Artigos | Cinema

Xenofobia e ressentimento arreganham os dentes em “As Bestas”

Change Size Text
Xenofobia e ressentimento arreganham os dentes em “As Bestas” Pandora Filmes/Divulgação

Impressionante drama dirigido pelo espanhol Rodrigo Sorogoyen, As Bestas (2022) foi exibido na mostra Première no Festival de Cannes de 2022 e ganhou em 2023 na Espanha nove prêmios Goya, além de levar o francês César de Melhor Filme Estrangeiro. Coprodução franco-espanhola, o filme conta uma tensa história de cobiça, ressentimento social e xenofobia marcada pelas excelentes interpretações dos franceses Denis Ménochet e Marina Foïs.

Em As Bestas, Ménochet e Foïs interpretam Antoine e Olga, um casal francês que mora no interior da Galiza – região do noroeste da Espanha que faz fronteira com Portugal ao sul e cujo idioma local mistura espanhol com português. Com grandes planos de cultivar a terra e vender vegetais no mercado local como forma de ganhar a vida, o ex-professor e a sua solidária esposa deixaram para trás a sua vida confortável em França para procurarem um novo começo.

Pandora Filmes/Divulgação

O sonho idílico, no entanto, azeda: a desconfiança de parte da pequena comunidade com relação ao casal estrangeiro ganha fôlego quando uma negociação de venda de terras com uma grande empresa coloca os franceses no campo oposto ao liderado pelos vizinhos, os brutos irmãos Anta – interpretados pelos ótimos Luis Zahera e Diego Anido. A animosidade crescente se espalha então por toda a aldeia, chegando a um ponto de conflito sem retorno.

Pandora Filmes/Divulgação

Indicado ao Oscar em 2019 pelo curta igualmente impactante Madre (2017), Rodrigo Sorogoyen assina com Isabel Peña o roteiro de As Bestas, inspirado em uma história real registrada antes no documentário Santoalla (2016). “Estudamos o caso para conhecê-lo e, assim, para nos distanciar dele, e transformá-lo em nossa ficção. Nós conhecíamos, ou acreditávamos que conhecíamos, as pessoas envolvidas. Nós sabíamos, ou pensávamos que sabíamos, suas motivações, seus sonhos. E então começamos a criar nossos personagens para a ficção. Mudamos seus nomes, idade, nacionalidade. Não queríamos contar a história verdadeira, mas algo inspirado naquele evento”, explica o diretor, referindo-se ao episódio policial verdadeiro envolvendo um casal holandês que morava em uma aldeia espanhola.

“Um problema financeiro, mas também de identidade, no que diz respeito à propriedade da terra. Ameaças, orgulho, convivência difícil, explosões de violência, medo. Esses dois últimos elementos acabaram se tornando os eixos centrais sobre os quais a história se apoiava: violência e medo”, resume Sorogoyen.

Além do casal protagonista interpretado por dois grandes nomes do cinema francês contemporâneo, As Bestas também contou em seu elenco com atores não profissionais, a fim de ampliar a autenticidade da história. Entre os intérpretes sem experiência em atuação, está José Manuel Fernández Blanco, que encarna o emblemático personagem Pepiño – e que morreu em agosto de 2022, sem ter conseguido assistir ao filme concluído.

Pandora Filmes/Divulgação

Enquanto os roteiristas investigavam sobre a área onde se passaria a história, descobriram que, todos os anos, em várias aldeias próximas, é festejada “a rapa das bestas” – uma rude celebração popular que consiste em cortar as crinas dos animais selvagens para remover quaisquer parasitas antes de liberar os animais de volta para as montanhas. A chocante e primitiva sequência de abertura de As Bestas é uma referência a esse costume local.

“Decidimos introduzir essa tradição, que tem um poder visual esmagador em nossa história. O título menciona isso, mas, também, uma das cenas centrais tentaria ser uma alegoria do ‘rapa’. Quem é a besta? Antoine tenta ser pacífico diante da violência dos irmãos, mas nunca consegue se separar dela”, define o cineasta.

Colocando lado a lado as motivações dos antagonistas, As Bestas pinta um retrato pessimista sobre a convivência pacífica na alteridade. Nessa paisagem negativa, a personagem de Marina Foïs – vista recentemente em filmes tão distintos quanto a comédia Tudo Sob Descontrole (2022) quanto o drama A Sindicalista (2022) – surge como uma força feminina resiliente que encara a barbárie em nome da lealdade familiar e da resistência iluminista.

Pandora Filmes/Divulgação

As Bestas: * * * * *

COTAÇÕES

* * * * * ótimo     * * * * muito bom     * * * bom     * * regular     * ruim

Assista ao trailer de As Bestas:

RELACIONADAS
PUBLICIDADE

Esqueceu sua senha?