Artes Visuais | Reportagens

Exposição apresenta trajetória de Christina Balbão

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Exposição apresenta trajetória de Christina Balbão Foto: Isabela Giongo

O Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) comemora seus 70 anos de fundação em julho de 2024. Porém, as comemorações já começaram. Christina Balbão – Além do Silêncio, atualmente em cartaz no primeiro andar expositivo do museu – nas Pinacotecas e na Sala Aldo Locatelli –, é uma das principais mostras que marcam a efeméride. 

Com curadoria de Cristina Barros, curadora do MARGS, acompanhada pelas curadoras convidadas Blanca Brites e Mel Ferrari, a exposição é a primeira exposição individual de Christina Balbão (1919-2007). Apesar de ser um nome conhecido e querido de muitos porto-alegrenses ligados ao campo das artes, sobretudo por artistas que se formaram no Instituto de Artes da UFRGS, suas obras, até então, não eram tão familiares assim. 

“Ainda que a produção de Balbão apresente valor técnico, artístico e histórico, o conhecimento sobre sua produção como artista ficou resguardado à geração que presenciou suas apresentações em exposições coletivas até a década de 1960”, escrevem as curadoras no texto de apresentação da exposição. A mostra do MARGS, que se tornou possível graças à doação, pela família, de parte do acervo da artista para a instituição, agora transforma esse cenário.

De personalidade discreta e modesta, foi através da investigação em arquivos pessoais e entrevistas com a artista que foi possível recuperar a sua atuação enquanto artista, professora e uma das primeiras integrantes da equipe do próprio MARGS. Ao longo de seus 90 anos, Balbão levou uma vida dedicada ao campo artístico. Graduou-se no então Instituto de Belas Artes da UFRGS, hoje Instituto de Artes, em Pintura, em 1938, e alguns anos depois, em 1942, em Escultura. Estudou sob a tutela de importantes professores como Fernando Corona e Luís Maristany Filho, os quais demonstraram reconhecer suas habilidades ao convidarem Balbão para ser assistente nas disciplinas que lecionavam. 

Sua época de maior produção poética, conforme aponta a pesquisa curatorial e o recorte de obras apresentado na exposição, foi até os anos 1960, quando deixou a pintura em segundo plano, preterida por sua atuação docente no Instituto de Artes e como Assistente Técnica do próprio MARGS.  

Uma professora de vanguarda 

Sua trajetória enquanto docente começou como professora de desenho na Escola Experimental Fernando Gomes, hoje Escola Técnica Ernesto Dornelles e, conforme relatam as curadoras a partir de depoimento da própria artista, esse período, para Balbão, ficou marcado pelo prazer que tinha no contato com as crianças que, conforme a artista, “têm liberdade e audácia para tentar tudo sem censura”. Era essa liberdade que ela buscava trazer para os seus estudantes. 

Balbão estava alinhada com preceitos da Escola Nova do Brasil, que tinha na experiência um dos principais motores para a educação. Essa prática seguiu impregnando sua atuação ao chegar no Instituto de Artes da UFRGS, em 1945, como professora titular da disciplina de desenho. 

Sua prática em sala de aula marcou diferentes gerações que lembram o caráter livre e experimental de suas aulas. Os alunos podiam experimentar diferentes caminhos em suas práticas artísticas, respeitando as diferentes percepções, ideias e estágios de desenvolvimento de cada um e sempre priorizando a criatividade e a liberdade de imaginação e pensamento. Além disso, ela complementava o conteúdo programático com outras artes, como música, arte popular, literatura e teatro. Com esses ideais, Balbão buscava romper com o modelo tradicional e acadêmico de até então. 

Foto: Isabela Giongo

Artista pioneira

Empenhando suas horas produtivas em ensinar, orientar e acompanhar as experimentações dos outros e dedicando as noites aos seus afazeres de assistente do museu, sua própria produção, com o passar dos anos, acabou ficando em um segundo plano. Além do Silêncio traz como foco curatorial justamente a variedade do seu fazer artístico, sobretudo a sua incursão no mundo da abstração, algo até então inédito para uma artista mulher da sua geração. 

A pesquisa conduzida por Barros, Brites e Ferrari possibilitou identificar o caráter pioneiro da produção de Balbão que, além de pinturas abstratas, também produziu desenhos, pinturas e esculturas figurativas. A exposição propõe aos espectadores uma visita aos diferentes eixos de atuação que marcaram a sua trajetória, definidos pelas curadoras em três grandes segmentos norteadores: as esculturas, os autorretratos e o período da abstração. 

No salão central do MARGS está um conjunto de 11 cabeças em gesso, expostas em diálogo com a foto da artista. “Em suas esculturas, mantendo a identidade fisionômica de seus modelos, Christina valoriza uma modelagem expressiva”, afirma Brites ao apontar sentimentos como tristeza, imponência e fadiga expressos nas feições de três das esculturas apresentadas. 

O segundo segmento que ganhou destaque na mostra foram os seus autorretratos, um gênero que permeia a história da arte desde os seus tempos mais remotos. “Christina trabalha dentro de uma linha realista e, em seus desenhos, ela se retrata em vários ângulos sempre com o olhar firme, sobrancelhas bem delineadas, segura de si. São poucos os desenhos em que ela suaviza sua fisionomia”, aponta Brites. Os retratos apresentados são ora em carvão sobre papel ora pintura sobre tela e demonstram uma habilidade inegável tanto da percepção da figura e expressão humana quanto das rigorosas técnicas de composição, volume, luz e sombra.

Fotos: Isabela Giongo

Mas, para as curadoras – e talvez também para o público, que depara-se com uma produção poética diferente –, o ponto forte da exposição é a apresentação de sua produção ligada à abstração. São pinturas sobre tela que dialogam com o expressionismo abstrato ou, em uma sugestão mais ousada, algo como um abstracionismo surrealista, de formas mais orgânicas, livres e fantasiosas. Nessas obras, é possível perceber, como nota Brites, uma predominância de linhas curvas, formas onduladas e o uso de uma mesma paleta de cores, indicando que a sua feitura faz parte de uma mesma época. 

Se estas obras situadas bem ao centro e ao fundo marcam o passeio e trazem o ineditismo de sua produção, por outro lado, outras pinturas figurativas introduzem o caminho de Balbão à abstração, tornando-se também uma incursão interessante no processo da artista. São obras sobretudo de paisagens e cenas cotidianas de ruas, praias, barcos, igrejas, que são dispostas lado a lado com imagens semelhantes mas nas quais é possível perceber uma progressiva economia de gestos, uma feitura mais sintética, com menos detalhamento. 

Apesar da sensação do visitante que percorre as salas do MARGS ser a de visitar uma exposição bastante figurativa, Blanca Brites ressalta a importância e a centralidade desta mostra e da produção de Balbão para uma revisão da história da arte produzida no  Rio Grande do Sul: “Desde já, a História da Arte do estado deve ser repensada no que se refere à abstração. Pois o nome de Christina Balbão deve ser incluído como sendo a primeira artista a realizar obras abstratas desde o final dos anos 1940”, conclui. 

Fotos: Isabela Giongo

Projeto de museu  

No ano de fundação do Museu, em 1954, Balbão assumiu o cargo de Assistente Técnica da instituição. Trabalhou ao lado de Ado Malagoli, fundador e primeiro diretor do MARGS, e da colega, também professora do Instituto de Artes e artista, Alice Soares. Durante mais de 30 anos, colaborou com a instituição, estando presente em 16 gestões diferentes, e atuando em todas as frentes de trabalho, desde a organização do acervo até a mediação dos públicos visitantes. 

Sua forma de trabalhar no museu também estava associada ao caráter livre que trazia para a sala de aula. A presença de Balbão na instituição foi central para estruturar diversas áreas e, como a exposição deixa claro, ela foi uma peça fundamental da concepção e execução do projeto de museu que deu origem e forma ao MARGS como o conhecemos hoje, um museu vivo e ativo. Uma justa homenagem à Christina Balbão e aos 70 anos de história da instituição. 

*

A exposição fica em cartaz, no primeiro andar expositivo do MARGS (Praça da Alfândega, s/no – Centro Histórico), até 10 de março de 2024, com visitação gratuita, de terça a domingo, das 10h às 19h. Visitas mediadas para grupos e escolas podem ser agendadas pelo e-mail [email protected]

A mostra conta também com um amplo Programa Público de ações educativas, que incluem oficinas, atividades educativas, ações de acessibilidade, visitas mediadas e palestras que já estão acontecendo e seguem até o término do período expositivo. 

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