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O que faz ranger Rita Zart

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O que faz ranger Rita Zart Rita Zart. Foto: Elizabeth Thiel

O lançamento do EP O que Range, da cantora e compositora Rita Zart, marca uma trajetória incomum em carreiras musicais. Enquanto muitos artistas sobem ao palco inúmeras vezes antes de entrar em estúdio, Rita faz o caminho inverso. Após mais de 15 anos nos bastidores sonoros – como diretora, produtora, locutora e compositora de áudios e trilhas -, ela apresenta seu show de estreia hoje à noite (12/3), a partir das 21h, no Agulha.

Ainda na infância, Rita chegou a gravar peças publicitárias com seu pai, que tinha uma produtora de áudio. Mais tarde, interessada em estudar música, não se identificou com a formação exclusivamente erudita que, à época, era oferecida pela UFRGS. Desde então fez aulas particulares de canto, cursou Publicidade e Propaganda e, aos 20 anos, abriu com dois sócios a sua própria produtora – que se transformou em um coletivo sonoro do qual Rita segue fazendo parte.

A cantora também atuou no meio audiovisual, dirigindo trilhas de curtas e longas-metragens. Ela assina a trilha sonora original de Raia 4 (Emiliano Cunha, 2019) e a direção musical de filmes como Legalidade (Zeca Brito, 2019), Tinta Bruta (Márcio Reolon e Filipe Matzembacher, 2018) e Castanha (Davi Pretto, 2014). Esse contato com diferentes criadores e narrativas despertou em Rita o desejo de produzir trabalhos autorais, que ganhariam forma na residência artística do Projeto Concha, voltada ao desenvolvimento de projetos musicais de mulheres.

Laboratório de trocas e composições

“Eu tinha muitos projetos: Rita 2005, 2006, 2011… Pensei: até quando vou ficar criando pastinha de projeto que não vou lançar?”, conta bem-humorada a cantora. Na residência do Concha, além de desenvolver suas composições, Rita encontrou um espaço de troca com outras artistas mulheres sobre suas experiências na música e as opressões e inseguranças que enfrentavam em suas carreiras.

Como exemplo, Rita conta que, mesmo depois de selecionada, hesitou em entrar no projeto, temendo não estar à altura das demais participantes. Pouco depois, percebeu que esse receio era compartilhado pelas colegas e que lidar com esses conflitos era uma etapa a ser vencida pelo coletivo feminino da residência. “Foi necessário muito tempo nessas questões até chegar ao que a gente queria. Era uma ferida em todas, isso me chocou muito. Por muito tempo, achava que eu era o problema”, explica. “Foi um processo riquíssimo”.

Em paralelo às conversas sobre ser uma mulher no meio musical, Rita usou a residência como laboratório de criação e desenvolvimento das composições que tinha feito no início de 2019 usando samples e piano. Também aproveitou a oportunidade para exercitar o uso da voz em público. “Só sabia cantar e gravar em estúdio”, relembra.

Um EP “espinhento”

Em setembro de 2019, Rita chamou músicos para gravar os arranjos que tinha produzido. Lançou o primeiro single e, em novembro, o EP O que Range, que ela define como “espinhento” e “um expurgo”. “Demorei muito para fazer, e foi feito em 2019, um ano de aceitar a situação política. Junto a isso tinha a busca por uma verdade minha, que foi sempre uma preocupação. Tinha muita raiva e dor”, conta Rita, que também vê no disco o resultado do processo de luto que viveu após o suicídio da mãe em 2013. “Me vi sensível por muito tempo, talvez cinco anos”, recorda.

O nome do EP vem de um letra escrita durante a residência do Concha. Rita conta que em uma das oficinas do projeto, a cantora Juçara Marçal relatou ter encontrado sua voz como artista ao escutar mulheres negras cantando em terreiros – cantos imperfeitos que destoavam de cânones da música nos quais Juçara se inspirava até então. Em busca semelhante por uma forma de se expressar que escapasse do óbvio – e num desabafo diante do cenário político do país -, Rita apresenta um misto de afirmação e questionamento na faixa-título: O que range inteiro em mim/ O que faz ranger inteira.

Os beats e samples do EP criam uma atmosfera densa e noturna que remete ao álbum Azul Moderno, da cantora e compositora paulista Luiza Lian. A voz de Rita transita por sonoridades introspectivas – como na faixa À beira (A tristeza no meu copo vive à beira/ No meio do riso/ Ela transborda ligeira) – e dançantes – como em Linguagem (A gente se confunde/ Enlaço dedos, voz/ Tua língua, nossos nós).

O EP traz uma formação com Rita nos vocais acompanhada de Giovana Mottini (guitarra), Bruno Vargas (contrabaixo) e Pedro Saul (piano). A compilação tem participações dos músicos André Mendonça (contrabaixo acústico), Bel_Medula (sintetizadores), Clarissa Ferreira (vocal), Nina Nicolaiewsky (vocal) e Martin Estevez (bateria). Rita assina as cinco faixas de O que Range – em Apatia, ao lado de Nina Nicolaiewsky; em Linguagem, numa parceria com a psicanalista Beta Pires. Esta faixa resultou no primeiro clipe do EP, dirigido por Marcela Ilha Bordin, com performance de Rita acompanhada de Douglas Jung e Joana Selau.

Noite de estreia

Em sua estreia nos palcos, que terá projeções e uma performance inspirada no clipe de Linguagem, Rita estará ao lado da maioria dos parceiros que gravaram o EP. Além das faixas do disco, o repertório do show traz canções inéditas – com participações das cantoras Gabriela Lery e Thays Prado -, releituras de Jards Macalé e Rita Lee e um novo arranjo para Montón, música que Rita Zart compôs para a trilha de Tinta Bruta.

A apresentação repleta de convidados reflete o processo de abertura pessoal e profissional que Rita viveu em 2019. “Descobri na minha cidade muita gente que eu não conhecia”, conta. Aos 36 anos, ela pretende, ao longo de 2020, lançar novos clipes e apresentar o EP em outras cidades, com uma escuta atenta a tudo que range em suas experiências: “A gente vai vivendo, se descobrindo, se mantendo em movimento”.

Assista ao clipe de Linguagem:

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