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Napoleão não cabe em um filme

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Napoleão não cabe em um filme Sony Pictures/Divulgação

Ridley Scott é ambicioso o suficiente para abordar uma figura leonina como Napoleão Bonaparte (1769 – 1821). Repetindo a parceria com Joaquin Phoenix em Gladiador (2000), o cineasta inglês aventurou-se a contar a trajetória do conquistador francês em Napoleão (2023), um épico que mistura episódios históricos, batalhas espetaculares e arrebatamentos amorosos para reviver na tela um dos personagens mais importantes da história moderna.

O filme começa em 1793, com Napoleão (Joaquin Phoenix) assistindo na Praça da Concórdia parisiense à decapitação de Maria Antonieta – uma das muitas liberdades poéticas que o roteiro de David Scarpa assume em relação aos fatos históricos – e se encerra mostrando os últimos dias do protagonista no exílio na Ilha de Santa Helena, onde morreu em 1821. Nestas quase três décadas entre um evento e outro, o ambicioso capitão corso vai se transformar em general respeitado e temido no comando do exército francês em confrontos célebres, rechaçando ou derrotando potências da época como a Inglaterra, a Rússia e a Prússia, até se autocoroar imperador de França e posteriormente cair em desgraça.

Sony Pictures/Divulgação

Esses acontecimentos políticos e militares decisivos para a França e a Europa na virada do século 18 para o 19 são o pano de fundo para a abordagem melhor desenvolvida dramaticamente pelo filme: o relacionamento romântico conturbado de Napoleão com Josefina de Beauharnais (Vanessa Kirby), amante e esposa ligada ao líder até o final da vida. É especialmente na intimidade com Josefina que emerge a complexidade contraditória do personagem – ao mesmo tempo impulsivo e calculista, rude e passional, ególatra e emocionalmente frágil. Phoenix tenta dar conta das idiossincrasias do personagem com uma interpretação repleta de trejeitos, esgares e caretas, que ressaltam a singularidade dessa figura em meio a ambientes como cortes aristocráticas e conselhos políticos e militares, onde a dissimulação e a evasiva são as regras.

Ao enfatizar o lado emocional do biografado, porém, Napoleão acaba descuidando de outros aspectos de sua vida. A proverbial sagacidade como estrategista militar e a notável habilidade como manipulador político são pouco explorados no filme, que termina por não justificar plenamente como se deu a ascensão gloriosa do tirano.

Sony Pictures/Divulgação

Sony Pictures/Divulgação

A tarefa, cabe lembrar, é hercúlea: o francês Abel Gance, com seu magnífico painel cinematográfico Napoleão (1927), precisou de cinco horas e meia para contar a história da infância do personagem até a invasão da Itália, em 1797 – originalmente, o diretor pretendia rodar um total de seis filmes sobre o militar; já o cineasta estadunidense Stanley Kubrick escreveu um roteiro depois de fazer extensas pesquisas, mas desistiu da empreitada de filmar Napoleão na pré-produção.

Um dos méritos do Napoleão de Ridley Scott é recriar algumas das mais famosas batalhas travadas pelo general francês com a grandiosidade e o requinte que quase não são mais vistos nesse tipo de sequências em Hollywood – a não ser, talvez, justamente em filmes de Scott. O Cerco de Toulon e a Batalha de Waterloo, por exemplo, ganharam reencenações que recuperam com esmero tanto aspectos técnicos, como as estratégias de posicionamento das tropas e as diferentes maneiras de comunicação no campo de combate, quanto ilustram cruamente a violência das refregas corpo a corpo.

Visualmente, o ponto alto desse luxuoso Napoleão – que conta com a direção de fotografia primorosa de Dariusz Wolski – é a Batalha de Austerlitz, travada sobre o gelo, que lembra duas sequências de guerra magníficas da história do cinema: o combate final dos russos contra os cavaleiros teutônicos de Alexander Nevsky (1938), de Sergei Eisenstein, e o desembarque na Normandia em O Resgate do Soldado Ryan (1998), de Steven Spielberg. Já o desfecho trivial e sem solenidade de Napoleão, isolado e esquecido na remota Santa Helena, replica o ocaso melancólico de outro homem outrora celebrado e temido: o mafioso Michael Corleone em O Poderoso Chefão 3 (1990).

Sony Pictures/Divulgação

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Napoleão: * * * *

COTAÇÕES

* * * * * ótimo     * * * * muito bom     * * * bom     * * regular     * ruim

Assista ao trailer de Napoleão:

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