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“Plano 75” propõe solução desumana para a velhice

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“Plano 75” propõe solução desumana para a velhice Sato Company/Divulgação

Representante do Japão na disputa do Oscar em 2023 na categoria de Melhor Filme Internacional, Plano 75 (2022) parte de uma premissa por princípio futurista e distópica, mas que pode vir a ser perturbadoramente contemporânea. Na história, para conter o envelhecimento crescente da população japonesa, o governo implementa um plano no qual cidadãos e cidadãs a partir de 75 anos podem se inscrever para uma eutanásia em troca de uma quantia em dinheiro para gastar antes de morrer ou então deixar para a família.

Ganhador de uma Menção Especial no Caméra d’Or do Festival de Cannes de 2022, na seção Um Certo Olhar, o filme tem roteiro escrito pela diretora estreante em longas Chie Hayakawa e por Jason Gray, abordando com sensibilidade – mas também crueza – as ansiedades e angústias do presente em uma sociedade marcada pelo etarismo.

“Penso que Plano 75 diz respeito à atmosfera de intolerância com as pessoas socialmente fracas, incluindo os idosos. Não temos essa lei de verdade, mas tudo o mais retratado no filme existe, como o fato de que há tantos idosos que precisam trabalhar por causa do sistema previdenciário frágil, que eles têm dificuldade em encontrar um lugar para viver, que se sentem excluídos da sociedade e que tendem a hesitar em procurar ajuda para a previdência por sentimento de vergonha. Existe um clima de pressão sobre os idosos que faz com que se sintam inúteis. A intolerância, a apatia e a falta de sensibilização em relação à dor dos outros são as coisas mais ameaçadoras que quero retratar nesse filme”, explica a realizadora.

Sato Company/Divulgação

Hayakawa lembra que existe na sociedade japonesa, especialmente entre as pessoas de mais idade, a ideia de não querer incomodar os outros – e isso é um dos motivos pelos quais as personagens no filme aceitam com tanta facilidade o tal Plano 75: “Além disso, existe uma pressão social invisível que faz com que os idosos se sintam inúteis e um fardo para a sociedade. A mídia também propaga o medo de envelhecer e envelhecer a sociedade, por isso a ansiedade das pessoas está crescendo. Até os jovens se preocupam com as suas vidas após a reforma”.

A diretora também conta que A Balada de Narayama (1983), clássico de Shôhei Imamura, serviu como inspiração para seu filme: “Sinto que os japoneses têm uma espécie de espírito de auto-sacrifício. Às vezes é dito como ‘virtude’ e ‘modéstia’. Há uma semelhança no espírito em A Balada de Narayama e no Plano 75. Aqui, quis retratar que o governo, que não mostra a sua cara no filme, manipula esse espírito para levar a cabo esse sistema desumano”.

Sato Company/Divulgação

Um dos acertos dramáticos de Plano 75 é não se restringir a acompanhar apenas o ponto de vista dos idosos – com destaque para o personagem vivido pela veterana atriz Chieko Baishô –, mas também as percepções de jovens como dois funcionários que lidam com o público nesse sistema de suicídio subvencionado e de uma imigrante filipina que trabalha na triagem dos pertences dos “clientes” desse serviço depois de mortos.

Segundo a cineasta, aquela imagem da ligação forte entre os filhos e os pais ou os avós não corresponde mais à realidade contemporânea: “A falta de vínculo – não só entre familiares, mas também entre outros e parentes não consanguíneos – é um dos motivos para tornar as pessoas apáticas com os outros. Esses dois personagens jovens, Hiromu e Yoko, a princípio não tinham imaginação para a dor dos outros. Mas, por terem vínculo afetivo com Michi e Yukio, eles passam a sentir simpatia por eles. Acho que ter compaixão é a chave para lutar contra a intolerância e a apatia. Queria retratar uma esperança na percepção desses dois jovens”.

Sato Company/Divulgação

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O incômodo e ao mesmo tempo tocante em Plano 75 é a tangibilidade de seu argumento distópico: mesmo quando reconhecemos muitos pontos de contato com nossa realidade em narrativas negativas de um futuro próximo ou presente paralelo como as da série Black Mirror, sempre há pelo menos algum indicador reconfortante de que não se trata da vida atual – pelo menos ainda não. O roteiro do filme japonês, no entanto, desconcerta e comove na mesma medida por trazer à tona, com um humanismo sóbrio e sem fazer alarde sentimental, a crueldade e falta de empatia subjacentes a um sistema falsamente compassivo, cuja eficiência asséptica e impessoal ao promover uma chamada “morte com dignidade” não disfarça o terrível objetivo de eliminar quem já não é mais visto como útil.

Sato Company/Divulgação

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Plano 75: * * * * *

COTAÇÕES

* * * * * ótimo     * * * * muito bom     * * * bom     * * regular     * ruim

Assista ao trailer de Plano 75:

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