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“A Paixão de Dante” canta o monumento de uma nova era

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“A Paixão de Dante” canta o monumento de uma nova era O compositor Vagner Cunha e os solistas Paola Bess, Flávio Leite e Carlos Rodriguez. Foto: Gilberto Perin/Divulgação

Em homenagem aos 700 anos da morte do poeta italiano Dante Alighieri (1265 – 1321), que serão completados no próximo dia 14 de setembro, a Bell’Anima Produções preparou dois projetos especiais que poderão ser conhecidos pelo público nessa data: o espetáculo A Paixão de Dante, composição de Vagner Cunha para coro, solistas e orquestra, e uma edição comemorativa do livro A Divina Comédia: Inferno, com tradução inédita de José Clemente Pozenato.

A estreia mundial da composição poderá ser acompanhada no dia 14/9 em transmissão ao vivo por este site. A apresentação ainda acontecerá presencialmente nos dias 14, 17 e 18/9, sempre às 20h, no Theatro São Pedro, em Porto Alegre – que opera com capacidade reduzida, seguindo protocolos sanitários. O espetáculo, cantado em italiano, poderá ser acompanhado em ambos os formatos com legendas simultâneas em português.

Dante Alighieri, por Sandro Botticelli/Reprodução

Os ingressos para as récitas estão à venda na plataforma Sympla, com valor único de R$ 33 para quem optar por assistir online e preços de R$ 40 a R$ 160 no presencial.

O livro também terá lançamento no sétimo centenário de morte de Dante, com vendas de exemplares, leituras e sessão de autógrafos com Pozenato no Foyer Nobre do Theatro São Pedro, no dia 14/9, das 18h30min às 19h45min. A obra, com preço de R$ 33, estará disponível ainda neste site e em livrarias de Porto Alegre.

Capa. Foto: Editora Fundação Antonio Meneghetti/Divulgação

Com duração aproximada de 150 minutos e dois intervalos, a composição é inspirada em Inferno, a primeira parte do poema A Divina Comédia, do escritor florentino. Assinada por Vagner Cunha, a obra para coro, solistas e orquestra tem regência do maestro Antonio Borges-Cunha.

Juntos, eles selecionaram os mais de 70 integrantes que participam do espetáculo. São 25 músicos de importantes orquestras do país e cinco instrumentistas que, por mérito, receberam a oportunidade de representar a Orquestra Jovem Recanto Maestro – iniciativa de caráter social e pedagógico da Fundação Antonio Meneghetti e da Associação OntoArte, que leva o ensino de música a crianças e jovens da quarta colônia de imigração italiana.

Os solistas são o tenor Flávio Leite, que interpreta Dante; a soprano Paola Bess, que dá vida à personagem Beatriz; o barítono Carlos Rodriguez, que desempenha o papel de Virgílio; além das sopranos convidadas Carine Fick Carla Knijnik, que interpretam as ninfas, e Elisa Lopes, que representa Francesca. Há ainda mais de 40 cantores do Coral Madrigal Presto, com preparação vocal de Lúcia Passos e do regente João Paulo Sefrin.

Solistas Flávio Leite, Paola Bess e Carlos Rodriguez. Foto: Gilberto Perin/Divulgação

Organizada de maneira intuitiva por Vagner Cunha, a composição tem três divisões. A primeira apresenta o início da jornada de Dante na selva escura, passando pelas portas do Inferno e vislumbrando a bela jovem Beatriz, musa de Dante, além de introduzir os demais protagonistas da parte inicial de A Divina Comédia. No segundo segmento, são percorridos oito círculos do Inferno. Por fim, na terceira etapa do espetáculo, chega-se ao nono e último círculo.

“A intenção sempre foi usar Dante e sua obra como ponto de partida para recuperar ideais humanistas, valorizando a arte e a tolerância. Queremos tocar as pessoas, estimular a empatia pela arte, por uma sala de concerto, pela cultura, não só a brasileira”, explica Vagner. Para compor a obra, o artista musicou os versos originais em italiano: “O texto de Dante é perfeito, a música já está ali, na sonoridade das palavras”.

Os textos originais utilizados no espetáculo foram selecionados por José Clemente Pozenato a partir da obra original de Dante Alighieri. Durante as apresentações, tanto no formato online como presencial, o público poderá acompanhar as legendas em português com a tradução inédita feita pelo autor gaúcho.

A soprano Paola Bess e o tenor Flávio Leite. Foto: Gilberto Perin/Divulgação

Encomendada por Claudio Carrara, diretor-geral da Bell’Anima, a edição comemorativa de A Divina Comédia: Inferno encara o desafio de adotar uma linguagem que aproxima o público brasileiro da indispensável grande obra. Com vocabulário direto e acessível, Pozenato criou um texto que se pretende ser compreendido e apreciado na atualidade.

“Toda tradução tem um pouco de ‘traição’: tradutore traditore. As traduções existentes buscam um tom rebuscado, que nunca foi a intenção de Dante. Nele a linguagem é direta e acessível. É o que se buscou nessa nova tradução: um texto para os dias de hoje, para ser lido e sentido, não apenas interrogado”afirma Pozenato.

A publicação bilíngue (italiano e português) com 236 páginas está sendo lançada pela editora da Fundação Antonio Meneghetti, sediada no Centro Internacional de Arte e Cultura Humanista Recanto Maestro, no Rio Grande do Sul – entre as cidades de Restinga Seca e São João do Polêsine. A editora, que existe desde 2010, tem entre seus focos de atuação a publicação de obras voltadas ao fomento da cultura humanista.

Carlos Rodriguez desempenha o papel de Virgílio. Foto: Gilberto Perin/Divulgação

Reverenciada como uma das maiores obras da literatura ocidental, A Divina Comédia é a obra-prima de Dante Alighieri, considerado o primeiro e maior poeta da língua italiana. O poema de viés épico e teológico escrito no século 14 é dividido em três partes: InfernoPurgatório Paraíso.

Sua importância vai muito além do poema em si. Em uma época em que apenas o latim tinha valor, a obra, escrita em italiano vulgar baseado no dialeto toscano, tornou-se a base da língua italiana moderna. Além disso, foi responsável por influenciar escritores e artistas em diversas regiões do planeta, tendo impactado não só a literatura mundial, mas também outras áreas da cultura – como a música, o cinema e até a arquitetura.

Além da composição e da tradução inédita dedicadas ao primeiro volume que compõe a obra de Dante, Vagner Cunha e José Clemente Pozenato ainda projetam criar nos próximos anos trabalhos sobre as outras duas partes do poema, lançando novas peças musicais e traduções dedicadas ao Purgatório e ao Paraíso.

Reprodução

Não é a primeira vez que Cunha e Pozenato trabalham juntos em torno de uma obra literária: em 2018 e 2019, a ópera em dois atos O Quatrilho, com música do compositor, levou para palcos como o Theatro São Pedro o célebre romance do escritor, com libreto do próprio autor. Lançado em 1985, O Quatrilho já tinha sido adaptado para o cinema em 1995 pelo diretor Fábio Barreto, em uma produção estrelada por Glória Pires e Patricia Pillar e indicada ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro no ano seguinte.

Nas entrevistas a seguir, Vagner Cunha falam sobre suas abordagens e visões de A Divina Comédia – que o escritor gaúcho define como “um monumento de uma nova era: encerra-se o ciclo do latim como língua universal e abre-se caminho para a pluralidade linguística”.

VAGNER CUNHA

Vagner Cunha no Theatro São Pedro. Foto: Gilberto Perin/Divulgação

O que motivou você a musicar os versos de Dante? Há quanto tempo você está envolvido nesse projeto?

Estou envolvido no projeto desde que Claudio Carrara começou a trazer o assunto enquanto cozinhávamos. A motivação inicial nunca é a mesma de quando se está fazendo. Se for a mesma, há algo errado. No meio do caminho eu me transformo e olho para dentro, daí a motivação que não havia antes surge como se sempre tivesse existido.

Do ponto de vista musical, qual caminho você seguiu no trabalho? Você buscou ecoar formas e estéticas da música da época de Dante?

Não sei definir o caminho que percorri. Talvez eu saiba responder a isso depois da estreia, mas acho improvável. As formas também não foram buscadas. Elas foram acessadas enquanto eu lia o texto e colocava as primeiras notas no papel. A escolha dos intérpretes, coro e instrumentistas foi a primeira pista para tudo. Aprendi a escrever música para as pessoas, e não vejo outro caminho. Se não conheço o intérprete a música não flui. Talvez essa seja a conexão mais próxima com o texto do Dante que eu possa citar.

Flávio Leite interpreta Dante. Foto: Gilberto Perin/Divulgação

Quais foram os principais desafios para essa adaptação musical?

Não se trata de uma adaptação musical. O texto é forte e se basta. Nunca houve necessidade de musicar o Dante, e a música que escrevi para os versos do poeta jamais surgiu para descrever o poema ou mesmo para elucidar algo. A necessidade de musicar o Dante sempre foi nossa. A motivação é a de sempre: pisar em terreno fértil.

Você já está trabalhando na musicalização do Purgatório e do Paraíso? Há previsão de estreia desses trabalhos?

Não há. Sempre que projetamos estreias de trabalhos que ainda não foram compostos elas simplesmente não acontecem. Só marcamos uma estreia ou traçamos planos depois de abrir a primeira janela da composição. De qualquer forma, está na fila um concerto para acordeão que escrevi para o Bebê Kramer e, provavelmente, uma nova temporada dos Saraus Bell’Anima.

JOSÉ CLEMENTE POZENATO

José Clemente Pozenato. Foto: Isadora Aquini/Divulgação

A Divina Comédia é um desafio para os tradutores, e o texto conta com traduções para o português elogiadas e criticadas na mesma medida. O que motivou você a se lançar em uma nova versão portuguesa dos versos de Dante? Há quanto tempo você está envolvido nesse projeto?

O principal motivo foi o de não encontrar em nenhuma das traduções para o português, tanto as feitas no Brasil como em Portugal, o sabor dos versos de Dante. Ou ficam rimando com particípios e gerúndios, à maneira de Camões, ou caem na tentação de usar palavras e rimas difíceis, no estilo parnasiano. Outra tendência das traduções existentes é esquecer o fluxo visual da narrativa, usado por Dante, e seguir apenas o caminho da elaboração conceitual, usado também por Dante, mas em segundo plano. Outro motivo é a celebração do sétimo centenário de sua morte, quando o mundo inteiro está dando atenção à sua obra.

Quais foram os desafios enfrentados nessa tradução?

O maior desafio foi descobrir “como Dante escreveria se escrevesse em português”, como sugeriu o poeta mineiro Dante Milano. A primeira descoberta foi a de que Dante usa o que na época se chamava de “língua vulgar”: há um tom de fala ao longo de toda a Divina Comédia, inclusive com expressões populares. Por exemplo, para definir o que hoje chamamos de “língua materna”, Dante escreve que é a língua “di mamma e babbo”: da mamãe e do papai! Os tradutores que conheço têm pudor de usar uma linguagem desse nível. E Dante usa também palavras consideradas obscenas, que os tradutores evitam. Não vou dar exemplos: o leitor pode encontrá-las na minha tradução do Inferno. Outro desafio foi de ordem técnica: encontrar o trio de rimas para cada terceto, mantendo o sabor e a musicalidade presentes no poema. Como a edição a ser lançada é bilíngue, o leitor pode confrontar as duas versões!

Quais seriam as características da sua tradução do Inferno?

Poderia resumi-las em três pontos: a) uso uma linguagem acessível ao leitor de poesia no Brasil, como fiz com a tradução do Cancioneiro, de Petrarca; b) mantenho o fluxo narrativo e visual da Comédia, deixando explícitos os cenários e os diálogos; c) procuro captar a “intenção” de Dante, para quando é necessário buscar formas de expressão que não existem na língua italiana.

Soprano Paola Bess dá vida à personagem Beatriz. Foto: Gilberto Perin/Divulgação

Como você definiria a importância de A Divina Comédia para a literatura universal e na cristalização do idioma italiano? Quais são os predicados que você mais ressaltaria na obra de Dante?

Para responder a essas questões seria necessário um tratado de história da cultura ocidental! Mas o que mais merece realce nesse seu poema é o fato de ele construir um monumento de uma nova era: encerra-se o ciclo do latim como língua universal e abre-se caminho para a pluralidade linguística. Patrimônio que hoje volta a ser valorizado. Cito o reconhecimento do “Talian”, língua criada no Brasil pelo imigrante italiano, como patrimônio linguístico nacional. Foram os poetas do “stil nuovo”, entre eles, Dante Alighieri, os que abriram essas portas.

Você já está trabalhando nas traduções do Purgatório e do Paraíso? Há previsão de publicação dessas versões?

Sim, já concluí a tradução do Purgatório e estou na metade do Paraíso. Não há ainda previsão de sua publicação. Para usar uma expressão de Dante, estamos “no meio do caminho”!

Foto: Gilberto Perin/Divulgação

SERVIÇO

Espetáculo A Paixão de Dante

Composição de Vagner Cunha para coro, solistas e orquestra

Estreia mundial dia 14 de setembro, terça-feira, às 20h, no Theatro São Pedro e em transmissão ao vivo neste site

Dias 17 e 18 de setembro, sexta e sábado, às 20h, no Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, Centro Histórico, Porto Alegre/RS)

Ingressos

Transmissão online (somente no dia 14 de setembro): R$ 33

À venda aqui

Presencial (nos dias 14, 17 e 18 de setembro)

Galerias: R$ 40 inteira | R$ 20 meia entrada

Camarote lateral: R$ 60 inteira | R$ 30 meia entrada

Camarote central: R$ 90 inteira | R$ 45 meia entrada

Plateia: R$ 160 inteira | R$ 80 meia entrada

À venda aqui

Descontos

10% de desconto para quem apresentar a carteira de vacinação contra a covid-19

Duração: aproximadamente 150 minutos

Classificação etária: 12 anos

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