Artigos | Marcelo Carneiro da Cunha | Série

“Reservation Dogs” e o que resta aos indígenas nos EUA

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“Reservation Dogs” e o que resta aos indígenas nos EUA Disney+/Divulgação

O Novo Mundo só é novo para quem chegou depois de 1500. Pra quem chegou primeiro, ele já era antigo, com culturas e civilizações milenares no México, Peru, Brasil ou Austrália.

E esses habitantes das Américas pré-Colombo precisaram se adaptar a um mundo onde eles, os habitantes originais, tiveram que ir morar num quartinho do sótão do Novo Mundo, em vez de vagar livremente por suas vastidões como antes. Pensem nisso.

Reservation Dogs é uma ótima série da Star+ que você pode ver no canal Disney+, que se diferencia de todas as séries sobre indígenas norte-americanos por ser quase toda ela escrita, dirigida e atuada por eles mesmos. A diferença é notável. Eles, ora vejam, parecem saber muito bem do que estão falando, e isso impacta.

A série é centrada em um grupo de adolescentes indígenas que vivem em uma pequena cidade do estado de Oklahoma, que provavelmente foi construída sobre as terras deles. Nesse mundo distante do mundo, os habitantes brancos e indígenas convivem, cada um do seu lado.

Os jovens indígenas da história querem algo mais do que Oklahoma, o que não chega a ser surpreendente. Eles então resolvem ir para a Califórnia, e passam a juntar dinheiro para a aventura por todos os meios disponíveis, alguns deles dentro da lei.

O Novo Mundo foi todo ele construído sobre o mundo indígena, e parece que lida com essa invasão fazendo de conta que ela nunca aconteceu. Já o mundo indígena sabe muito bem o que aconteceu, e como. E essa história, escrita por eles, marca muito bem o que eles sabem, e nunca esquecem.

E, para sorte da série, o registro que eles escolheram foi o da comédia. Ácida, surreal, reveladora de um mundo criado em duas partes, onde a que ocupou faz de conta que a outra não está ali, ou não se importa com o que perdeu. Eles se importam, como se importam.

Os Estados Unidos não lidam bem com as desuniformidades. Eles preferem que todo mundo vista as mesmas roupas, coma as mesmas comidas, pense mais ou menos de um jeito, e fale como americano. Os indígenas da série cumprem com essas demandas, do jeito deles. Eles falam como qualquer americano fala, todos dominam o inglês coloquial, aprendido na escola, que é a escola dos brancos. Curiosamente, chamam a si mesmos de indians, e não indígenas.

Eles não são brancos, e nunca deixam de lembrar disso. Eles se chamam uns aos outros de tios e primos, porque aparentemente é assim que eles se veem. Eles cumprem com as regras impostas, mas nem tanto. Eles vivem nas casas que os brancos vivem, mais pobres talvez do que a média americana.

Mas eles veem o que os brancos não veem. Eles veem os seres que habitam a floresta, veem os espíritos dos antepassados que andam por ali. Eles sabem o que são, mesmo que não possam praticar isso de maneira muito aberta.

Reservation Dogs é uma beleza, e já foram feitas três temporadas primorosas. Vejam, e pensem no Brasil. Somos parecidos, e muito diferentes, na história e na relação com nossos povos originários. O que dá pra sentir é que precisamos, e muito, de uma Reservation Dogs Brasil.

Fica a dica.

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