Paixão e morte correm lado a lado – e em alta velocidade – em Ferrari (2023), novo filme do cultuado cineasta estadunidense Michael Mann, exibido no Festival de Veneza do ano passado. A trama concentra-se em um ano dramático para o mítico ex-piloto e empresário automobilístico Enzo Ferrari, confrontado com uma instabilidade financeira e amorosa que colocou em risco a cristalização da futura escuderia icônica da Fórmula 1.
Baseada na biografia Ferrari: O Homem por Trás das Máquinas, de Brock Yates, a trama do longa concentra-se em um período conturbado da vida do protagonista, tanto profissional quanto pessoalmente. Na segunda metade da década de 1950, Enzo Ferrari (Adam Driver) está perigosamente perto de assistir à ruína da empresa de construção de automóveis esportivos de luxo que por décadas vem construindo ao lado da esposa Laura (Penélope Cruz).
Seu casamento também está em crise, abalado ainda mais pela recente morte do filho do casal. Ao mesmo tempo, Enzo tenta manter longe do conhecimento da esposa a vida que leva com a amante Lina (Shailene Woodley) e o filho dessa relação extraconjugal. Confrontado com uma possível falência dupla – tanto de seu império automobilístico quanto de sua vida sentimental –, Enzo aposta todas as fichas na vitória na edição de 1957 de uma das corridas mais importantes da Itália, a Mille Miglia.
Fascinado pela Ferrari desde a juventude, Michael Mann planejava fazer um filme sobre o tema há 30 anos: a princípio, ele pensava em rodar essa cinebiografia com Robert De Niro depois de O Último dos Moicanos (1992) – o diretor acabou trabalhando com o ator em Fogo Contra Fogo (1995). Conhecido pela elegância estilística com que filma cenas de ação, suspense e violência, o realizador de títulos Colateral (2004), Miami Vice (2006) e Inimigos Públicos (2009) cria um clima de permanente tensão em Ferrari – tanto nas sequências vertiginosas nas pistas quanto nos embates dramáticos a portas fechadas.
O elenco inclui o ator brasileiro Gabriel Leone, de filmes como Eduardo e Mônica (2020) e O Rio do Desejo (2022), em sua estreia internacional interpretando o piloto espanhol Alfonso de Portago. O destaque nas atuações fica para o casal Ferrari: se o astro hollywoodiano Adam Driver – que já tinha vivido no cinema outro líder de uma grife italiana de prestígio em Casa Gucci (2021), de Ridley Scott – imprime um interessante ar soturno e evasivo ao ambicioso e competitivo Enzo, a atriz espanhola Penélope Cruz incendeia a tela no papel da mercurial Laura, esposa e sócia que confronta as infidelidades e as decisões empresarias do commendatore com uma fúria santa que lembra as mulheres fortes interpretadas pela diva italiana Anna Magnani.
Para além da caprichada reconstituição de época e da bela direção de fotografia – que registra com vivacidade as paisagens naturais e arquitetônicas das regiões italianas em que a produção foi rodada, em locações autênticas –, Ferrari impressiona pelas eletrizantes cenas de corrida, filmadas em diversos ângulos e montadas com agilidade virtuosística. O efeito é impactante: a temeridade com que os pilotos dirigem seus carros velozes e frágeis mantém o espectador em permanente alerta para a tragédia iminente que pode estar na próxima curva, à espera apenas de um erro ou do acaso para destruir com tudo – traduzindo assim em frenética carreira um sentimento de morbidez e perda que também marca o triângulo amoroso de Enzo, Laura e Lina.
Ferrari: * * * *
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