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Claudia Abreu mergulha no fluxo de Virginia Woolf

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Claudia Abreu mergulha no fluxo de Virginia Woolf Flávia Canavarro/Divulgação

Claudia Abreu está em turnê nesta semana pelo Estado com o espetáculo Virginia. O monólogo sobre Virginia Woolf (1882 – 1941) foi apresentado na terça-feira (4/10) em Santa Cruz do Sul, chega nesta quinta a Santa Maria, no Theatro Treze de Maio, e terá duas apresentações em Porto Alegre, sábado e domingo, no Theatro São Pedro.

A montagem – que já passou por temporadas de sucesso e em São Paulo e Belo Horizonte – é o resultado dos vários atravessamentos que a escritora inglesa provocou na atriz brasileira ao longo de sua trajetória. A vida e a obra da autora de Mrs. Dalloway e Passeio ao Farol são os motores de criação desse espetáculo, fruto de um longo processo de pesquisa e experimentação que durou mais de cinco anos. Primeiro monólogo da carreira de Claudia Abreu, o solo marca ainda a sua estreia na dramaturgia e o retorno da parceria com Amir Haddad, que a dirigiu em Noite de Reis (1997). O projeto conta com a codireção de Malu Valle

Depois de participar de uma versão teatral do romance Orlando em 1989, Claudia voltou a reencontrar Virginia em 2016, por conta da indicação de uma professora de literatura. A atriz mergulhou então de cabeça no universo da autora, lendo e relendo alguns livros –incluindo memórias, biografias e diários da escritora.

A escritora inglesa Virginia Woolf. Foto: Reprodução

A vontade de escrever sobre Virginia falou alto: “Eu me apaixonei por ela novamente. Fiquei fascinada ao perceber como uma pessoa conseguiu construir esta obra brilhante com tanto desequilíbrio, tragédias pessoais e problemas que teve na vida. Como ela conseguiu reunir os cacos?”. Claudia avalia Virginia como sendo um marco de maturidade em sua trajetória: “O texto também vem deste desejo de fazer algo que me toca, do que me interessa falar hoje. Não poderia fazer uma personagem tão profunda sem a vivência pessoal e teatral que tenho hoje”.

A dramaturgia de Virginia foi concebida como inventário íntimo da vida da autora: em seus derradeiros momentos, ela rememora episódios marcantes de sua existência, a paixão pelo conhecimento e a convivência com os queridos amigos do grupo intelectual de Bloomsbury – além de refletir sobre afetos, dores e seu processo criativo. A estrutura do texto se apoia no recurso mais característico da literatura de Virginia Woolf: a alternância de fluxos de consciência, capaz de dar expressão às vozes reais ou fictícias, sempre presentes em sua mente.

Flávia Canavarro/Divulgação

“Fazer o monólogo foi uma opção natural neste processo, pois todas as vozes estão dentro dela. Eu nunca quis estar sozinha, sempre gostei do jogo cênico com outros colegas, mas a personagem me impeliu para isso”, justifica Claudia, cujo processo de criação se desenvolveu a partir de uma série de improvisações solitárias que fez ao longo dos últimos anos – em especial durante o período pandêmico, já acompanhada por Amir Haddad.

A chegada de Amir ao projeto foi ao encontro do desejo de Claudia em encenar seu próprio texto. “Ele tem como premissa a liberdade, permite que o ator seja o autor de sua escrita cênica, isso foi fundamental em todo o processo. O ator é um ser da oralidade, a maior parte do texto foi escrita também a partir do que eu improvisava de maneira espontânea e depois organizava como dramaturgia”, explica a atriz, que se aventurou na escrita pela primeira vez com o roteiro da série Valentins, em 2017, da qual também é cocriadora. Malu Valle, que assina a codireção da montagem, chegou no processo quando Amir se recuperava de Covid-19, acrescentando outro olhar feminino a Virginia.

Na entrevista exclusiva abaixo, Claudia Abreu comenta a respeito de sua relação com Virginia Woolf, o processo de criação do espetáculo e a atualidade das questões suscitadas pela obra da escritora inglesa: “A condição da mulher não mudou tanto assim”.

Flávia Canavarro/Divulgação

Virginia Woolf vem orbitando sua vida e sua obra há muito tempo. Qual é a atração que essa figura exerce em você?

O meu primeiro contato com a Virginia Woolf foi quando eu tinha 18 anos, quando eu fiz Orlando, com direção da Bia Lessa e adaptação do escritor Sérgio Sant’Anna. Foi uma peça muito importante para mim, porque foi minha primeira peça adulta, fora do Tablado, a escola de teatro, e foi meu primeiro trabalho com a Bia Lessa, com quem fiz várias outras parcerias. Mas eu só retornei a Virginia Woolf depois dos 40 anos, quando eu retornei à obra dela para uma pesquisa sobre fluxo de consciência, porque me interessava escrever sobre isso, sobre essa troca de narrador sem aviso e através do tempo. Acabei ficando tão arrebatada pela literatura dela que acabei pesquisando sobre a vida dela, e se tornou um caminho natural escrever um monólogo sobre ela e interpretá-la no teatro.

O que significou para você estrear em monólogo levando ao palco essa figura referencial na literatura do século 20?

Significou muito para mim realizar essa tarefa tão difícil que é fazer o meu próprio recorte sobre ela. Eu pesquisei muito para isso, e ao mesmo tempo não deixa de ser um olhar meu, pessoal, amoroso e totalmente interessado por ela e pela obra dela. Claro que existe esse peso de ser uma das grandes escritoras do século 20, mas, na verdade, também é um recorte de um ser humano, e o que me interessa nesse recorte é exatamente isso: falar sobre o ser humano, que poderia ser eu, você, qualquer um de nós, com todas essas questões inerentes à vida dela.

Pablo Henriques/Divulgação

A escritora encarnou múltiplas e contrastantes representações do feminino: a intelectual revolucionária e a senhora de sociedade, a emancipada e a subjugada, a lúcida e a delirante, sexualmente liberada e abusada, afluente e antiburguesa. Como você harmoniza essas facetas no espetáculo?

É exatamente isso que faz dela uma figura tão extraordinária e tão rica, ter essas contradições na vida dela. Ser uma das primeiras feministas e, ao mesmo tempo, se submeter à opressão de um casamento. Também ser uma pessoa que tem uma lucidez e brilhante e alternar isso com momentos de desequilíbrio mental, psíquico, emocional. Ela realmente é feita desses contrastes, que a tornam ainda mais complexa, interessante e humana. Foi exatamente isso que me interessou. Essas questões são inerentes à dor da criação, esse limite entre a lucidez e a loucura, a condição da mulher – que não mudou tanto assim –, e como ela lidou com tudo isso, com os abusos, com o desejo por mulheres, e, ao mesmo tempo, pertencer ao próprio tempo, acabando em um casamento realmente longo, tradicional até certo ponto. Acho que tudo isso faz dela uma pessoa muito interessante.

O que a obra e a vida de Virginia Woolf têm a dizer para as sensibilidades dos nossos tempos?

As questões continuam realmente as mesmas. A condição da mulher não mudou tanto assim, você pode ver exemplos disso no Brasil com o feminicídio. No interior e nas camadas mais pobres, as mulheres são sempre sacrificadas, não conseguem ter uma escolaridade completa muitas vezes porque têm que trabalhar cedo em casas de família ou mesmo cuidar dos irmãos, ou engravidam muito cedo, são oprimidas pelos pais, pelos maridos e pela própria sociedade. A gente vê isso também agora no Afeganistão, no Irã, com as mulheres tentando recuperar conquistas que já tinham conseguido e depois foram derrubadas por questões de política e religião. Ou seja, a condição da mulher não mudou tanto assim. Ainda a questão da angústia da existência, a reflexão sobre isso e também sobre criação, como todos nós que passamos por processos criativos desconfiamos de nós mesmos muitas vezes, a questão de sanidade e loucura, o que é ser normal. Tudo isso é totalmente atual, então é claro que fala sobre todas as épocas, não seria diferente agora.

Flávia Canavarro/Divulgação
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