Catálogo apresenta trajetória experimental do Kino Beat
De um projeto de estágio a um evento que é realizado há mais de uma década, explorando diferentes formatos e linguagens – do audiovisual à música, passando pelas artes visuais. Desde 2009 o Kino Beat abre espaço para essa pluralidade de manifestações, liderado pelo produtor cultural Gabriel Cevallos – leia a entrevista a seguir e confira a lista de obras selecionadas por ele, ao final da matéria.
“Nunca imaginei que se tornaria um festival, tão longevo, e que fosse se expandir em suas temáticas e abordagens como aconteceu”, conta o idealizador do evento, cuja trajetória de 11 anos agora é contada em um catálogo, lançado no final de 2020 e viabilizado por edital emergencial da Secretaria Municipal da Cultura de Porto Alegre, com recursos da Lei Aldir Blanc.
Com 236 páginas, a publicação – disponível para download – resgata as origens do projeto, as transformações do Kino Beat ao longo dos anos – de mostra de cinema a festival – e os artistas e obras que passaram pelo evento. No texto de abertura do catálogo, Cevallos descreve o trabalho desenvolvido por ele como uma “curadoria mixagem”.
“[O conceito] representa uma amálgama da minha formação acadêmica e profissional: um DJ que vai estudar cinema, começa a fazer curadoria (nesta ordem) e tenta achar os pontos de convergência dessas práticas, como o conhecimento generalista, a pesquisa, a mediação e a capacidade de criar narrativas para propor ações artísticas”, explica o organizador do Kino Beat.
Na entrevista a seguir, além de falar sobre o catálogo e o conceito de “curadoria mixagem”, Cevallos comenta os desafios enfrentados pelo Kino Beat e pelos produtores culturais do país, a importância de editais de apoio à atividade artística e as lições da pandemia para o contexto pós-vacina.
Como surgiu a ideia de produzir esse vasto catálogo e quais são os objetivos da publicação?
A ideia estava sendo gestada para 2023, quando o Festival Kino Beat completaria 10 anos, se fosse realizada uma edição por ano, como vem acontecendo desde 2014. Mas aí chegou 2020, e mudou tudo, né? Então resolvi tirar a ideia antes da gaveta. Além de apresentar apenas a história das seis edições do festival, incluí as atividades pregressas que deram origem ao Kino Beat: a Mostra Kino Beat de filmes e o Kino Beat ao Vivo.
Por isso os 11 anos e o tamanho do catálogo: são quatro anos pré-festival e seis de festival, sendo que o último começou em 2019 e terminou em 2020. O objetivo inicial foi o de documentar para preservar a memória, apresentar em um único documento tudo o que foi produzido com a marca Kino Beat. Pelo pioneirismo e particularidade das programações propostas, acho que tem o potencial também de ser um documento de pesquisa, para profissionais interessados no cruzamento entre arte, música, audiovisual e tecnologia.
Ao longo de 11 anos, o Kino Beat explorou diferentes formatos de realização e linguagens artísticas. No texto de abertura do catálogo, você menciona a “curadoria mixagem”. Poderia nos falar mais sobre esse conceito e como ele norteia a concepção do evento?
Esse é um conceito que apresento em público pela primeira vez agora, no texto do catálogo, e que pretendo aprofundar como uma metodologia própria, mas ainda não escrevi muito mais a respeito além do que está na publicação. Mas ele representa uma amálgama da minha formação acadêmica e profissional: um DJ que vai estudar cinema, começa a fazer curadoria (nesta ordem) e tenta achar os pontos de convergência dessas práticas, como o conhecimento generalista, a pesquisa, a mediação e a capacidade de criar narrativas para propor ações artísticas. Esse conceito sintetiza a minha forma de criar associações, onde tudo pode estar relacionado a algo, basta achar e fazer a relação (mixagem) mais adequada para o momento e os elementos envolvidos. Acredito que essa amplitude me permite, no Kino Beat, experimentar e radicalizar, criando uma “curadoria mixagem”, por exemplo, onde um show de funk e uma exposição de artes visuais podem habitar a mesma programação e serem atravessadas pelo mesmo discurso, seja ele aparente ou cifrado.
Quais transformações aconteceram no Kino Beat nesse período e quais foram as principais conquistas e dificuldades?
Foram muitas mudanças! Nunca imaginei que se tornaria um festival, tão longevo, e que fosse se expandir em suas temáticas e abordagens como aconteceu. O Kino Beat nasceu como um projeto de estágio em 2009. Acho que esse é um dado interessante para analisar a evolução até 2020, com destaque para alguns marcadores: a origem como Mostra Kino Beat de filmes relacionados à música (2009 a 2011); o projeto Kino Beat ao Vivo (2012-2013); e a criação do festival em 2014 até o momento. No texto de abertura do catálogo, eu conto toda essa história de forma cronológica, para quem quiser mais detalhes.
A principal conquista e dificuldade são paradoxais: continuar existindo. Esse é o tamanho do desafio de trabalhar com cultura neste país – especialmente agora – existir, resistir e seguir criando. Mas apesar deste cenário de obscurantismo e dos parcos recursos, tenho orgulho do desenvolvimento e de toda a trajetória do Kino Beat, e continuo entusiasmado.
Qual a importância de parcerias e editais para a viabilização de projetos como o Kino Beat?
É vital. A própria produção do catálogo foi através feita através de um edital – o edital emergencial de auxílio à cultura da Secretaria Municipal da Cultura de Porto Alegre, com verba proveniente da Lei Aldir Blanc. A maior parte da produção cultural brasileira é alicerçada e dependente do estado, seja via editais públicos ou renúncia fiscal, então temos que lutar para que esses mecanismos funcionem e se aprimorem, ao mesmo tempo em que se tenta desenvolver outras formas de financiamento.
O Kino Beat teve três parcerias fundamentais em sua história: a primeira com a Prefeitura, onde o projeto foi incubado na Coordenação de Cinema, Vídeo e Fotografia; o segundo com o Sesc RS durante quatro anos e que resultou na criação do festival; e os últimos dois anos com a Oi Futuro.
Por fim, a pandemia afetou de forma brutal o setor cultural. Por outro lado, longe de amenizar os efeitos dessa crise, artistas e eventos buscaram alternativas online. Como produtor cultural, que aprendizados você tira desse momento? E quais são as perspectivas do Kino Beat para 2021?
Talvez o aprendizado principal seja o de buscar, de forma mais intensa, diversificar a atuação. É o que estou planejando com o Kino Beat, até porque essa abertura está no DNA da marca. E a necessidade de trabalhar com o digital de forma profunda, explorar as possibilidades que são específicas do meio, e não tentar replicar o presencial no virtual. Claro que isso é complicado e envolve custos, mas esse é o grande diferencial que vejo daqui para adiante, e não tem volta.
A perspectiva para 2021 é de melhora, mesmo que ainda incerta. Acredito que, para o segundo semestre, com a vacinação avançando, as atividades presenciais possam crescer e com isso a cultura se beneficiar. Com o Kino Beat, tenho muitas ideias represadas e uma sétima edição do festival para tentar realizar, visto que em 2020 não foi possível. O projeto já está pronto, e estou na busca de financiamento. O movimento de transformação do festival seguirá, sempre aberto para explorar novas linguagens, formatos e possibilidades de imaginar o mundo.
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Convidamos Gabriel Cevallos a selecionar trabalhos, disponíveis online, de artistas que participaram do Kino Beat:
Selecionei uma atração por ano de festival, apresentando um panorama da diversidade de artistas e propostas que passaram pelas seis edições.
1º Festival Kino Beat
Especial Orquestra Vermelha, um músico e uma banda de sombras:
2º Festival Kino Beat
Laptop Coral, de Giuliano Obici, simulacro de um coral feito por 12 laptops que cantam:
3º Festival Kino Beat 4º Festival Kino Beat 5º Festival Kino Beat 6º Festival Kino Beat
Martin Messier apresenta a performance Field:
Edgar, rapper que versa sobre mudanças climáticas:
A Poética dos Fungos, de Tuane Eggers – intervenção urbana de fotos em outdoors pela cidade: