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Agulha comemora 5 anos em festa com protagonismo negro de Sampa The Great e dos coletivos Bronx e Turmalina

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Agulha comemora 5 anos em festa com protagonismo negro de Sampa The Great e dos coletivos Bronx e Turmalina Sampa The Great. Foto: Travys Owen

Um dos espaços culturais mais importantes de Porto Alegre, o Agulha comemora cinco anos repletos de shows, eventos artísticos, drinks, gastronomia e, acima de tudo, encontros de uma cena formada por músicos, técnicos, produtores, equipe da casa e um total de aproximadamente 100 mil frequentadores. Para dar conta do público formado ao longo dessa trajetória, o bar realiza seu baile de aniversário no URB Stage, neste sábado (20/8), a partir das 18h.

A festa tem como destaque a rapper zambiana Sampa The Great, em sua primeira turnê brasileira. O baile reúne ainda o grupo 8TET 4+4 – liderado pelo músico Lucas Brum, com participação de Nina Nicolaiewsky –, o DJ baiano radicado em Recife Patrick Tor4, o bloco carioca Minha Luz é de LED e DJs dos coletivos porto-alegrenses Bronx e Turmalinaconfira as entrevistas com Cocoa Mami e Hustla (Bronx) e Tom Nudes (Turmalina) a seguir.

Desde os primeiros eventos em junho de 2017, o Agulha já recebeu mais de 350 artistas como Duda Beat, Jards Macalé, Luedji Luna e Metá Metá – para citar apenas alguns dos mais conhecidos –, além de atrações locais e nomes nacionais que fizeram seus primeiros shows em Porto Alegre no palco da rua Conselheiro Camargo, no bairro São Geraldo.

“O Agulha tem muito o caráter de apresentar artistas. O que mais nos deixa feliz é alguém chegar na porta e dizer: ‘Não sei qual é a banda de hoje, mas vou entrar porque aqui toca música boa’”, conta Guilherme Thiesen, curador da casa noturna. Thiesen ressalta que o Agulha “é mais do que está expresso no palco”, citando a diversidade da equipe – mantida em sua totalidade ao longo dos períodos mais críticos da pandemia –, a relação com o bairro, as parcerias envolvendo produtores, artistas, eventos e apoiadores e a potência dos encontros que acontecem no espaço, liderado pelos irmãos Eduardo Titton e Fernando Titton.

Coletivo Bronx celebra cultura negra e liberdade dos corpos de pessoas pretas e LGBTQI+

Festa Bronx Cyberfunk. Foto: Josemar Afrovulto

O baile de aniversário do Agulha tem o Bronx entre seus convidados. A história do coletivo começa no segundo semestre de 2016, quando Clara Soares (Cocoa Mami), aos 19 anos, e Rhuan Santos (Hustla), então com 21 anos, promoveram a primeira festa Bronx numa garagem na avenida Júlio de Castilhos, em Porto Alegre. “A gente já era DJ, promoter e frequentava festas, mas não encontrava muitas oportunidades para tocar. As casas noturnas chamavam mais pessoas brancas, usando a cultura negra – hip hop, rap, funk – para atrair o público. A Bronx surgiu da necessidade de um espaço de protagonismo para pessoas pretas e LGBTQI+”, conta Cocoa Mami.

Cocoa Mami. Foto: Josemar Afrovulto

Na mesma linha, Hustla, coprodutor do coletivo, observa que “o destaque da Bronx no cenário noturno é o protagonismo do jovem em criar seus espaços seguros, em torno de uma cultura representativa que lhes garante segurança e empoderamento”. Desde 2016, a dupla já organizou mais de 40 festas temáticas com foco em apresentar DJs locais – as exceções foram as participações da funkeira carioca MC Carol e do grupo paulista de trap Recayd Mob. A festa Bronx mais recente, realizada em 6 de agosto, no Oculto, teve o conceito cyberfunk como norteador estético.

Hustla na festa Bronx Cyberfunk. Foto: Josemar Afrovulto

“Sempre buscamos um espaço mais under, sem estética de casa noturna. Aos poucos, o rolê foi tomando um viés mais político e uma proporção maior. Começamos a ser convidados para palestras e eventos fora do âmbito das festas”, recorda Cocoa Mami. “Nosso propósito sempre foi impulsionar outras pessoas para mudar a cena como um todo. Depois da Bronx, surgiram muitos outros rolês de jovens pretos e pessoas LGBTQI+ com propostas parecidas”, completa a DJ, destacando ainda o interesse da Bronx pela “liberdade das pessoas se vestirem e agirem como quiserem, respeitando umas às outras”.

A DJ destaca o caráter independente e familiar da festa, que envolve parentes dela e de Hustla em atividades como caixa, bar, portaria e chapelaria. “Assumimos um risco grande. Toda a família conta com aquele dinheiro. Minha mãe e meu irmão trabalham desde a primeira edição.” O engajamento de Marusa Pereira, mãe da DJ, foi tanto, que a festa acabou sendo escolhida como objeto de seu trabalho de conclusão no curso de Ciências Sociais da PUCRS. “Tenho certeza de que, se não tivesse a mãe que tenho, não faria nada do que faço. Ela sempre foi muito mente aberta”, conta a filha.

Após os anos períodos mais críticos da pandemia, a Bronx recupera gradualmente seu espaço. Em 2022, a festa tem sido realizada mensalmente, com datas confirmadas até o final do ano. Em outubro, a Bronx terá um palco no festival Rap in Cena, que acontece nos dias 15 e 16 de outubro, no Parque Harmonia, em Porto Alegre.

Cocoa Mami. Foto: Josemar Afrovulto

Aos 25 anos, Cocoa Mami mescla em seus sets estilos que vão do hip hop ao funk, passando pela música eletrônica. Também lançou dois singles, Flash (2020) e Foco (2022), mostrando sua faceta rapper. No momento, ela trabalha na produção de um novo trabalho como cantora, que deve sair ainda neste ano. Além de produtora, DJ e cantora, Clara Soares é modelo desde 2017, atualmente vinculada à agência Ford Models, realizando ensaios para diversas marcas.

A artista atribui a atuação múltipla ao contexto familiar repleto de pessoas envolvidas com música, eventos e empreendedorismo. “Na minha família, todo mundo toca instrumento, canta alguma coisa ou é empreendedor. Uma prima é trancista, outra é terapeuta holística, outra já teve padaria, um primo é bailarino. Minha tia fazia galetos dançantes com a banda dos tios, meu irmão mais novo era da OSPA, um tio escrevia músicas de Carnaval… Todo esse rolê tá inserido na minha criação”, conta a DJ, que aos 14 anos já participava de um grupo de funk. Ela e Hustla se apresentam no baile do Agulha.

Turmalina propõe retomada da música eletrônica como expressão negra

DJ Tom Nudes, integrante do coletivo Turmalina. Foto: Yuri Junges

Outro destaque da festa do Agulha, o coletivo Turmalina foi criado em 2017 com o mesmo desejo de pessoas negras buscando pertencimento e representatividade na cultura DJ – uma necessidade “individual, coletiva e ancestral”, segundo Tom Nunes (Tom Nudes), que integra o coletivo desde 2018. “Por ser LGBTQI+ e negro, a noite sempre me ofereceu um pouco mais de bem-estar do que qualquer outro lugar”, conta o DJ.

“Foi surgindo uma vontade de estarmos mais próximos dos nossos. É muito diferente quando é da gente pra gente, nem sabíamos que precisávamos tanto. Nos fortalece demais”, diz Tom, que também é cofundador do coletivo Arruaça, que promove festas de rua desde 2015.

Em um post no Instagram, o coletivo declara que “a Turmalina, assim como todo lugar de coletividade preta é sobre acolhimento, é sobre se afirmar, é sobre se sentir foda, é sobre pertencer, é sobre não ser o único e nem mais um, a Turmalina é sobre se aquilombar com aqueles que querem algo que não era dado, foi lá e pegou pra si”. No texto, os integrantes do coletivo afirmam que a iniciativa “nasceu da necessidade de nós pretos nos enxergarmos em locais de evidência. Como protagonistas da cena eletrônica e musical de Porto Alegre. Nesse estado tão racista como o Rio Grande do Sul. Sentimos a necessidade de construir narrativas positivas para pessoas pretas, além de criar caminhos de trocas de conhecimentos entre nós”.

Atualmente o Turmalina conta com 12 participantes. Além de Tom, Chico, Faylon, Felix, Gugu, Imgfiction, Mari Gonçalves, Nicolas, Pianki, Saskia, Suelen Mesmo e Turva, responsáveis pela criação de sets, performances e projetos audiovisuais e de arte digital – Tom e Faylon tocam na festa do Agulha. “É muito louco pensar que a música eletrônica tem suas origens negras, enquanto os grandes clubs mal tocam sons de pessoas negras, e elas mal frequentam esses locais”, reflete Tom, que problematiza o senso comum em torno da música eletrônica: “funk e tecnobrega são música eletrônica e ainda não são entendidas como tal, o que diz muito sobre o que vivemos”.

Tom Nudes. Foto: Guilherme Campos

Aos 30 anos, ex-aluno de Engenharia Hídrica na UFRGS – quando viveu o começo da política de cotas integrando o coletivo Negração –, Tom atualmente mora em Pelotas, onde cursa o terceiro semestre de Jornalismo na UFPel. O DJ recorda que ouviu muito charme e funk quando criança e enxerga um “processo de retomada” da música eletrônica por produtores, DJs e públicos negros: “É sobre reconhecer que essa música também é sua, em festas e lugares que conversam com a existência de pessoas negras”.

Tom conta que as festas do coletivo acabam atraindo pessoas que não tinham intimidade com a música eletrônica, mas acabam se aproximando por conta do desejo de frequentar ambientes com atrações e público majoritariamente negros. Tom pondera ainda que, “apesar de serem festas de pessoas pretas pensando em pessoas pretas, não é só para elas. A galera branca também cola”.

Em 2020, o coletivo Turmalina foi contemplado pelo Edital Natura Musical para desenvolver um projeto de residência artística. No ano seguinte, nasceu a Feijoada Turmalina, com a proposta de compartilhar conhecimentos de produção musical, mixagem e equipamentos, entre outros temas, com pessoas negras de Porto Alegre e Região Metropolitana. O resultado visual e sonoro dos encontros, realizados no Afrosul Odomodê, será lançado em setembro.

Com referências como os quilombos e a feijoada, o coletivo Turmalina desenha seus territórios de resistência e vínculos afetivos. “Buscar o que aconteceu antes para se entender no presente e criar um futuro”, nas palavras de Tom, é o que importa.

Baile de 5 anos do Agulha
Quando: 20 de agosto de 2022
Horário: 18h
Onde: URB Stage (rua Beirute, 45 – Navegantes – Porto Alegre)
Ingressos à venda pela plataforma Sympla
O evento expandido da festa começa com aquece na rua, em frente ao URB Stage, com opções gastronômicas e atrações surpresa

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