Artigos | Marcelo Carneiro da Cunha | Série

“Godless” é sem lei, sem moral e sem Deus

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“Godless” é sem lei, sem moral e sem Deus Netflix/Divulgação

Godless é uma série que veio e quebrou a internet no distante ano de 2017. Aqui, nós tínhamos talvez a primeira série que recriava o bom e velho western, mas com diferenças essenciais e importantes, especialmente por não ser filme, e sim série.

Godless é uma declaração de que o Velho Oeste tinha muitas coisas e não tinha uma: Deus. O que acontecia por lá era consequência do excesso de espaço, nas imensas planícies áridas do Oeste americano, e da escassez de lei, de moral e de quem desse a menor importância para leis e morais.

Entre outras diferenças, Godless pode ser vista com o primeiro western feminista que já foi feito, algo incomum num gênero marcado pela figura do macho solitário, impersonado por tipos como John Wayne, Clint Eastwood e outros. Homens.

Aqui, nossa história acontece, em parte importante, em uma cidadezinha mineira chamada – ora vejam – La Belle, onde os homens foram eliminados por um processo que não vou mencionar por questão de spoiler e as mulheres reinam. E que mulheres, caros leitores.

La Belle, além das suas mulheres, ainda apresenta alguns homens, em sua maioria problemáticos, como o xerife da cidade, que sofre de uma certa e crescente falta de visão, um baita problema, no ramo de negócios a que ele se dedica, deixando as mulheres de La Belle, mais uma vez, precisando encontrar soluções elas mesmas para as suas muitas questões.

A vantagem do formato série é, acima de tudo, o tempo. Num filme de western, o tempo nos permite entender o silêncio do caubói-heroi e entender os seus inimigos – em geral inimigos da ordem e da paz, que ele, por algum motivo interno e em muito silêncio, excetuando o barulho dos Colts de seis tiros, decide enfrentar, sozinho. Daí em diante, a história se encaminha para algum tiroteio, e uma sobrevivência, que se vai na direção do pôr do sol.

Assim é o western clássico.

Godless é western, mas não exatamente clássico, em particular pelo motivo de mulheres. Elas não se satisfazem em serem salvas pelo caubói insensível e durão, elas preferem se salvar a si mesmas, o que já é, em si, raison de sobra pra se fazer ver.

Mas temos ainda a mulher que toca o seu rancho e família sozinha, uma personagem um tanto surpreendente, porque encenada pela mesma atriz que fazia a chiquérrima Lady Mary em Downton Abbey. Como ela fez pra sair de 1912 e do countryside inglês pra se meter no deserto do Novo México em 1884 é mais um mistério dessa série sem Deus.

Netflix/Divulgação

A história é um épico, à la Grande Sertão: Veredas. Um bandido mau, mas mau de beliscar criancinha, Frank Griffin, vaga pelo Oeste à procura de um rapaz que era para ser do seu bando e o traiu. O rapaz, Roy Goode, é a sua antítese, e a história se torna um Highlander desértico, no que só pode sobrar um.

Godless se mostra digna do nome por conta do que o bando de Griffin apronta. O bando é, em si, uma legião de gente contratada pelo quesito ruindade, portanto, evite a série quem tiver coração ou estômago fracos. Godless é, acima de tudo, para machos, de todos os gêneros.

Os personagens são ricos, Griffin é um místico, as mulheres não vão mais tolerar o mundo infernal que os homens criaram para elas, e a série se move na direção de um grande, grande confronto final, em que o bem e o mal estão muito claros, mesmo que todos utilizem exatamente os mesmos métodos na solução de seus conflitos. Basicamente, encher o outro lado de chumbo.

Não é nova, é muito boa, e está aí, na minha, na sua Netflix.

Netflix/Divulgação
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