Sem renda e com perdas materiais, profissionais da cultura apontam falta de perspectiva após enchentes no RS
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“Como o teu trabalho foi afetado pelas enchentes?”. Essa foi a pergunta norteadora de uma enquete pública lançada por Matinal, Voz Cultural, Festipoa Literária e Instituto de Cultura da PUCRS no dia 8 de maio, a fim de mapear o cenário e a situação dos profissionais do setor cultural em meio às enchentes que assolam o estado desde o início do mês.
Realizada com o apoio do Comitê Liberart RS – Programa Nacional dos Comitês de Cultura, Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa do RS e Conselho Municipal de Cultura de Porto Alegre, a pesquisa tem como objetivo auxiliar no desenvolvimento de projetos culturais e políticas de recuperação para o setor.
Os resultados preliminares foram divulgados na terça-feira (14), a partir de 1357 respostas de trabalhadores residentes em mais de 60 cidades do estado (ver versão atualizada em 15/05). Entre os municípios citados estão alguns que sofreram graves estragos com as chuvas e enchentes, como Porto Alegre, Canoas, São Leopoldo, Caxias do Sul, São Leopoldo, São Francisco de Paula, Bento Gonçalves, Farroupilha, Canela, Pelotas, Lajeado, até cidades do litoral norte, que receberam impactos indiretos, como Tramandaí, Imbé e Torres.
Produtor cultural à frente da Voz Cultural, Vitor Ortiz explica que os resultados prévios foram compartilhados com o Ministério da Cultura para auxiliar o governo a avaliar quais medidas são mais adequadas às necessidades apontadas. “A pesquisa também contém muitas sugestões de iniciativas no âmbito federal, estadual e municipal que podem socorrer a cultura neste contexto da enchente”, avalia.
81,7% dos respondentes têm a cultura como única fonte de renda
99,3% dos participantes responderam que suas atividades foram de alguma forma prejudicadas pela crise climática. A tabulação parcial das respostas apontou também que 91,6% atuam de forma profissional no campo da cultura e 81,7% têm a cultura como única fonte de renda. Entre as áreas de atuação mencionadas, a maior representatividade é do setor musical, com 24,7%, seguido por artes cênicas (11,5%), profissionais que fazem gestão, produção ou empresariado cultural (8,7%) e artes visuais e audiovisual (cerca de 6%). Outras áreas também citadas foram: livro e literatura; culturas populares; pontos de cultura; museu, memória e patrimônio cultural; circo; carnaval; artesanato; dança; e outros.
Entre os motivos mais mencionados de prejuízos estão o cancelamento de shows, apresentações, palestras, exposições, aulas, cursos, feiras e eventos de diferentes naturezas; perda de equipamentos, materiais, figurinos, produtos, acervos e espaços de trabalho; falta de locais adequados e seguros para realizar as atividades; bem como o fechamento por tempo indeterminado de instituições públicas e privadas que costumam sediar eventos. Além disso, também foram perdidos investimentos feitos com pré-produção e divulgação dos eventos cancelados. Há uma preocupação com pagamento de empréstimos, multas por atraso e também a impossibilidade de captação de recursos para a reorganização das atividades e pela projeção de falta de receita ou de renda por um período entre 20 a 90 dias.
Diante da pergunta sobre que tipo de ajuda governamental poderia auxiliar na recuperação dos prejuízos, as respostas indicam tanto a necessidade de itens e serviços mais imediatos – como doação de cestas básicas, água, medicações e atendimento psicológico – quanto um melhor planejamento a longo prazo da cadeia criativa, com acesso democrático a políticas culturais, financiamento para reposição de materiais e ações como a digitalização e salvaguarda de acervos, por exemplo.
Muitas respostas sugerem como medida a ser adotada o aporte de recursos financeiros através de repasses como auxílio emergencial, bolsas, prêmios por trajetória e a criação de editais emergenciais com subsídios para projetos. Há também a indicação de que espaços privados poderiam se articular com o poder público para abrigar espetáculos e atividades que devido à inundação estão impossibilitados.
Ortiz aponta ainda que os resultados preliminares da pesquisa – que segue recebendo respostas pelo menos até o próximo final de semana – já demonstra com clareza dois pontos importantes: artistas e produtores afirmam que estão sem previsão de renda pelo menos nos próximos três meses devido ao cancelamento de muitas atividades e ao fechamento de espaços e centros culturais, bares e teatros. Além disso, dezenas de eventos importantes – que contratam muitos artistas, técnicos e produtores – foram cancelados e a maioria deles não tem certeza se serão reprogramados. “São marcas de um apagão na cultura por causa das enchentes, ao menos pelos próximos 90 dias. É importante entender também que nenhuma atração artística de fora do estado consegue chegar em Porto Alegre com o aeroporto fechado. Então, de alguma forma, o prejuízo ultrapassa as fronteiras do RS”, lamenta.
Por fim, a partir do que foi apurado até o momento, o relatório apresenta uma longa lista com mais de 170 atividades canceladas, desde grandes eventos, como Noite dos Museus, Festival Palco Giratório e Festival Turá, até espetáculos, residências artísticas, exposições de artes visuais, concertos de orquestra e oficinas musicais. Há, também, conforme mostra a pesquisa, mais de 60 instituições, entre privadas e públicas, que tiveram seus espaços ou acervos diretamente afetados.
Equipamentos públicos como Museu de Arte do Rio Grande do Sul, Casa de Cultura Mario Quintana, Cinemateca Paulo Amorim, Centro Cultural da UFRGS, Museu do Trabalho, Teatro Renascença, Atelier Livre, Museu do Carvão, Centro Municipal de Cultura Lupicínio Rodrigues; entidades da sociedade civil como Ponto de Cultura Cirandar, Casa do Artesão, Biblioteca Comunitária Girassol, Centro Cultural Vila Flores, Terreira da Tribo e Escola de Samba Bambas da Orgia; além de locais privados como Gravador Pub, Grezz, Bar Opinião, Galeria Bolsa de Arte, Casa Baka e Circo Híbrido, para citar alguns.