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Deborah Colker entrelaça o clássico e o ancestral em “Sagração”

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Deborah Colker entrelaça o clássico e o ancestral em “Sagração” Foto: Flávio Colker/Divulgação

As composições do russo Igor Stravinsky (1882 – 1971) se encontram com ritmos brasileiros para revelar caminhos evolutivos em Sagração, novo espetáculo da Companhia de Dança Deborah Colker. O trabalho, que celebra os 30 anos da companhia, terá sessões em Porto Alegre, nos dias 19 e 20 de abril, no Teatro do SESI, e em Novo Hamburgo, no dia 22 de abril, no Teatro Feevale.

“Meu foco era chegar no Brasil antes de 1500. Queria falar sobre a criação do mundo, já que o Stravinsky fala disso. Acho que consegui fazer a minha Sagração, a minha versão – uma versão brasileira”, explica a coreógrafa Deborah Colker.

Com dramaturgia do rabino Nilton Bonder, o espetáculo é uma adaptação de A Sagração da Primavera, obra de Stravinsky que ganhou projeção em montagem que estreou em Paris em 1913, com coreografia de Vaslav Nijinsky para a companhia Ballets Russes

Foto: Flávio Colker

Na obra clássica, Stravinsky apresenta um ritual pagão de camponeses que oferecem uma jovem em sacrifício a uma divindade da primavera para o ciclo da vida ter continuidade. A composição inclui estruturas rítmicas e harmônicas nunca antes utilizadas em partituras, que romperam com os padrões estabelecidos até então.

“A música fez muito parte de mim até eu entrar no mundo da dança. Conhecia Stravinsky, já sabia da importância dessa obra e a bagunça que fez. Ele compôs A Sagração da Primavera para ser dançada, e eu tinha isso dentro de mim quando comecei a dançar. Eu sabia: um dia terei que fazer a minha Sagração”, explica Deborah.

O desenvolvimento do espetáculo durou dois anos e meio, e foi em uma viagem ao Xingu, durante o ritual Kuarup, na convivência com as aldeias indígenas Kalapalo e Kuikuro, que Deborah teve contato direto com músicas, danças, lutas, pinturas e histórias indígenas – elementos que foram fundamentais para a criação de Sagração

Após a experiência, a bailarina soube que tinha chegado o momento de levar seu desejo antigo aos palcos e, ainda, fazer uma ponte entre o clássico e o ancestral, a partir da cosmovisão dos povos originários do Brasil. Em parceria com Deborah, o diretor musical Alexandre Elias mesclou a partitura instrumental de Stravinsky com ritmos brasileiros, sons das florestas e sonoridades como boi bumbá, coco, afoxé e samba.

Integrando os acordes dos instrumentos de orquestra, Alexandre Elias adicionou flauta de madeira, maracá, caxixi e tambores. Os paus de chuva – instrumento de percussão e ritmo em formato cilíndrico – também entram em cena no arranjo executado ao vivo pelos bailarinos. 

Foto: Flávio Colker

O espetáculo Sagração é dividido em 14 cenas: Avó do Mundo; Bactérias; Herbívoros; Quadrúpedes; Caça e Origem do Fogo; Abraão; O Viajante; Serpentes e Parto; Eva e Serpentes; Reconhecimento do Corpo; Agricultura; Conflito; Avó do Mundo; Destruição; e Sonho.

Englobando cosmovisões indígenas, bíblicas e judaicas e o evolucionismo de Darwin, a dramaturgia do espetáculo traz mitos e teorias que refletem sobre a existência da vida no planeta. Sagração inicia com a avó do mundo, personagem importante para os povos originários, que traz a luz para a terra, representando também o mito da origem do fogo, o mito bíblico de Abraão e Eva, perpassando por diversos caminhos evolutivos.

“Eu trago uma Eva sem Adão”, brinca a coreógrafa. “Trago uma Eva negra, que rompe, que transgride. Quando sai do paraíso, ela não comete o pecado, ela tem uma desobediência evolutiva, de expansão da mente. É muito legal olhar essa personagem de outro jeito.”

Fotos: Flávio Colker

“Começamos com bactérias, organismos unicelulares. Conforme crescemos, vamos rastejando, aumentando de tamanho, nos tornando animais herbívoros que começam a comer plantas e subir em árvores. Até que os animais começam a crescer e se transformar em quadrúpedes, chegando aos Homo sapiens bípedes, que somos nós. Nisso eu trago muitos mitos de criação de várias cosmovisões”, explica Deborah.  

Em continuidade com os corpos dos bailarinos, o cenário criado pelo diretor de arte Gringo Garcia remete às florestas do Brasil e traz um elemento que permeia todo espaço cênico: o bambu. “Penso o bambu como extensão do corpo. Ele é simbolicamente muito importante, considerada a planta da tolerância. É flexível, vai de acordo com o vento. Não é rígido nem arrogante, é uma planta que enverga, mas não quebra”, comenta Deborah. Em cena, são cerca de 170 bambus que delineiam o espaço cênico, sendo transformados em barcos, casas, lanças, chão e céu.  

Sagração completa a trilogia da companhia, que inclui Cão sem Plumas (2017) e Cura (2021), e dá sequência à parceria com Claudia Kopke, que foi figurinista dos dois espetáculos. “Em Cão sem Plumas construímos uma pele de lama, e em Cura, uma pele em carne viva. Na criação de Sagração, perguntei à Claudia, como é a pele de uma bactéria? Como seria a pele de uma espécie evolutiva em transformação? Levamos em conta muitos aspectos da natureza, tentando representar um pouco da sua perfeição”, afirma Deborah. 

Foto: Flávio Colker

Um dos destaques é o momento em que é contado o mito da origem do fogo, onde o figurino atua diretamente na narração da história, vestindo os bailarinos de fogo, caça, caçador e Urubu-rei – que, por ser dono do fogo, o entrega aos povos do chão. “É quase uma alegoria. Fizemos uma grande pesquisa para conseguir encontrar esse aspecto e não ser algo voltado ao teatro infantil, porque não é. O figurino é uma coisa imaginativa, abstrata, que engloba cores, formas e texturas”.

Fundada em 1994 por Deborah e pelo diretor-executivo João Elias, a Cia. Deborah Colker já realizou mais de duas mil apresentações, em mais de 100 cidades, de 35 países, reunindo um público de cerca de 4 milhões de pessoas. “São 30 anos afirmando que a dança é poderosa, transformadora, que a dança educa, assim como a arte e a cultura. Elas são a epiderme, a carne, o conhecimento que temos de cada um de nós nesse lugar. É uma guerra ter resistido até hoje com tantas situações políticas no Brasil e com tantas dificuldades”, conta Deborah. 

Ao relembrar as origens da companhia, a coreógrafa comenta que a teimosia foi essencial: “Minha mãe falou ‘filha, ninguém sabe o que é dança contemporânea e você vai fazer uma companhia de dança? Faça uma companhia de samba, de bossa nova, sei lá, de qualquer coisa’. E aí nós fomos teimosos”.

Serviço

Sagração, da Companhia de Dança Deborah Colker

19 e 20 de abril, sexta-feira e sábado, às 21h e às 20h, respectivamente 
Teatro do SESI (Av. Assis Brasil, 8787 – Sarandi, Porto Alegre)
Ingressos aqui, com valores entre R$ 100 e R$ 200, e R$ 19,80 e R$ 38,60 em entradas populares

22 de abril, segunda-feira, às 20h30
Teatro Feevale (ERS-239, 2755 – Câmpus II da Universidade Feevale – Novo Hamburgo)
Ingressos aqui, com valores R$ 60 e R$ 140

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sexta-feira, 19 a 22 de abril de 2024

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