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Encontro de Armandinho e Yamandu é alquimia musical

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Encontro de Armandinho e Yamandu é alquimia musical Bagual Produções e Eventos/Divulgação

A amizade antiga entre Yamandu Costa e Armandinho Macêdo finalmente foi selada em disco. Disponível desde o último dia 13 nas plataformas de streaming, Encontro das Águas reúne dois dos maiores virtuosos da música instrumental brasileira – o gaúcho brilhando no violão de 7 cordas, o baiano voando no bandolim de 10 cordas. O resultado é um passeio sonoro pela diversidade musical brasileira que vai do choro ao frevo, do chamamé à MPB.

Lançado pela Bagual Produções e Eventos, o disco recupera parcerias de Yamandu e Armandinho surgidas a partir de 1997 e ganharam versões acabadas mais de 20 anos depois, no início deste ano, quando a dupla se reuniu em Lisboa para gravar no estúdio que o violonista tem em casa. Batizado pelo produtor Marco Mazzola, o álbum Encontro das Águas mistura linguagens e registras expressões musicais de Norte a Sul do Brasil.

Ao lado de composições próprias, Yamandu e Armandinho gravaram versões de clássicos como Apanhei-te Cavaquinho, de Ernesto Nazareth, e Noites Cariocas, de Jacob de Bandolim, e os sucessos populares Oceano, de Djavan, e Luz do Sol, de Caetano Veloso. As homenagens aos mestres da música brasileira incluem ainda os temas Lembrando Jacob e Desde Garoto, além de uma inusitada celebração futebolística: a faixa Bahia e Grêmio cita os hinos dos times para quem os solistas torcem.

Bagual Produções e Eventos/Divulgação

“O Armandinho é um grande ícone da música instrumental brasileira, ele foi um dos meus padrinhos musicais, no início da minha carreira. Gravar com ele sempre foi um sonho muito antigo. O meu sonho foi realizado”, diz Yamandu. Já o multi-instrumentista Armandinho destaca a importância dessa parceria em sua carreira: “É uma consagração nossa. Pra mim é um encontro dos mais primorosos e mais importantes na minha história musical”.

Na entrevista exclusiva a seguir, Yamandu Costa e Armandinho Macêdo relembram o nascimento dessa amizade, comentam a gravação do disco e definem a sonoridade surgida desse singular encontro sonoro: “É uma alquimia orgânica que flui natural e musicalmente”, nas palavras do baiano.

Como nasceu essa parceria?

Yamandu Costa – Essa parceria nasceu em 1997, no Rio de Janeiro, quando eu o conheci pessoalmente, no Centro Cultural Banco do Brasil, fui acompanhar o Renato Borghetti. Logo depois, eu comecei a frequentar as rodas de música de São Paulo e um amigo promoveu o nosso encontro, nos levou para Ilhabela pra gente passar o final de semana, o que acabou selando uma amizade muito grande, e começamos a tocar juntos. A partir daí o Armandinho foi muito generoso comigo, me levou pra Brasília, no Clube do Choro, fez questão da minha presença. Naquela época, a minha carreira estava começando, e ele foi muito querido, abriu todas as portas possíveis pra mim. Então eu tenho um carinho e um agradecimento especial a ele, além do fato de ser uma referência desde sempre. As primeiras vezes que eu ouvi bandolim na minha vida foi o bandolim do Armandinho.

Armandinho Macêdo – Segundo o relato do Yamandu, essa parceria começou quando ele tinha 11 anos de idade lá no Rio Grande do Sul, quando o pai dele apresentou o meu CD com o Raphael Rabello (violonista). Ele, como admirador, seguidor e aprendiz da obra de Raphael Rabello, começou a me conhecer também e querer tocar um dia. Foi então que o empresário Solon Siminovich, outro gaúcho que fez trabalhos maravilhosos com a música instrumental no Brasil, me falou do Yamandu e trouxe ele para São Paulo em um evento em que eu estaria tocando, o Brasil Musical. O Solon me disse: “Você apresenta ele como se estivesse lançando o Yamandu”. E eu apresentei ele assim. O Yamandu seria então esse cara que herdou o bastão do violão de 7 cordas brasileiro e levou para o mundo.

Quando eu conheci o Yamandu eu vi ali um fenômeno, uma pessoa que fazia de tudo. Aquele cara que não tem uma técnica acadêmica, apesar de que hoje ele vem desenvolvendo esse lado maravilhosamente. Mas eu vi ali um potencial, acabei levando ele pra tocar nos meus eventos. Onde eu levava o Yamandu logo depois chamavam pra fazer apresentações dele. A gente começa então a compor nossas músicas, inclusive as que gravamos agora, Bahia e Grêmio e A Nossa (Encontro das Águas). Nos distanciamos um pouco por causa das carreiras de cada um, passamos a nos encontrar esporadicamente. Do ano passado pra cá, a gente veio com a ideia, junto com meu filho e meu empresário João Neto, de fazer esse disco no estúdio do Yamandu em Lisboa pra comemorar e registrar esse encontro nosso de vinte e poucos anos atrás. É o encontro dessa maravilha que é o violão brasileiro e o bandolim brasileiro, uma história em que eu introduzo um pouco a guitarra baiana, que é a minha filha, para mostrar para o Brasil e o mundo.

Yamandu Costa. Foto: Bagual Produções e Eventos/Divulgação

Vocês são ícones da música instrumental conhecidos pelo virtuosismo, pela inventividade e pelo ecletismo. Como foram as gravações? Vocês fizeram muitos ensaios antes?

Yamandu – A gente não ensaiou muito tempo, mas eu recebi o Armandinho na minha casa em Lisboa uns quatro dias antes das gravações, pra gente conseguir encontrar coisas que fossem relevantes, músicas dentro do repertório dele principalmente que ficassem bonitas nesse repertório. Especialmente alguns frevos do Carnaval baiano, do pai dele, o Osmar Macedo, que foi o criador do trio elétrico e um grande compositor, bandolinista, inventor, um cara muito especial. O grande mestre da trajetória do Armandinho era o pai dele. Ele tocou algumas coisas do pai dele e eu acabei gostando e colocando no repertório.

Armandinho – Me hospedei na casa de Yamandu em Lisboa, o estúdio dele é lá mesmo, e a gente simplesmente dava umas passadinhas, “vamos gravar essa aqui”, só relembrava, e pau: grava! Então não teve muito ensaio, a gravação é o próprio ensaio. Vamos tocando, tocando até ficar bom. Em três ou quatro dias gravamos o disco inteiro, e foi maravilhoso. Tocar com o Yamandu é isso: na primeira vez que entramos juntos em um estúdio, ele já tinha na mão tudo o que o Raphael Rabello tinha tocado comigo. É aquele tipo de músico que não decora, ele absorve a música, toca a música com a emoção do momento. Daí fica fácil tocar qualquer coisa com ele, até improvisar, rola maravilhosamente bem. É uma alquimia orgânica que flui natural e musicalmente.

A seleção destaca uma variedade de gêneros que contemplam a musicalidade brasileira de Norte a Sul do país. Quais seriam as proximidades e as singularidades entre a sua maneira e a de Armandinho de abordar essas diversas sonoridades?

Yamandu – Acho que mostra muito bem a diversidade musical do nosso país, que é enorme, tem muita coisa diferente em todo canto. Nós viemos de duas regiões muito fortes culturalmente. A riqueza da música baiana, do samba, de toda a influência africana que existe ali. Eu vindo do outro extremo, lá do Sul do Brasil, região fronteiriça, com muita influência da música argentina. Acho que o álbum acaba sendo uma fotografia latino-americana nesse sentido. Tudo o que eu toco me remete a essa linguagem da música latino-americana, e o Armandinho acaba se influenciando por isso também. Acho que é um panorama bem amplo do que seria essa multiculturalidade do nosso continente.

O repertório do disco inclui temas de compositores como Jacob do Bandolim, Djavan, Caetano Veloso e Ernesto Nazareth, além de composições de vocês. Como se deu a escolha do repertório?

Armandinho – A gente foi pegando coisas nossas e de outros e dando a nossa leitura. Então Oceano, do Djavan, ficou bonita, eu já havia gravado ela em um disco meu. É uma coisa muito espontânea, do momento. O bom disso é a surpresa, pra gente também, de fazer uma música que não foi muito ensaiada e tocar à nossa maneira. Isso é que é bacana, as coisas bonitas que vão rolando no decorrer da música. Jacob do Bandolim é inevitável. E tem as músicas populares, de Caetano e Djavan, que a gente quer dar um clima agradável e radiofônico, além de mostrar o trabalho instrumental

Como vocês avaliam o atual momento da música instrumental brasileira?

Yamandu – Acho muito positivo, vejo muitos jovens tocando e compondo. Passamos por um momento muito bacana.

Armandinho – A música instrumental brasileira está no lugar que o próprio brasileiro a colocou: ela é restrita a um público que busca conhecimentos musicais. Ela não tem uma penetração midiática, não vai para o grande público, que não tem informação praticamente nenhuma sobre ela. Os novos têm informação zero sobre a música instrumental brasileira, desconhecem até os próprios músicos.
Eu tenho uma história muito interessante com a música instrumental que vem do trio elétrico. Ele foi instrumental até os anos 1970, quando eu mesmo botei um cantor em cima de um trio elétrico, que foi o Moraes Moreira. O povo fazia o Carnaval com essas músicas instrumentais tocadas pela guitarra baiana. Assim como o Recife já faz isso há muito mais tempo com os metais. Então, tem um público desse repertório bem carnavalesco que curtiu muito a música instrumental, e até hoje tem uma faixa que curte. Os festivais de música instrumental no Brasil dão muita abertura, mas é sempre um público restrito.

A música instrumental do Brasil, não só a do Carnaval, é muito popular. Brasileirinho é conhecida no país inteiro, uma música estritamente instrumental, feita por Waldir Azevedo. Mas a relação com o grande público vem piorando, essa mídia massificadora não contribui em nada, é insistente em um determinado sucesso e não abre espaço para mais nada. Não se tem uma brecha, nem de vinheta, para a música instrumental. Felizmente, ainda tem um público que fomenta a nossa boa música instrumental.

Claudio Gadotti/Divulgação

A última faixa do álbum se chama Bahia e Grêmio. Por falar em avaliação, como anda o Baêa na sua opinião?

Armandinho – Pois é, vale a brincadeira com os nossos times. Bahia e Grêmio que saíram juntos da Série B (do Campeonato Brasileiro de 2022). O Bahia, coitado, pedindo socorro na Série A, estava melhor na Série B. Enfim, a gente quer que ele suba na Série A, assim como os outros times aqui da Bahia, que são pouco lembrados até pela mídia nacional, que só vai para os grandes times. Eu sou Bahia de coração, adoro tocar o hino do time. Bahia e Grêmio representa a brincadeira e a paixão pelo nosso futebol.

Quais são seus próximos projetos?

Yamandu – Os projetos são muitos. Agora com essa dinâmica da internet, de estar lançando singles, fazendo vídeos e álbuns, é uma produção constante, meio que sem parar. A gente tem uma série de discos pra lançar e já temos gravação de mais três álbuns em fevereiro. É muita coisa, e também aprendendo músicas novas pra tocar com orquestra… Enfim, agradeço as pessoas que têm curiosidade e as convido para se inscreverem nos nossos canais, em todas as plataformas e streamings. A gente está sempre atualizando e lançando coisas novas por lá praticamente toda semana.

Armandinho – Além desse trabalho com o Yamandu, em que pretendemos pegar a estrada tanto no Brasil quanto na Europa, tenho um projeto chamado Brazil Afro Symphonic, com orquestra e os jovens da escola do Olodum. Já fizemos na Europa e quero levar para os Estados Unidos. Também tem os shows com A Cor do Som, ganhamos o Latin Grammy em 2021 com o Álbum Rosa. Estamos na estrada lançando esse disco, no Brasil e na Europa. Ainda tem o trio elétrico Armandinho Dodô e Osmar, banda que toca no Carnaval de Salvador, e o show com os Irmãos Macêdo, chamado Música, Carnaval e Revolução.

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