Artigos | Marcelo Carneiro da Cunha | Série

Alexandre, o mais ou menos Grande

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Alexandre, o mais ou menos Grande Netflix/Divulgação

Entre as séries mais acessadas na Netflix aparece Alexandre: O Nascimento de um Deus. O interesse por um sujeito que viveu há mais de 2,3 mil anos mostra, acho, o quanto a História Antiga nos fascina e o quão pouco sabemos dela, o quão pouco se pode saber. E, ainda assim, queremos, e muito, conhecer esse passado que fez do mundo o que ele se tornou.

Todo mundo sabe que Alexandre começou cedo, venceu muitas batalhas, conquistou o Império Persa, aproveitou o embalo pra ir até o Afeganistão e a Índia, conquistou praticamente tudo que era conquistável e morreu muito jovem. Talvez aí esteja parte do seu brilho. Morrendo cedo, não teve tempo para eventualmente decair, ser derrotado, ter o seu lado B. Sobrou o lado A, e sobre isso se desenvolve o mais ou menos documentário que a Netflix mostra.

Mais ou menos documentário é aquele tipo de conteúdo que a gente tem visto, mais e mais. Uma reconstrução de época de qualidade variável, mediada por falas de alguns especialistas no assunto, basicamente professores de departamentos de História Antiga de algumas universidades mais ou menos conhecidas. Personagens ou assuntos importantes, custo baixo, e vamos embora. Ah, esses conteúdos são chamados de dramas documentais.

Um deles, recente, é sobre Cleópatra. Chegaram a ver? Pois, pra quem não sabe, Cleópatra era relacionada com Alexandre, o Grande. Sim, isso é verdade. Ela era, na verdade, de origem greco-macedônia, descendente de Ptolomeu, general macedônio que Alexandre colocou para governar o Egito. O Egito que os romanos conquistaram era macedônio. Recordar é viver.

Alexandre era filho de Filipe II, um rei de uma das províncias gregas menos gregas, para os gregos. Os macedônios eram considerados pouco educados, pouco civilizados, e os gregos em geral os tratavam com algum nível de desconsideração.

Mas os macedônios tinham minas de ouro, e com isso organizaram um exército eficiente, que Filipe usou para vencer as outras cidades gregas e criar algum tipo de união de desunidos, mais ou menos como Bismarck fez na Alemanha, uns 2 mil anos depois de Alexandre.

Alexandre, aos 20 anos, herdou o trono da Macedônia e esse exército. Já tendo experiência liderando os macedônios em batalhas, ele usou essa poderosa máquina militar pra pintar o sete por todo o mundo então conhecido, começando por enfrentar e vencer os poderosos exércitos do imperador da Pérsia, Dario III.

Os gregos sentiam que tinham contas a acertar com os persas, desde as invasões de Dario I e Xerxes, séculos antes. Os gregos se orgulhavam de haver resistido, e tinham memórias que exigiam vingança. Inicialmente, Alexandre foi à guerra com os persas para apagar aquele passado.

A série da Netflix mais ou menos conta essa história, mas com limites de orçamento e a adição de elementos mais do que ficcionais, míticos. A sacerdotisa que entra em cena de tempos em tempos parece servir para lembrar a nós que o mundo antigo era diferente de hoje, e o religioso e o secular se misturavam intimamente. Alexandre, dizem, quis aparecer como divino, ou semidivino, da mesma maneira que os seus heróis mitológicos Héracles e Aquiles.

Na série, os atores mantêm uma relação distante com a arte de atuar, e a cavalaria macedônia usa estribos, que curiosamente somente foram inventados uns mil anos depois. Dario III poderia fazer sucesso na simulação das batalhas de Anita e Giuseppe Garibaldi realizadas na
cidade catarinense de Laguna, tal a qualidade da sua atuação. Fora isso, a série mais ou menos nos leva ao longo do trajeto de Alexandre em busca do que entendia como seu destino.

Alexandre viveu como um replicante, intensamente, e por poucos anos. Mas o mundo que ele criou está aí, para ser visto. Ele resolveu ir além da vingança grega, para construir uma nova civilização, helenística, levando valores do Ocidente para um Oriente rico e suntuoso. Ele criou um novo sistema de moedas, que ajudou no comércio do mundo, criou cidades, como a famosa Alexandria, e tornou o grego a língua franca do mundo pré-romano. O Império Bizantino, até cair, em 1453, era grego.

Vejam a série, mas sabendo que os gregos, como todo mundo até o século VII após Cristo, usavam apenas uma sela, com os pés balançando, e assim passeavam pelo mundo inteiro. Haja disposição.

A História Antiga é incrível, e essencial. Por isso e por aquilo, vejam.

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