanto, não sucumbe a esse niilismo, dividindo com o espectador ideias e imagens como o olhar desafiador da expressiva menina Sevim a nos lembrar de que tem de haver mais na vida do que apenas ausência e sofrimento.
Ervas Secas: * * * * *
COTAÇÕES
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